TRÊS HISTÓRIAS DE VIAGENS Manuel Begonha | Presidente da Assembleia Geral

TRÊS HISTÓRIAS DE VIAGENS
Manuel Begonha | Presidente da Assembleia Geral

 Agora que ultrapassámos um intenso período de actividades comemorativas do 49º aniversário do dia 25 de Abril, decidi alterar de novo o tema do meu texto.
Das várias experiências que vão contribuindo para a formação de cada um de nós e que são o peso da vida de um homem, umas vindas da família, outras do meio académico e profissional, a viagem é para mim uma das mais enriquecedoras, pelas oportunidades que proporciona de observar novos ambientes, a cultura, a história e os costumes de outros povos aparentemente diferentes.
Vou relatar três das viagens que pela sua natureza, se tornaram inesquecíveis.

Em Março de 1975, deslocou - se á URSS uma delegação composta por militares e civis chefiada pelo então Ministro do Trabalho, major Costa Martins.
Para além de visitas a vários locais, o objectivo mais importante era falar com os responsáveis soviéticos acerca da revolução portuguesa.
Fomos recebidos pelo Presidente do Conselho de Ministros A. Kossiguine, pelo 1Vice Ministro e o General Sergei Sokolov, chefe do Departamento de Relações Internacionais.
Das reuniões havidas, ficou bem claro que a URSS não estava interessada em qualquer tipo de intervenção ou interferência em Portugal e face à situação internacional que se vivia, não pretendia hostilizar a NATO.
E assim foi.
Os pormenores desta viagem, foram apresentados no texto que publiquei em Dezembro de 2020 "Vêm aí os russos - do mito à realidade".
O que ficou por contar, é que fazia parte do programa uma deslocação da delegação militar à Base Naval de Sebastopol na Crimeia.
O almoço decorreu num enorme salão, completamente cheio que tinha um grande palco.
Quase a terminar esta cerimónia, abriram - se as cortinas e no palco apresentou-se o Coro dos Marinheiros do Mar Negro.
Cantaram belas canções russas, até que se lembraram de nos convidar a juntarmo-nos a eles.
Ouvimos então os primeiros acordes da canção "Grândola Vila Morena", com o coro a fazer a música de fundo e nós lá ficámos de braço dado e não tivemos outra solução senão fazer de solistas.
Mas quem é que honestamente sabe toda a letra desta canção?
A dada altura, cada um cantava um verso, com os movimentos oscilatorios do corpo a acompanhar o ritmo cada vez mais desencontrados e lá terminámos a actuação de uma forma muito pouco abonatória.
Após esta penosa exibição abandonamos o palco, ainda assim generosamente aplaudidos.
Mas esta visita estava fadada a ser aziaga.
Tinha-me sido atribuída a função de proferir os discursos oficiais. Desta vez após uma empolgante improvisação, julgava eu, porque a tradução me pareceu algo abreviada, fiz as habituais saudações e atirei o copo do vodka para trás das costas.
Fez-se um silêncio sepulcral, apenas quebrado pelo barulho das prestimosas vassouras a varrer os cacos, porque desta vez não era o copo adequado para ser sacrificado, por pertencer ao serviço de louça de um czar, apenas utilizado em ocasiões especiais.

