Congresso "Conquistas da Revolução" - Intervenção de Nuno Lopes, membro da direcção da ACR
Painel 1
O regime fascista; 48 anos de exploração
e repressão; 48 anos de resistência
A ditadura fascista oprimiu Portugal
durante 48 anos. Teve como base a liquidação das liberdades mais elementares e
a mais feroz repressão. O fascismo português é caracterizado como o governo
terrorista dos monopólios, dos grupos financeiros e dos agrários, associados ao
imperialismo estrangeiro.
Podemos dividir a ditadura fascista
em dois períodos:
a Ditadura Militar entre 1926 e 1933,
que suspende as garantias consignadas na Constituição Portuguesa de 1911, acabando
todas as organizações e movimentos políticos. Alguns, como o Partido Comunista
Português ou o movimento anarcossindicalista da Confederação Geral do Trabalho
passaram à clandestinidade;
e a Ditadura Fascista entre 1933 e
1974, autoritária, conservadora, nacionalista, corporativista, tradicionalista,
antiliberal, antiparlamentarista, anticomunista e colonialista. Assentando no
culto do Chefe, Salazar era apresentado como um chefe paternal, austero, "casado
com a Nação", "ungido de Deus", o "salvador da Pátria"
ou o "redentor da Nação".
É necessário, no momento
em que se assiste a uma enorme campanha de falsificação da história e ao
branqueamento do fascismo, falar dos 48 anos que muitos pretendem desculpabilizar
ou amaciar, falar da ditadura que se impôs e sobreviveu pelo medo.
É necessário falar da
PIDE, da Legião Portuguesa, da Mocidade Portuguesa, da censura, do Secretariado
de Propaganda Nacional, do Tribunal Militar Especial ou dos Tribunais Plenários.
Nos 48 anos de fascismo,
a polícia política PVDE/PIDE/DGS reuniu um brutal aparelho repressivo e de
informações do foro pessoal de cada cidadão português que permitiu reunir nos
seus Arquivos Centrais um total de cerca de 6 milhões de fichas informativas,
para além de 29 510 processos individuais que registaram as informações
relativas aos presos políticos propriamente ditos. Todo este sistema estava
ancorado, designadamente, numa rede nacional de cerca de 20 000 informadores. A
PIDE utilizava como métodos a tortura muitas vezes até à morte como no caso de
Germano Vidigal, o assassínio como no caso de Catarina Eufémia, Alfredo Dinis,
Militão Ribeiro, José Dias Coelho, o General Humberto Delgado, Cândido Capilé,
José Adelino dos Santos entre tantos outros.
Não podemos esquecer o aparelho
prisional fascista, com a Fortaleza de São João Batista em Angra do Heroísmo, com
a Puterna, um buraco com oito metros
de profundidade onde, em pleno Verão, escorria água na escadaria, no Calejão,
que tinha sido interdito para a estadia de cavalos por não ter condições
para tal, mas passou a ter para guardar presos, o Forte de Peniche, Caxias, a
Penitenciaria de Lisboa, o Aljube, a prisão na sede da PIDE no Porto.
Permitam-me destacar o Campo de
Concentração do Tarrafal, criado em 1936, inspirado nos campos de
concentração nazis, que por essa altura surgiam por toda a Alemanha. Em 29 de Outubro de 1936 chegam ao Tarrafal,
na ilha de Santiago, Cabo Verde, a bordo do navio “Luanda”, os primeiros 152
presos políticos entre os quais Bento Gonçalves, secretário-geral do PCP e
Mário Castelhano, dirigente da CGT, entre outros destacados antifascistas.
Encontravam-se também neste grupo muitos dos participantes nas greves do 18 de
Janeiro de 1934 e os marinheiros da revolta de 8 de Setembro de 1936 que
ocuparam os navios de guerra “Afonso de Albuquerque”, “Bartolomeu Dias” e
“Dão”, revolta esta fortemente reprimida pela ditadura fascista e que vitimou
10 marinheiros e condenou outros 60 a uma soma de mais de 600 anos de cadeia.
Como Pedro Soares refere no seu livro
“Tarrafal, Campo da Morte Lenta”, os presos políticos eram condenados a um
processo de morte lenta, maus tratos (entre os quais a frigideira), má
alimentação, falta de tratamento médico principalmente tendo em conta as
doenças tropicais (a biliosa, fase final do paludismo crónico, vitimou, entre
outros, Bento Gonçalves em 11 de Setembro de 1942) e o clima (uma das mais
inóspitas zonas de Cabo Verde).
As mortes dos antifascistas foram
premeditadas, tão nítido era o intuito que o então director do campo afirmava
“Quem vem para o Tarrafal vem para morrer”.
O tempo de
prisão dos 340 presos políticos que passaram pelo Tarrafal somou dois mil anos,
onze meses e cinco dias, muitos deles sem terem sido julgados.
Em 1953, Francisco Miguel Duarte,
militante do PCP foi transferido do Tarrafal para o Forte de Caxias, sendo o
último preso político português a sair do Tarrafal. Em 26 de Janeiro de 1954 é
encerrado o Campo de Concentração do Tarrafal, após aí terem sido assassinados
32 antifascistas.
Em 1966 é reaberto o
Campo de Concentração do Tarrafal, com o objectivo de encarcerar os mais
destacados membros dos movimentos de libertação nacional.
