SANÇÕES CONTRA QUEM?
SANÇÕES CONTRA QUEM?
Mário Abrantes
Sócio da ACR
A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA UM CONTRIBUTO PARA A PAZ
A CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA UM CONTRIBUTO PARA A PAZ
Presidente da Mesa da Assembleia Geral
Intervenção proferida por Augusto Baptista, no Porto, em 12 de Março de 2022
Intervenção proferida por Augusto Baptista, no Porto, em 12 de Março de 2022
Senhor general Pedro de Pezarat Correia,
Estimados amigos,
Honroso é poder intervir neste encontro centrado no senhor general, centrado no meu bom amigo – permita-me tratá-lo assim. Honroso, mas inquietante: este é um desafio exigente.
Superior é a obra que desenvolveu na acção e, depois, na análise e estudo dos factos protagonizados, no quadro de um dos períodos mais ricos da nossa vida colectiva, em íntima conexão com a vida colectiva de povos com quem tanto temos a ver, com quem entrecruzámos destinos, entretecemos história.
As reflexões que empreendeu sobre a colonização, a descolonização, base da tese de doutoramento apresentada na Universidade de Coimbra e do livro posteriormente publicado, são referentes incontornáveis para estudiosos e para cidadãos atentos.
Mas não é nesta notável dimensão da sua obra e vida que me quero deter. Quero centrar-me na palavra que me levou a abraçar o convite da Associação Conquistas da Revolução para estar aqui: amizade.
As relações pessoais que nos ligam têm raízes fundas, forjadas em cadinho de fogo. Falar delas implica de algum modo avançar pelos meus passos, solução a que recorro a contragosto, mas não descortino outro caminho.
Cruzámo-nos pela primeira vez em Mafra, 1972, era o meu amigo coordenador do curso de comandantes de companhia, eu aluno, tenente miliciano graduado, regressado de uma dura experiência militar na Guiné: estágio de guerra numa companhia de soldados guineenses, sede em Mansoa.
Na Guiné confirmei a funda convicção de que a via das armas não era solução para o conflito colonial. Aí, em plena frente, colhi o sentimento de oposição à guerra que latejava nos quadros militares. Testemunhei as palavras indignadas do capelão militar do batalhão, insurgindo-se de viva voz contra a guerra, diante de um ajuntamento de militares e dos corpos dos soldados feridos pelo rebentamento de uma mina, socorridos no posto médico.
Falava o capelão militar e naquele cenário pungente questionava o sentido da guerra, exaltava o imperativo do povo guineense lutar pelo seu chão, pela independência, enquanto nos cabia o papel do ocupante, com custos, dor, morte. Para os dois lados.
Silenciosos, os soldados que se acercaram para testemunhar a tragédia, ouviam e dispersavam em silêncio.
Recordo – como esquecer? – nas saídas para o mato, nos pequenos altos, os graduados questionarem o que estávamos ali a fazer. E nas festas no quartel, envolvendo o batalhão, recordo as piadas e mensagens sub-reptícias antiguerra, nas humoradas representações de palco.
Eram múltiplos os sinais de desagrado perante o quadro de confronto militar. Na Guiné podíamos não morrer mas pensava-se que morríamos, tal a insegurança, com a sede do batalhão em Mansoa, nos meses em que lá permaneci, a ser fustigada pela metralha do PAIGC.
Em Mafra – como há pouco referi – o meu bom amigo, então major, era o coordenador, era o responsável do curso de comandantes de companhia. Não esqueço ter iniciado uma aula sobre a Guiné a apontar para um mapa, esclarecendo que a presença guerrilheira estava aí representada pelos alfinetes de cabeça vermelha que povoavam o espaço guineense, o enfermavam de um generalizado ataque de sarampo. Olhando, ficava claro o destino da guerra.
Nesses dias, estamos em 72, a prudência impunha contenção, cuidado. Impunha sagacidade na comunicação. Através de um mapa vitimado de sarampo, sem palavras, era pronunciado um esclarecedor, um eloquente discurso sobre a situação no terreno, sobre o desfecho da guerra. E era revelado um homem, um homem de coragem, um homem de verdade. Um comandante!