A viagem seguinte teve início no Laos, país relativamente pobre mas rico em património.
Visitamos o Mosteiro de Luan Prabang e seguimos pelo rio Mekong, cujas águas haveria de sulcar mais vezes nesta aventura, para ver as impressionantes cavernas de Ban Pak, onde se expõem milhares de estátuas de Buda.
Seguimos para o Camboja, com o principal intuito de conhecer a monumental edificação de Angkor Vat, desejo que me perseguia há muito devido à respectiva descrição nos livros de Emílio Salgari, companheiros da minha infância.
Entrámos finalmente no Vietname, o principal objectivo deste percurso.
Começámos por Ho Chi Minh ex Saigão, que é uma cidade moderna e bem traçada. Possui numerosos museus, muitos evocativos da guerra contra os EUA.
Passámos a Hanoi, cidade com traços da colonização francesa, muito bonita e com um lago bem enquadrado que ajuda à elegância do conjunto.
Fomos assistir a um teatro aquático de marionetas muito original. Por todo o lado remeniscencias da guerra.
Visitámos vários outros locais turísticos como a Baía de Halong, campos com túneis subterrâneos, praias, até que chegámos a Hué, cidade medieval muito bem conservada, onde resolvi ir a uma loja cuja especialidade era colocar os pés dos clientes num tanque, onde peixes se encarregavam de lhes retirar eventuais impurezas.
Mas como aparentemente não encontraram nada de muito substancial, resolveram começar a morder - me desapiadadamente os pés, o que me fez abandonar a sessão e fugir descalço para a rua.
Fiquei muito impressionado com o Vietname.
Adoptaram o regime chinês dos dois sistemas, situação que não é do total agrado de alguns antigos combatentes mais ortodoxos com quem tive a oportunidade de falar.
Tem bons hotéis, come-se bem e é surpreendentemente limpo.
Com a capacidade de trabalho, determinação e frugalidade daquele povo, estou plenamente convencido que em breve será um país a ter um grande protagonismo regional.

E a última desta série de viagens foi à Patagónia.
Entramos pela Argentina em Buenos Aires que é uma cidade deslumbrante, não só pelo seu enquadramento paisagístico, mas também pela vida, pela cultura, pelo tango e até pelo rugby.
Sob o ponto de vista urbano é uma cidade europeia.
Passamos pelos respectivos locais mais icónicos tais como, o Bairro La Boca e a Rua Caminito, com os seus heróis populares, Maradona, Carlos Gardel e Evita Peron, imortalizados numa varanda e ainda 
O Obelisco, a Rua Corrientes e a extraordinária biblioteca no Teatro Ateneo, o Teatro Cólon, o Palácio presidencial, a Casa Rosada e o cemitério La Recoleta onde jaz Evita Peron.
Com alguns companheiros resistentes das ditaduras principalmente de Jorge Videla, passei por prisões e outros locais onde actuaram os torcionários.
Seguimos então para o Sul, deslocando-nos ao magnífico glaciar Perito Moreno, até entrarmos na Patagónia Argentina que é uma autêntica ante-câmara da Antártida.
Julgo ser uma das últimas grandes maravilhas da natureza, quase intocada.
Com uma variedade de glaciares belíssimos e uma flora e fauna especiais, onde sobrevivem os pumas e as alpacas e no litoral milhares de pinguins e muitas orcas.
Chegamos então a Ushuaia, a cidade mais a sul do continente americano.
Embarcamos num cruzeiro que numa indiscritivel travessia através de vários glaciares  braços de mar e locais de desembarque, passamos o cabo Horn e chegamos a Punta Arenas no Chile.
Há por todo o lado evocações ao português Fernão de Magalhães.
Daqui viramos a Norte, a Puerto Natales, porta de entrada da Patagónia chilena e ao Parque Nacional Torres del Paine, onde continuou o nosso assombro pelos vários espectáculos naturais que nos foram proporcionados.
Atingimos então Santiago do Chile, cidade muito espanhola.
Lá, passámos pelo Palácio de La Moneda e seguimos o percurso de Salvador Allende, conversámos com as mães da Praça de Maio.
Fomos a Vina del Mar e de seguida visitamos La Sebastiana, casa de Pablo Neruda em Valparaiso, cidade com um espantoso colorido e localização. 
Para além da paisagem única da Patagónia, quero destacar a passagem pelo temível cabo Horn. 
Em dias de mar chão os mais afoitos conseguem lá desembarcar e subir até um Farol que possui um livro para os visitantes escreverem o que lhes aprouver. 
É claro que para um português e marinheiro como eu, algo teria de deixar registado em tão mítico lugar. 
Resolvi então, escrever o poema "Mar Português" de Fernando Pessoa mas como me esqueci dos últimos versos, acrescentei uns versos dos "Lusíadas" de Camões. 
E assim pelos caprichos de uma má memória, lá deixei um poema em que juntei os dois maiores poetas da língua portuguesa.