A censura prévia às publicações, às
emissões de rádio e de televisão, ao teatro e ao cinema, tinham o objectivo de defender
a ideologia do governo fascista, com o argumento de defender "a moral e os
bons costumes".
Grande foi a repressão, mas enorme
foi a luta e resistência ao fascismo, desde o republicanismo reviralhista,
passando pelo movimento anarco-sindicalista e pelos militantes comunistas, para
além de muitos democratas, todos os lutadores antifascistas deram o seu
contributo para que o povo português nunca deixasse de lutar. Desde as revoltas
militares no seio das Forças Armadas contra a Ditadura Militar (1926-1933) onde
participaram civis até ao 25 de Abril de 1974.
A luta dos trabalhadores e do povo
foi sempre uma característica deste período.
Destaco:
- A Revolta de Fevereiro de 1927, que
ocorreu entre 3 e 9 de Fevereiro de 1927, tendo terminado com a rendição e
prisão dos revoltosos e saldou-se em cerca de 80 mortos e 360 feridos no Porto
e mais de 70 mortos e 400 feridos em Lisboa;
- O 18 de Janeiro de 1934, com o
apelo à «Frente Única Sindical», em diferentes pontos do país, sob a forma de acções
de esclarecimento, manifestações de rua, acções de sabotagem, paralisações e
greves em numerosas empresas, greves gerais em Almada, Silves e Marinha Grande,
dezenas de milhar de trabalhadores manifestaram inequivocamente o seu repúdio à
fascização dos sindicatos e à política da ditadura;
- A Revolta dos Marinheiros a 8 de
Setembro de 1936, com a ocupação do “Afonso de Albuquerque”, “Bartolomeu Dias”
e “Dão”, que tinha por objectivo a satisfação de direitos, o fim das perseguições
e a libertação dos presos;
- As greves operárias na Covilhã em
1941;
- A greve dos trabalhadores da Carris
de 1942, e que alastra a todo o país;
- As lutas e grandes greves de 1943,
por melhores salários, na região de Lisboa, margem sul do Tejo, São João da
Madeira, Alentejo e Norte;
- Marchas da fome em várias
localidades do país contra a falta de géneros;
- O movimento grevista de 8-9 de Maio
de 1944, em protesto contra a escassez de bens e racionamento do pão;
- As manifestações de regozijo pelo
fim da Segunda Guerra Mundial;
- As manifestações de 31 de Janeiro
de 1946 em Lisboa e no Porto que exigem o fim da ditadura;
- As comemorações do 1.º aniversário
do fim da guerra, onde é exigida a realização de eleições livres e o fim da
ditadura;
- A comemoração do dia do estudante
em Lisboa e no Porto e os protestos organizados por estudantes da Academia de
Lisboa em 1947;
- As greves por aumentos salariais em
1956;
- Em 1962 - a crise académica, após a
proibição das comemorações do Dia do Estudante, as comemorações do 1º de Maio,
com destaque para Lisboa, onde saíram à rua cem mil manifestantes, e a vitória
da luta do proletariado agrícola do Alentejo e Ribatejo que viria a impor o
horário das 8 horas de trabalho diário nos campos do Sul e do Ribatejo;
- A “greve da mala” na Carris em
1967;
- Em 1969 - mais de 70 mil
trabalhadores estiveram em luta nos primeiros 45 dias do ano na região de
Lisboa, margem Sul e Baixo Alentejo, a Academia de Lisboa decreta luto
académico;
- 40 mil pessoas manifestam-se no
Porto contra o aumento do custo de vida, em 1972;
- As greves de Outubro/Novembro de
1973;
- A greve geral de 4 de Fevereiro de
1974, na Universidade de Lisboa contra a guerra colonial, entre tantas outras
lutas.
Foram
vários os movimentos de unidade
antifascista.
A Frente
Popular foi criada em Portugal em 1936, congregando o PCP, a FJCP, o Socorro
Vermelho Internacional, a franco-maçonaria, o Partido Socialista Português, a
Aliança Republicana, a Liga Antifascista, os Sindicatos Autónomos, o Bloco
Antifascista dos Estudantes e a AAA (Antifascistas, Antimilitaristas,
Anticlericais). Tinha como objectivo «derrubar o fascismo e criar um governo
democrático-popular provisório que esmague o fascismo, solucione os problemas
sociais prementes e convoque eleições gerais».
Em Dezembro de 1943 é criado na
clandestinidade o Conselho Nacional de Unidade Anti-Fascista. Num
"Comunicado ao Povo Português", o Conselho declarou ser objectivo do
Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF) a instauração de um governo
em que estivessem representadas todas as correntes da oposição e que desse ao
povo português "a possibilidade de escolher, em eleições verdadeiramente
livres, os seus governantes".
O Conselho Nacional, que teve como
Presidente Norton de Matos e contou na sua composição mais de 40 membros,
conseguiu unir à sua volta praticamente todos os sectores da oposição
antifascista, esteve aberto a grupos militares e a correntes católicas e formou
Comités de Unidade Nacional por todo o país.
Com o fim da guerra, o MUNAF lançou
um vastíssimo e dinâmico movimento político de massas que impôs temporariamente
a sua actuação legal e semi-legal (o MUD) e que nos anos seguintes, fazendo
frente à repressão, promoveu uma intensa actividade política.