A comunicação e a transmissão das ideias, sabemo-lo, impunham o recurso a códigos subliminares, a ardis. O regime vivia em sobressalto, temia a subversão. Mafra, a EPI, a Escola Prática de Infantaria, cerca de um ano antes e na sequência da morte de quatro cadetes afogados em exercícios militares, vivera um processo exaltado de insubordinação, com os cadetes do meu curso de oficiais milicianos a protagonizarem um levantamento de rancho, a promoverem plenários de protesto, a inscreverem palavras contra a guerra colonial nas paredes do quartel. A exprimirem contestação, semanas depois, na cerimónia de juramento de bandeira, perante a exasperação do comandante Hilário Marques da Gama e o pasmo das altas individualidades na tribuna.
De volta ao curso de comandantes de companhia, concluído este, fui mobilizado para Angola em rendição individual e colocado no Regimento de Infantaria 21, no Huambo. Cumprida a comissão no mato regresso ao RI21 e, nos primeiros dias de Abril de 74, sou destacado para comandar a pequena unidade militar estacionada no Lobito: um pacato fim de comissão em geografia privilegiada.
Engano meu.
Com o eclodir do 25 de Abril – de que eu só colhera incipientes indícios ao interceptar “Portugal e o Futuro”, pouco tempo antes, furtiva circulação entre mãos de oficiais em Luanda, risinhos cúmplices –, com o eclodir do 25 de Abril, o eixo Lobito, Catumbela, Benguela, e toda a província, diria, transformaram-se num turbilhão de lutas laborais, paralisações, greves, conflitos.
O capitão miliciano em fim de comissão e os seus homens, angolanos quase todos, acordam no centro do furacão. Tudo quanto diga respeito à ordem, à desordem, passa a ser incumbência da tropa, as outras estruturas encolhidas, na defensiva.
Natural foi então o estabelecimentos de ligações, fáceis, informais, efectivas, com a comissão coordenadora do MFA em Luanda e, em particular, com o comandante que em Mafra cravejara de sarampo o mapa da Guiné.
Não raras foram as idas do meu amigo e de camaradas da coordenadora do MFA ao Lobito, frequente era a troca de impressões, a entreajuda, o estreitar de relações, chegando a ser destacada uma companhia de intervenção, na previsão – estará lembrado – de situações agudas.
Com calma, serenidade, bom senso, recursos aprendidos na formação, aprendidos na vida, na acção de comando, e com o perfume da sorte, foi possível conduzir durante meses o processo, às vezes no fio da navalha, introduzir moderação nos conflitos. Mediar. Assim no Porto do Lobito, na Câmara Municipal do Lobito, na Cassequel, em pequenas e grandes empresas, quando reclamada a presença do MFA, das Forças Armadas.
O prestígio das Forças Armadas, do MFA, nesses meses de Abril estava em alta. O que por vezes conduzia a situações embaraçosas. Uma noite, chamado com carácter de urgência, caso sério, questão politica, fui parar ao espaço em que ensaiava um grupo musical.
Recebido com formalismo, logo me introduziram numa nuvem de fumo, numa tempestade de som, bateria, guitarras eléctricas, trompetes, batucadas, o vocalista embrulhado numa letra em que eu, nauseado, só conseguia entender, Aiué Spínola! Aiué Spínola! 25 de Abril! Liberdade! O que se impunha ali era saber, ali ao vivo, que isso me era perguntado aos berros, se a canção estava conforme o programa do MFA.
Mas o que prevalecia, o que imperava, eram situações de tensão séria, sobretudo laborais. A proximidade e as relações de confiança que foi possível estabelecer com o movimento sindical, com variados sectores sociais, com a população, possibilitaram que esses dias fossem vencidos sem contrariedades e com uma exemplar cordialidade entre o Povo e as Forças Armadas.
Arrisco dizer que, nesses tempos, as relações institucionais e pessoais entre a coordenadora do MFA em Luanda e as magras forças destacadas na Província de Benguela também foram cruciais para aí ultrapassar um período de tanto melindre político-militar e conflitualidade. Com a própria instituição militar a reflectir a tensão desses dias.
Com o final da comissão rumei ao Huambo, depois a Luanda. Aqui, em articulação com a comissão coordenadora do MFA, fui destacado para a Secretaria de Estado do Trabalho do Governo do Senhor Almirante Rosa Coutinho, assessorando o secretário de estado, capitão Fonseca de Almeida.
Pós-Alvor, regressado a Portugal – dispensados os meus préstimos em Luanda pelo já Alto Comissário general Silva Cardoso – ainda me cruzei com o meu bom amigo aquando de uma curta missão em Lisboa como delegado do MFA nos CTT/TLP. E haveríamos de nos voltar a cruzar, já em Angola independente, onde, terminada a vida militar, voltei em missão de cooperação em 1976 até meados dos anos 80.
Se me for consentido exprimir estados de alma, direi que esta vivência em Angola, o período em que lá residi após a independência, com todas as contrariedades, dificuldades, privações, foi dos mais fecundos, exaltantes e ricos da minha vida. Fiz o que estava ao meu alcance para ajudar, com o meu trabalho, a resolver os problemas do povo, o mais importante, como dizia Agostinho Neto. E fi-lo também, eu e outros, muitos outros portugueses, residentes e cooperantes, erguendo em Angola, em Luanda, a Associação 25 de Abril. Associação cuja sede o senhor general nos deu a honra de inaugurar. Tal qual a Rua 25 de Abril, onde ela mora. Associação 25 de Abril que o senhor general nos dá o privilégio de integrar como Sócio de Honra, a par de Agostinho Neto, José Eduardo dos Santos, Afonso Van-Dunem M’Binda, Diógenes Boavida, Alcântara Monteiro, Paulo Jorge, Lúcio Lara, Nelson Mandela, Rosa Coutinho, Vasco Gonçalves.
Nestes múltiplos e gratificantes cruzamentos chegamos aqui. E aqui lhe transmito o meu apreço pela amizade que fomos urdindo em diferentes circunstâncias, em diferentes geografias e tempos.
Em meu nome, em nome dos meus companheiros da Associação 25 de Abril em Luanda, aqui lhe testemunho reconhecimento pelo modo como abraçou e abraça Abril, a descolonização, a Paz. Como soube registar memória, construir um corpo conceptual tão fecundo e referenciador nos universos que protagonizou e protagoniza. Aqui lhe exprimo admiração pela honradez, pela lisura de carácter, pelo rigor, pela inteligência.
Termino com um abraço. E a esperança de que a Paz encontre abrigo no coração do mundo: Abril, sempre!
Intervenção de Baptista Alves, presidente da direcção da ACR, no Porto em 12 de Março
Intervenção de Baptista Alves, presidente da direcção da ACR, no Porto em 12 de Março de 2022
Conheci o General Pezarat Correia em Angola, pouco tempo depois
do 25 de Abril de 1974.
Pezarat Correia era então Major e foi um dos primeiros nomes que
registei na minha memória como responsável do MFA.
Depois do 16 de Março, a nossa esperança numa reviravolta cresceu e intuíamos que “a coisa estava para breve”, mas nada sabíamos.
No dia 25 de Abril de 1974, não sei dizer a hora, mas muito cedo ainda, fui mandado apresentar no comando da Região Aérea para uma reunião de emergência, na qualidade de comandante da minha unidade, a Delegação do Serviço de Infraestruturas da Força Aérea, que episodicamente era, por ser o oficial mais antigo presente na área. O Director Delegado bem como os outros comandantes das unidades encontravam-se a acompanhar o então Secretário de Estado da Aeronáutica numa visita à zona de operações no Norte.
Foi aí que tive conhecimento de que havia movimentações militares em Lisboa e que as mesmas tinham sido desencadeadas com uma canção conhecida.
Depois foi uma confusão, linda de se ver, diga-se de passagem, voavam notícias à velocidade da luz, todos queriam entender o que se estava a passar.