Em 1949 a campanha eleitoral de
Norton de Matos decorreu sobre o lema «Sem eleições livres, não votes» e,
apesar das gigantescas manifestações e comícios de apoio, nomeadamente no
Porto, em Lisboa e Coimbra, Norton de Matos desiste da sua candidatura por não
existirem garantias de democraticidade eleitoral.
Em 1951 é apresentada a candidatura
de Ruy Luís Gomes pelo Movimento Nacional Democrático, candidatura que foi
considerada inelegível pelo Conselho de Estado.
Em 1958 é apresentada a
candidatura de Arlindo Vicente (20 de Abril) que virá a fundir a sua
candidatura com a de Humberto Delgado. Nesta batalha eleitoral o povo português
travou uma das suas maiores batalhas contra a ditadura fascista. Nos 28 dias de
“campanha” e apesar de toda a repressão, com proibições, espancamentos e
prisões, o governo fascista é obrigado a autorizar mais de 60 sessões públicas,
grandiosas manifestações de rua, com a participação de 200 mil pessoas no Porto
e 300 mil em Lisboa. Apesar da total ausência de garantias democráticas e da
burla eleitoral, a oposição decide ir às urnas e o governo é forçado a atribuir
à oposição 22,5% dos votos. A burla fascista levanta uma poderosa vaga de
protestos: cerca de 60 mil operários fabris e rurais fazem greves e
paralisações reclamando a demissão de Salazar. As eleições de 1958 abalaram
o fascismo tanto no país como fora dele, o jornal norte-americano New York
Times publicou a seguinte notícia «O general Humberto Delgado, é claro, perdeu
por uma larga margem a favor do candidato escolhido por António de Oliveira
Salazar, o ditador e primeiro-ministro. O nome do vencedor é por acaso, o
contra-almirante Tomás, mas isso não tem qualquer importância. Ele não terá
qualquer poder e o Dr. Salazar podia da mesma forma ter escolhido o polícia de
trânsito mais à mão.»
A criação em
1962 da Frente Patriótica de Libertação Nacional, com Álvaro Cunhal, Humberto
Delgado e Ruy Luis Gomes, entre outros, teve também um importante papel na
aglutinação e dinamização da luta contra a ditadura.
Importantes foram também
os Congressos da oposição democrática. O primeiro, realizado em 1957, reuniu em
Aveiro, sob o olhar atento do fascismo, viria a dar um forte abalo ao regime,
com a criação de uma ampla frente unitária, que irá edificar um ano mais tarde
a candidatura presidencial do General Humberto Delgado.
Quando os promotores
aproveitaram “uma nesga azul de liberdade” na célebre frase de António Luís
Gomes, ministro da I República, que presidiu aos trabalhos do congresso,
conseguiram algo impensável até aquele momento - a hipótese de reunião das
forças antifascistas.
Depois deste viriam a
realizar-se em Aveiro mais dois congressos da oposição democrática, em 1969 e
1973, com a participação de mais de 4 mil antifascistas, cuja Comissão Nacional
era composta por mais de 500 membros, representantes de todos os distritos do
país, e onde foram apresentadas cerca de 200 teses, muitas delas colectivas, com
um papel fundamental na transição política de Portugal desencadeada com o 25 de
Abril de 1974.
Em 1961 começa uma nova fase. As contradições no seio do fascismo aumentam,
agravam-se as condições económicas e sociais, eclode a guerra colonial e desenvolve-se
a luta dos povos oprimidos das colónias. Há um acréscimo da luta popular e
democrática de massas. A partir de 1961 acumulam-se os factores que conduziram
a uma situação revolucionária da crise.
Com Marcelo Caetano
e a morte de Salazar aprofunda-se a crise e para o fascismo entra na ordem do
dia a questão da própria sobrevivência. E o fascismo tudo fará para se manter
no poder, da liberalização demagógica às velhas formas de repressão.
A dramática guerra
colonial, para a qual foram mobilizados um milhão e quatrocentos mil homens em
treze anos (mais de 10% da população portuguesa e mais de 90% da juventude
masculina) levou à morte quase 9 mil homens e ficariam feridos ou incapacitados
cerca de 100 mil. Nos movimentos de libertação nacional o número de mortos
ascendeu a quase 100 mil.
Citando o General
Vasco Gonçalves “A Guerra Colonial foi para a grande parte dos oficiais do
Quadro Permanente uma verdadeira escola de educação política, uma escola de
consciencialização política, de percepção e de conhecimento das relações
económico-sociais que conduziam à guerra que o governo fascista-colonialista
fazia aos movimentos de libertação anti-colonialista e que arrastava o país
para a grave situação em que se encontrava.
O aumento das
contradições no seio do capitalismo durante esta fase da ditadura, a vastidão e
força da luta popular e democrática, a diminuição da base social e política de
apoio ao fascismo, a formação a partir dos sindicatos fascistas de
um movimento sindical independente (a Intersindical), o movimento democrático
com a grande campanha em torno das eleições para a Assembleia Nacional
fascista, o movimento juvenil, a luta armada dos povos das colónias, a formação
de um movimento militar organizado (o MFA), conduziram a uma crise geral e
irreversível do regime, que era já incapaz de impedir o curso revolucionário da
luta do povo português, que após 48 anos de opressão e obscurantismo, tinha
agora a consciência clara que a solução insurrecional era o único caminho para
pôr fim à ditadura fascista.
Nuno Lopes, membro da direcção da ACR
Congresso "Conquistas da Revolução" - Intervenção de António Avelãs Nunes, Presidente da Assembleia Geral da ACR
Congresso "Conquistas da Revolução" Intervenção de António Avelãs Nunes, Presidente da Assembleia Geral da ACR
Há 40 anos a nossa Pátria
deixou de ser “lugar de exílio” (Daniel Filipe) para os portugueses.
Durante quase 50 anos de “injustiça e de vileza”, de
“medo e de traição” (Sophia), o fascismo condenou-nos à opressão, à pobreza e
ao analfabetismo, à guerra colonial e à emigração em massa. Mas, como diz uma
canção do meu tempo de estudante de Coimbra, “é nas noites mais negras que as
estrelas brilham mais” (Fernando Machado Soares). E elas brilharam na noite negra
do fascismo, que encarcerou e assassinou muitas delas, como se as estrelas se
pudessem encarcerar e mesmo assassinar… Tudo com a cumplicidade e o apoio
activo do “mundo livre”, as chamadas democracias
ocidentais. Salazar bem poderia ter dito: a Europa está connosco; o mundo livre está connosco…
Mas o povo que faz a História nunca desertou da luta,
organizou-se e foi sempre caminhando, um passo atrás, dois passos à frente, rumo à vitória. E esta surgiu num Abril
cheio de cravos vermelhos, quando o povo fardado
pegou em armas para pôr fim à ditadura.
As portas que Abril
abriu (Ary dos Santos) conduziram directamente ao Maio dos trabalhadores.
Nesse 1º de Maio de 1974 começou, verdadeiramente, a revolução, porque nele se revelou e lançou a Aliança Povo-MFA. O povo já tinha enfeitado com cravos vermelhos as
espingardas dos soldados de Abril, dizendo com flores que não queria mais
guerra. Já tinha dado caça aos pides e já tinha libertado os presos políticos.
Já tinha começado a exercer os seus direitos e a gozar as suas liberdades. Mas
foi com o 1º de Maio que o povo impôs a Spínola e aos que o apoiavam o
reconhecimento imediato dos partidos políticos, a aceitação do papel dos
sindicatos, a libertação das câmaras municipais e das juntas de freguesia dos
fascistas que as ocupavam ilegitimamente.
Pelas portas que
Abril abriu entrou a festa, a liberdade e a democracia.
E, como o
povo é quem mais ordena, entraram também a criação do salário mínimo
nacional e a sua fixação em 3.300$00, duplicando ou triplicando o rendimento de
milhões de trabalhadores portugueses, que ficaram com um poder de compra
superior ao do atual salário mínimo.
E
entrou o reconhecimento do direito das mulheres a aceder à magistratura, à
diplomacia e a outros cargos públicos e a proclamação da igualdade de direitos
entre homens e mulheres.
E
entrou a generalização dos direitos da segurança social, o direito ao subsídio
de Natal, a generalização do direito a férias e ao subsídio de férias, o
aumento do abono de família e de outras prestações sociais. E entrou a
atribuição do direito a 90 dias de licença de parto e a consagração do direito
ao subsídio de desemprego.
As portas que Abril abriu
abriram o caminho da revolução.
Consciente disto mesmo, o povo, em aliança com o MFA, foi exercendo todos os
seus direitos, mesmo antes da sua consagração legal.
Foi
o povo que, logo no dia 25 de Abril, aboliu a censura e exerceu, sem
limitações, a liberdade de pensamento e de expressão, bem como a liberdade de
reunião, de associação e de manifestação, apesar de o MFA apelar às pessoas
para que ficassem em casa.
Foi
o povo que ocupou as sedes da União Nacional-Acção Nacional Popular, da Pide,
da Legião e da MP, deitando todo este lixo para o respectivo caixote.
Foi
o povo que exigiu nas ruas o fim da guerra colonial e o reconhecimento do
direito dos povos colonizados à autodeterminação e à independência, pondo fim à
resistência dos últimos bastiões do colonialismo.
Foi
o povo trabalhador que impôs os partidos políticos, os sindicatos e o direito à
greve, que saneou as autarquias e assumiu a administração das empresas
abandonadas ou sabotadas pelos patrões.
Foram os trabalhadores que chamaram a si o
controlo dos bancos que persistiam em sangrar o País e que ocuparam e
cultivaram as terras do latifúndio, sob o lema a terra a quem a trabalha, transformando os ideais em força
material: 550 UCPs e cooperativas passaram a cultivar mais de um milhão de
hectares de terra, dando emprego a mais de 50 mil trabalhadores e criando
riqueza como nunca antes, riqueza repartida por toda a comunidade.
Foi
o povo que impôs a nacionalização da banca, dos seguros e dos sectores
estratégicos, a reforma agrária, o controlo operário, a subordinação do poder
económico ao poder político democrático, pondo termo ao poder dos grupos
monopolistas que tinham sido a base de apoio do fascismo.