Em data que não sei precisar, em eleições realizadas em cumprimento de directivas revolucionárias, fui eleito como representante da minha unidade nas estruturas do MFA de Angola e foi já nessa qualidade que participei numa 1ª reunião de coordenação presidida pelo então Major Pezarat Correia.
Imaginam com certeza a dimensão da tarefa que tivemos que enfrentar, porque, mesmo sabendo-nos “ a bem da Nação” um tanto ignorantes em questões políticas, não nos dispensámos de avançar para sessões de esclarecimento junto dos nossos camaradas e colaboradores menos informados, procurando ganhá-los para os objectivos do MFA: o fim da guerra e a transição pacífica do poder para os angolanos. E, para nossa surpresa, os resultados foram surpreendentes, tendo a nossa engenharia se disponibilizado de imediato para tarefas de apoio à melhoria das condições de vida das populações dos “musseques” de Luanda e, o nosso pessoal civil, demonstrado grande vontade em aderir a um projecto, que começámos a desenvolver na altura, para integração futura das nossas capacidades produtivas nos Serviços de Obras Públicas do novo Estado Angola, em gestação.
Entretanto seguíamos os acontecimentos que se sucediam em ritmo acelerado em Lisboa, sem compreender muito bem o porquê da inacção que se registava em Luanda.
Obviamente que seguíamos e conhecíamos as dificuldades dos camaradas empenhados nas negociações com os movimentos de libertação e não só, mas confesso que alguns dos acontecimentos foi só mais tarde, em grande parte na leitura dos livros publicados pelo General Pezarat Correia, que me apercebi do contexto em que se inseriam.
Exemplo disso foi o facto de, em Outubro de 1974, quase 6 meses após o 25 de abril, ainda se encontrar em funções a Câmara nomeada pelo regime anterior de que era presidente o Engº Palmeirim- pessoa que nunca conheci- e um grupo de cidadãos, durante uma reunião de Câmara, ter exigido a demissão de toda a vereação e, ao que se dizia na altura, ameaçando atirar os vereadores pela janela.
Então, já tinha praticamente a minha Comissão de Serviço terminada, a minha família já estava em Lisboa e eu aguardava apenas o meu substituto para regressar também, o que só viria a acontecer em Fevereiro de 1975.
Na tarde desse mesmo dia, do assim chamado na altura “assalto à CMLuanda”, estando a ouvir a reportagem pela rádio, sou surpreendido com um telefonema do Chefe do Estado Maior da Região Aérea a comunicar-me que era necessário nomear de imediato um oficial da FAP para integrar uma Comissão Provisória para a Câmara, para substituir o Presidente e toda a Vereação e que o meu nome tinha sido indigitado para o efeito. A nomeação,
assinada pelo então Alto- Comissário, Almirante Rosa Coutinho, estava já a caminho e devia apresentar-me na CMLuanda às 08h00 do dia seguinte.
E foi assim que conjuntamente com o Capitão-Tenente Caeiro Junça da Marinha e o Capitão Miliciano Solano de Almeida (Arquitecto) assumimos a presidência da CM e as responsabilidades inerentes a toda a vereação, até que foi possível a constituição de uma Comissão Administrativa com participação de representantes locais.
Deixem-me dizer que na altura a CMLuanda, para além das normais funções duma grande cidade, que já era, tinha também a seu cargo os Serviços de Água e Electricidade e os transportes Urbanos e no meu caso pessoal, com 31 anos de idade, coube-me a presidência do CA dos SMAE para além de outras responsabilidades na gestão dos serviços da Cãmara.
Muito haveria que contar sobre este período, que a revolução de Abril nos proporcionou viver, mas para este debate o que me interessa referir é que, ao chegarmos à Câmara deparamos com a existência no cofre da Presidência de um diploma de cidadão honorário que a edilidade tinha decidido atribuir ao Presidente da República General António de Spínola numa visita programada para Angola que, por força do 28 de Setembro não se chegou a realizar.