Foi
o povo que escreveu nas ruas, nos campos, nos mares, nas cidades, nas fábricas,
nas oficinas, nos quartéis, nas escolas, nos hospitais e nas repartições
públicas as normas que viriam a ser consagradas na CRP, promulgada pelo
Presidente Costa Gomes em 2 de Abril de 1976 para entrar em vigor no dia 25 de
Abril desse ano. E com a CRP veio a criação do SNS, o desenvolvimento e a
melhoria da escola pública, o poder local democrático.
Portugal
mudou radicalmente. E mudou para muito melhor. Apesar da situação herdada do
fascismo, apesar da situação internacional desfavorável (o mundo capitalista
vivia em 1973 em depressão complementada por acentuada inflação – a famosa estagflação) e apesar do boicote do
“mundo livre”, o período revolucionário foi, em Portugal, um período de
crescimento económico e de desenvolvimento social. Isto mesmo consta de um
Relatório da insuspeita OCDE, ao reconhecer que, em finais de 1975, a economia
portuguesa gozava de uma “saúde invejável”.
A
revolução portuguesa ajudou também a mudar o mundo, nesse mesmo ano em que o
poderoso exército do imperialismo sofreu uma derrota humilhante no Vietnam,
cujo povo obrigou os EUA a uma capitulação sem condições. A derrota do fascismo
colonialista em Portugal veio acelerar e consolidar a vitória dos movimentos de
libertação nas antigas colónias portuguesas, pondo fim ao último império
colonial e abrindo o caminho à derrota do apartheid
na África do Sul.
O
25 de Abril valeu a pena. Vale a pena celebrar Abril e continuar a defender os
valores de Abril e as conquistas de Abril!
E
as conquistas de Abril, as conquistas da revolução, andam
associadas a um homem, a um militar de
Abril, que encarnou, como nenhum outro, o espírito e a força da Aliança Povo-MFA, que acreditou nas
capacidades do povo português e que trabalhou, dia e noite, para tornar
realidade no nosso País o programa político que viria a ser plasmado na CRP.
Refiro-me, como já adivinharam, a Vasco
Gonçalves.
Por
mais que queiram ‘matar’ a sua memória pelo silêncio, ele faz parte da História
de Portugal nos anos da Revolução, porque ele fez História, sempre do lado dos trabalhadores e sempre ao lado dos trabalhadores.
Primeiro-Ministro, por indicação do MFA, de 18.7.1974 até 2.9.1975, os seus
Governos – apesar de deles fazerem parte, salvo o V Governo Provisório, forças
que, manifestamente, não queriam que a revolução avançasse – procuraram
acompanhar os anseios populares e deram ao povo trabalhador inteira liberdade
para exercer os seus direitos e para expressar a sua vontade.
O
Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves está associado aos momentos mais importantes
do processo revolucionário: o reconhecimento por Portugal do direito à
autodeterminação dos povos, incluindo a aceitação da independência dos
territórios coloniais; a legalização do direito à greve (DL nº 372/74,de 27 de
Agosto); o reconhecimento do direito dos trabalhadores desempregados aos
benefícios concedidos pela Previdência (DL nº 411/74, de 5 de Setembro); a
institucionalização do subsídio de desemprego (DL nº 169-D/75, de 31 de Março);
a actualização do salário mínimo para 4.000$00 (DL nº 292/75, de 16 de Junho);
o reconhecimento dos trabalhadores do estado (incluindo os militares e os
membros das forças militarizadas) a uma remuneração mínima e ao subsídio de
férias (DL nº 294/75, de 16 de Junho); a nacionalização dos bancos emissores –
Banco de Portugal, BNU e Banco de Angola (DL nºs 450, 451 e 452, de 13 de
Setembro de 1974); a legalização da gestão democrática das escolas (DL nº
806/74, de 31 de Dezembro); a nacionalização da banca e dos seguros e dos sectores
básicos e estratégicos da economia; o reconhecimento do controlo da produção
organizado pelos trabalhadores (DL nº 203-C/75, de 15 de Abril); a legalização
da reforma agrária, levada a cabo
pelo operariado agrícola nas terras do latifúndio, mas dando particular atenção
aos apoios a prestar pelo estado aos pequenos e médios agricultores,
especialmente no norte e centro do País, e também à proteção dos rendeiros com
a consagração de um novo regime do arrendamento rural (DL nº 201/75, de 15 de
Abril), e ao direito dos povos a administrar os baldios.
Vasco
Gonçalves não foi deputado à Assembleia Constituinte. Mas acreditou que era
possível construir em Portugal, como um dia escreveu, “uma via pacífica e
pluralista para a democracia e o socialismo, garantida pelas Forças Armadas”.