Ao tempo, não nos preocupou muito a relação que, eventualmente, existiria entre estes e outros acontecimentos vividos em Luanda, alguns de extrema gravidade, mas hoje interrogo-me, em voz alta na presença do General Pezarat Correia: O que teria acontecido se o desfecho do 28 de Setembro tivesse sido outro?
De regresso a Lisboa, fui colocado no GDACI, no alto de Monsanto e poucos dias após dá-se o golpe contra-revolucionário 11 de Março, sendo o GDACI uma das unidades visadas.
Após o 11 de Março, algum tempo depois, sou novamente catapultado para funções civis, desta feita para o Ministério das Obras Públicas, sendo inistro na altura, o Cor Augusto Fernandes e o Primeiro- Ministro, o General Vasco Gonçalves.
O general Pezarat Correia era então conselheiro da Revolução e uma referência para todos nós militares e para mim em particular pela afinidade que sentia na paixão por Angola que se reflectia nos seus escritos.
Mergulhar mesmo na revolução popular em curso, entrar na vida dos nossos cidadãos em luta por uma vida melhor, foi uma experiência inesquecível e um roteiro para toda a minha vida e isso não é indissociável a figura ímpar do General Vasco Gonçalves, cuja superiordade moral, humanidade, fervor revolucionário e patriotismo o agigantam aos nossos olhos tanto mais quanto a pequenez dos seus adversários e detratores se evidencia.
Recordar este período, faz-nos obrigatoriamente reviver os dolorosos acontecimentos do chamado “Verão Quente de 1975” e do 25 de Novembro. O General Pezarat Correia era então Comandante da Região Militar Sul e Conselheiro da Revolução, e integrou o Grupo do Nove.
As posições públicas desassombradas que o General Pezarat Correia tem assumido sobre este período e sobre V.G. e a sua decisão de integrar a CH das comemorações do centenário do seu nascimento, calaram fundo na nossa ACR, que tem Vasco Gonçalves como patrono e a defesa das conquistas da revolução como objecto.
Naquilo em que tive o privilégio de participar directamente, a concretização da política para a área da habitação - que logo no 1º Governo Constitiucional se aniquilou- direi apenas que ainda hoje é objecto de estuda nas escolas universitárias da área da habitação e urbanismo, no nosso país e no estrangeiro e que sobre ela já foram produzidos alguns filmes, muitos livros e teses de mestrado e doutoramento que atestam bem a sua valia, refiro-me
concretamente ao projecto SAAL.
É óbvio que isto, o reconhecimento do Direito à habitação sem sofismas, é apenas uma pequena fracção do que foi o avanço civilizacional proporcionado pela Revolução de Abril, preconizado no PMFA e levado à prática pelos Governos provisórios, em particular pelos Governos presididos pelo General V.G. Só quis deixar expresso o meu testemunho pessoal que pouco acrescentará ao imenso património de memórias que a nossa ACR se propõe valorizar e defender, mas que muito, mesmo muito, me enriqueceu… e me fez militante de Abril para toda a vida.
E, acima de tudo dizer que estamos aqui hoje, eu e o Cmte Manuel Begonha, nesta iniciativa do Núcleo ACR do Porto, pelo muito apreço que nos merece o trabalho aqui desenvolvido e porque não nos dispensámos de participar estando presente um dos mais prestigiados Capitães de Abril, o General Pezarat Correia.
ENCONTRO com PEZARAT CORREIA - Porto, 12 de Março
Intervenção inicial de Jorge Sarabando
Vogal da Direcção e
Coordenador do Núcleo do Porto da Associação Conquistas da Revolução
Esta sessão integra-se numa série, do nosso plano de actividades, que designámos como “Encontros com...”, para os quais convidamos personalidades que se tenham distinguido na defesa dos valores de
Abril.
Escritor Augusto Baptista; Cor Eng Baptista Alves; Maj Gen Pezarat; Cor. Castro Carneiro e Jorge Sarabando |
Esta série foi iniciada pelo Encontro com Frei Bento Domingues, em que participaram o Bispo Emérito D. Januário Torgal Ferreira e o Prof. Sérgio Branco, sindicalista, leigo dominicano, e que teve um momento musical a cargo do Prof. Guilhermino Monteiro.