Por isso ele esteve com os trabalhadores, com os jovens, com as mulheres, com
os militares do MFA em todas as ações, em todas as lutas através das quais se
foram escrevendo, com tintas fortes, os princípios e os direitos que a CRP veio
consagrar. Ele esteve comprometido com todas as ações do povo português
-
para “defender a independência nacional, garantir os direitos fundamentais dos
cidadãos, estabelecer os princípios basilares da democracia, assegurar o
primado do estado de direito democrático e abrir caminho para uma sociedade
socialista, no respeito da vontade do povo português, tendo em vista a
construção de um país mais livre, mais justo e mais fraterno” (do Preâmbulo da CRP);
-
para fazer da República portuguesa “uma República soberana, baseada na
dignidade humana e na vontade popular e empenhada na sua transformação numa
sociedade sem classes” (art. 1º CRP);
-
para fazer de Portugal “um estado democrático, baseado na soberania popular, no
respeito e na garantia dos direitos e liberdades fundamentais e no pluralismo
de expressão e organização política democráticas, (...) com o objectivo de
assegurar a transição para o socialismo mediante a criação de condições para o
exercício democrático do poder pelas classes trabalhadoras” (art. 2º CRP), um
estado cujas tarefas fundamentais são as de “garantir a independência nacional,
criando as condições políticas, económicas e sociais que a promovam, e (…)
abolir a exploração e a opressão do homem pelo homem” (art. 9º CRP);
-
para fazer de Portugal um estado que “preconiza a abolição de todas as formas
de imperialismo, colonialismo e agressão, o desarmamento geral, simultâneo e
controlado, a dissolução dos blocos político-militares e o estabelecimento de
um sistema de segurança colectiva, com vista à criação de uma ordem internacional
capaz de assegurar a paz e a justiça nas relações entre os povos” (art. 7º
CRP).
A
expressão gonçalvismo foi inventada
pelos adversários da Revolução para reduzir o movimento revolucionário a uma
espécie de seguidismo messiânico e
para desvalorizar e depreciar o mais destacado timoneiro do movimento
revolucionário no seio do MFA. Ela é filha do medo de quem a inventou, medo da
revolução, medo do socialismo, e a violência e o destempero das calúnias que
ela pretendia (e ainda pretende) veicular foram subindo à medida do medo dos
seus inventores.
Criada para ser usada depreciativamente contra
Vasco Gonçalves e contra as políticas que este representava, esta expressão
acabou por se transformar numa homenagem a Vasco Gonçalves. Em 1977, ele
próprio descodificou esta campanha: “Hoje em dia, falar de gonçalvismo é identificar o gonçalvismo
com as conquistas da revolução”; “hoje em dia, a luta contra o gonçalvismo é, na realidade, uma luta
contra a Constituição”.
Verdade
de ontem, verdade de hoje. A CRP recorda-lhes a Revolução e as conquistas da
Revolução. E Vasco Gonçalves continua a ser para eles, ainda que o neguem
mil vezes, o rosto e o símbolo da Revolução de Abril.
Apesar
dos rombos que sofreu, a CRP continua a ser um obstáculo aos avanços da direita
revanchista e saudosa do passado, que continua a olhá-la com maus olhos, considerando-a
uma manifestação do império do mal. Outros
há, no entanto, no afã de enterrarem tudo o que cheire à Revolução de Abril,
têm procurado vestir a C RP com roupas de Novembro, desrespeitando-a sempre que
podem e mostrando-se sempre, em nome da ‘modernidade’ (eles acompanham sempre
as ‘modas’…), dispostos a revê-la (encostados à direita).
Para
nós, ela continua a ser um bom programa para reunir à volta dele os democratas
que queiram trabalhar para fazer de Portugal uma Pátria soberana e independente, um país mais livre, mais justo e mais fraterno, em que o poder
económico e financeiro esteja efectivamente subordinado ao poder político democrático.
Estes
mesmos que nunca quiseram nem querem nada que se pareça com a revolução
aliam-se à direita na obra inglória de ‘matar’ de novo Vasco Gonçalves, desta
vez pelo silêncio. Todos eles ‘encenaram’ as comemorações dos 40 anos do 25 de
Abril como se ele não tivesse existido. Mas ele existiu e vai ficar na
História, mesmo quando já ninguém se lembrar dos seus adversários e destes
‘encenadores’ que procuram tirar do retrato da História um dos seus actores
mais destacados.
“Homem
de um só rosto e de uma só fé”, como diria o velho Sá de Miranda, Vasco
Gonçalves sublinhou um dia que “o socialismo que queremos consiste (também) na
possibilidade de cada cidadão ser um homem de lisura, um homem limpo, um homem
íntegro, um homem transparente”. Parece que desenhava o seu próprio retrato,
porque Vasco foi isso mesmo: um homem de
lisura, um homem limpo, um homem íntegro, um homem transparente. Um homem que sempre olhou o povo olhos nos
olhos, e que disse num dos seus discursos: “Esta cara não se esconde, não muda,
não renuncia. É a minha cara. (…) É a cara a quem vocês pedirão contas”.
Este
era Vasco Gonçalves, “homem inteiro”, “homem verdade”, o “Vasco igual a povo”,
o Companheiro Vasco, símbolo maior da Aliança
Povo-MFA. Homem do MFA (“essa gente é o que é, eu sou um homem do MFA”,
como repetia tantas vezes), que faz da sua participação no 25 de Abril, ao lado
dos capitães, o momento mais alto da sua vida, não se esquece, porém, de
sublinhar que “é o povo que faz a História”.
Um
dia confidenciou ao seu Amigo João de Freitas Branco: “O que mais me espanta
nestes tipos é a falta de patriotismo”. Como patriota que foi, ele entendia,
porém, que “a Pátria são os portugueses de carne e osso, (…) é o povo que vive
dia a dia os eus problemas, mas que sofre e que tem alegrias, que constrói o
futuro, dia a dia”.
Termino
esta minha fala com uma mensagem de Vasco Gonçalves:
“O
futuro com que sonhei não é cada vez mais saudade, é, sim, cada vez mais,
necessidade imperiosa. Assim o povo o compreenda”.
É
nossa obrigação dizer-lhe que não nos
esconderemos, que não mudaremos
de rumo, que não renunciaremos aos
nossos ideais.
Com
o teu exemplo e a tua força, Companheiro Vasco, nós seremos a muralha de aço!
António Avelãs Nunes
Lisboa, 4 de Outubro de 2014
Congresso "Conquistas da Revolução" - Intervenção de Manuel Begonha Presidente da ACR
Boa tarde a todos
Este Congresso teve como
referência o General Vasco Gonçalves, figura ímpar e principal motivo de
inspiração da nossa Associação. De facto a razão primeira que nos movimenta é
preservar o seu pensamento e a sua obra.
Se outro mérito não tivesse este
tão rico e participado Congresso, foi pelo menos o de discutirmos temas que não
foram abordados em nenhumas outras sessões comemorativas, colóquios e
seminários, integrados no 40º aniversário do 25 de Abril e muito menos nas
oficiais, claramente situacionistas.
As intervenções que aqui foram
proferidas permitem-nos perceber melhor o que foram os 48 anos de ditadura e o
ignóbil fascismo que nos oprimiu e que tão estéril foi para Portugal.
Ficou claro o combate pela
liberdade que tantos extractos do nosso povo desenvolveram, desde os
estudantes, aos sindicalistas, aos agricultores, às mulheres, aos operários,
incluindo os militares, sem esquecer a violência da luta na clandestinidade. E
foram todas estas acções que nos permitiram estar hoje aqui.
Nesta árdua caminhada assistimos
à importância que a guerra colonial teve na alteração da análise que os
militares faziam da situação, passando a concluir que estavam envolvidos numa
guerra injusta e contra o sentido da história.
Sob o beneplácito untuoso de
Salazar e Caetano, passamos a viver com a PIDE, exploraram-se os assalariados
rurais e assassinou-se Catarina Eufémia.
Perseguiu-se a cultura e os
intelectuais e assassinou-se José Dias Coelho.
Falava-se “numa casa portuguesa
com certeza”, mas que de dignidade nada tinha.
Encheram-se as prisões de Caxias,
Aljube e Peniche e o Campo de Concentração do Tarrafal. Manteve-se o povo na
ignorância e entregue a si próprio. Teceram-se laudas à emigração. Escolheu-se
o exílio. Impediu-se o exercício da actividade sindical e associativa.
Estabeleceu-se a Censura. Activaram-se os Tribunais Primários. Subalternizou-se
a mulher não lhe reconhecendo o direito à igualdade e à cidadania plena.
Realizou-se o assalto ao Quartel de Beja. Eliminaram-se as eleições livres.
E tudo isto aqui foi retratado.
Subitamente Salazar cai da
cadeira. Pateticamente Caetano mantem um fantasma na convicção que ainda detém
o poder, enquanto aparenta suavizar o regime. Nada feito. Tomás é irredutível.
A guerra é para continuar.
Realiza-se o Congresso de Aveiro.
As greves de vários sectores alastram por todo o país. Agudizam-se as lutas
estudantis e o luto académico. Funda-se a Intersindical Nacional. Conquistam-se
as 8 horas de trabalho diário para os assalariados rurais.
A luta recrudesce e dentro dos
quartéis, com a ajuda dos milicianos, a contestação sobe de tom.
Até que chegou a madrugada
libertadora do 25 de Abril de 1974, com a tomada do poder pelos militares que
foram de imediato activamente apoiados pelo povo.
Ramiro Correia resume deste modo
a situação até então vivida:
“Após 48 anos de fascismo, 14
anos de guerras coloniais, 32% de analfabetos, 10% da população emigrada e
milhares de mortos e inválidos de guerra.
Após termos índices sanitários
dos mais baixos da Europa, problemas dramáticos na habitação e economia
desastrosa.
Com o prestígio internacional
nulo. Repressão. Censura. Corrupção. Foi neste clima de tragédia que na
madrugada do 25 de Abril o MFA e o Povo iniciaram a árdua caminhada para a
construção da sociedade socialista em Portugal”.
Seguiu-se um 1º de Maio
congregador. Foi uma gigantesca manifestação da vontade de mudar. Levantou-se
então uma força revolucionária imparável que percorreu toda a sociedade
portuguesa, conduzida essencialmente pelos trabalhadores e que juntamente com o
MFA se propôs dar imediata execução aos 3 “D” do Programa do MFA –
Descolonizar, Democratizar, Desenvolver.
Neutralizou-se a PIDE e a
Censura, libertaram-se os presos políticos e, após várias vicissitudes, o
ímpeto revolucionário parece ter abrandado com o consulado de Spínola. Mas este
será de curta duração e a sua queda permitiu finalmente o avanço da
Descolonização, inicia-se a preparação da questão da terra a epopeia da Reforma
Agrária e chegam ao terreno as campanhas de Dinamização Cultural que se
revelaram de grande importância na divulgação do Programa do MFA e na acção
cívica junto à população.
Como em todas as épocas
singulares da história dos povos, surgiu um Homem, o General Vasco Gonçalves,
com a dimensão moral e política que este tempo exigia.
Nos 4 Governos provisórios a que
presidiu e apesar das dificuldades próprias destes processos, colocadas desde
logo por movimentos contra-revolucionários nacionais e internacionais, foi
capaz de responder às necessidades mais prementes, identificando e combatendo
as injustiças sociais mais flagrantes provenientes do regime fascista e assim
lançando os alicerces para a construção de uma sociedade nova.
Tal objectivo foi conseguido
mantendo a economia a funcionar, melhorando mesmo os indicadores económicos,
como aliás foi reconhecido por uma delegação do FMI que à época se deslocou a
Portugal.
E isto está claro no que aqui
hoje foi dito.
Deste período criativo e
transformador da Revolução, decorreram a legalização dos partidos, os avanços
nas fábricas, nos campos, nos serviços; os trabalhadores organizam-se e tomam o
controlo da produção e defendem-se das tentativas de sabotagem dos patrões;
avança a gestão democrática nas escolas e os movimentos dos rendeiros e
assalariados rurais preparam a Reforma Agrária.
Sucedem-se então as grandes
acções revolucionárias que constituíram as Conquistas da Revolução. Muito hoje
ouvimos falar delas, mas contudo destacaria as Nacionalizações, o Controlo
Operário da Produção, a Reforma Agrária, o Poder Local Democrático, o
reconhecimento da igualdade das mulheres e a Constituição da República.
Esta, após sete revisões continua
a ser o garante da democracia e o baluarte para a defesa das conquistas da
Revolução que ainda restam. Como ouvimos é uma Constituição que vertia para si
os direitos individuais consagrados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que defende a independência e soberania nacionais, e que punha fim ao
colonialismo. Apesar de todos os ataques mantém no actual texto constitucional
direitos fundamentais que nos levam a lutar pela sua defesa e a exigir o seu
cumprimento.
No entanto, um país nestas
condições era inaceitável e perigoso para o capital nacional e internacional
que de imediato desencadeou uma gigantesca ofensiva contra este Portugal,
fortemente apoiado pelas forças reaccionárias externas.
Iniciam-se as reuniões espúrias
de Mário Soares e do Grupo dos 9 com o embaixador Frank Carlucci, percursoras
do golpe do 25 de Novembro. Divide-se o MFA. O PS e alguns dos 9 coligam-se com
a direita e a contra-revolução. Incentiva-se a extrema-esquerda.
Otelo envereda por uma política
errática. Trai-se Vasco Gonçalves. Crescem as cedências à soberania nacional e
a submissão do poder político ao poder económico, ou seja ao BES e seus
aliados. Metodicamente destrói-se a indústria nacional. Cresce a sabotagem
económica. Dá-se o pronunciamento de Tancos e a demissão de Vasco Gonçalves.
Extingue-se a 5ª Divisão do EMGFA e as campanhas de dinamização cultural.
Promulga-se a Lei Barreto e a destruição da Reforma Agrária.
Desenvolvem-se redes bombistas.
Cria-se o ELP e o MDLP. Atacam-se as sedes do PCP e do MDP. Ataca-se há onze
anos a contratação colectiva. Tenta aumentar-se o horário de trabalho. Faz-se
um ataque selvagem ao ensino público, investigação, SNS e acesso aos Tribunais.
Baixam os salários. Cresce o desemprego. Reaparece a Censura a iniciativas como
esta. O país volta a perder o crédito nacional e internacional. E vai ficando
mais triste e mais inseguro.
Finalmente que futuro para
Portugal?
É claro que terá de ser de luta
para travar este Governo em que os ministros cometem erros grosseiros, pedem
desculpas, arranjam bodes expiatórios, mas não se demitem. Ou seja o Governo em
vez de desenvolver vende o património nacional, apenas se preocupando com a
consolidação da ideologia dominante; é gritante o défice de liderança e de
gestão, entregando-nos nas mãos do capital internacional e aos ciclos
especulativos. Cria-se então um ambiente de inibição colectiva de enfrentar o
risco e a diferença, muitas vezes identificado como pessimismo.
A economia não é conduzida tendo
em vista a investigação e o desenvolvimento, isto é o rumo que conduza à
especialização e ao conhecimento.
Não se verifica a capacidade de
identificar o fundamental e de descrevê-lo sem equívocos. Tal postura reflecte
a ausência de um pensamento estratégico e um plano para o país.
As decisões são tomadas ao sabor
da sorte e do acaso, sendo um disfarce para a ignorância e o fatalismo.
O que se espera de um Governo é
competência. Isto é, saber fazer as escolhas adequadas e não andar à deriva.
Este gigantesco embuste está
criado. Mas não está consolidado. Temos de ir buscar às lições do passado
próximo e dos combates contra a ditadura, novas formas de luta, mais
elaboradas, mais criativas, mas sempre determinadas para voltar aos caminhos da
justiça, solidariedade e bem-estar para todos os portugueses.
E nós estamos atentos a isto
tudo. A ACR no programa para 2015, integra um conjunto de acções que não dará
tréguas a este Governo. Só resistindo seremos dignos do Homem que hoje também
estivemos a homenagear. O General Vasco Gonçalves.
Manuel Begonha Presidente da ACR
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