No Encontro de hoje, tivemos um momento musical, com Pedro Marques e João Sousa, a quem felicito pela grande qualidade das suas interpretações, a que se seguirão as intervenções do fotojornalista e escritor Augusto Baptista, do Coronel Castro Carneiro, um dos militares responsáveis pelas operações
militares do 25 de Abril na região Norte, e do Coronel Engº Baptista Alves, Presidente da nossa Associação, bem como do General Pezarat Correia, que finalizará. A todos quero agradecer a sua pronta disponibilidade para participarem neste acto, que significa também uma singelíssima homenagem a um dos membros mais destacados do MFA, Movimento das Forças Armadas, que tornou possível a Revolução de Abril, Pedro de Pezarat Correia.
Antes de lhes dar a palavra, quero aqui lembrar a nossa actividade que, em 2021, foi marcada pelas comemorações do Centenário do General Vasco Gonçalves. Recordo o concerto realizado em Vila Nova de Gaia, o colóquio “A obra e o homem”, em Matosinhos, a Exposição dedicada a Vasco Gonçalves, no Porto, e ainda a apresentação do livro “Cem Cravos” que lhe é dedicado.
E aproveito para aqui anunciar as nossas próximas iniciativas:
- em 2 de Abril, sessão comemorativa da Constituição da República, em conjunto com outras associações culturais do Porto;
- em 24 de Abril, jantar comemorativo da Revolução;
- em 25, sessão em Chaves, em parceria com a União de Sindicatos; durante o debate, não deixaremos de evocar um ilustre flaviense, o Marechal Francisco da Costa Gomes, Presidente da República no período mais decisivo da Revolução, a quem a Pátria e a Democracia tanto devem.
- no mesmo mês, abertura da Exposição itinerante “Revolução dos Cravos – vivências a norte”.
Seguir-se-ão os ciclos intitulados “Três meses – três livros” e “Cadernos de Abril”.
Iniciaremos este ano uma série de debates com temáticas relativas ao processo revolucionário, incentivando a apresentação de trabalhos pelas gerações mais jovens, que integramos no programa comemorativo dos 50 anos do 25 de Abril.
Umas breves palavras, apenas, sobre o General Pezarat Correia, certo que estou de que os nossos convidados melhor dirão sobre o seu percurso militar e académico, o seu carácter, a sua personalidade, o seu perfil cívico e humano.
Pedro de Pezarat Correia nasceu na cidade do Porto, filho e neto de militares. Seu pai, o então Tenente António Joaquim Correia, foi um participante activo da revolta militar de 7 de Fevereiro de 1927, a
primeira e a maior contra a Ditadura, em que no Porto e em Lisboa, recorde-se, perderam a vida mais de duas centenas de pessoas, militares e civis. Viria a ser deportado para Angola.
Pezarat Correia fez o curso liceal no Colégio Militar, e a licenciatura em Ciências Militares na Escola do Exército, pertencendo à Arma de Infantaria.
Cumpriu seis comissões nas antigas colónias, na Índia, em Moçambique, Guiné e Angola, onde se encontrava no 25 de Abril. De imediato aderiu ao movimento libertador, gesto coerente de quem havia conspirado, com outros camaradas de armas, contra a ditadura fascista, designadamente no Movimento Militar Independente. Integrou a Comissão Coordenadora do MFA de Angola, que teve um papel decisivo no longo e violento processo de descolonização.
Regressado a Portugal, foi nomeado Comandante da Região Militar Sul, e pertenceu ao Conselho da Revolução desde o início, em Março de 1975, até à sua extinção, em Outubro de 1982, decorrente da 1a Revisão Constitucional.
Foi um dos subscritores, em Agosto de 1975, do Documento dos Nove.
Não tendo sido promovido, em 1986, quando lhe competia, por razões estranhas ao seu percurso profissional, ou seja, razões políticas, pediu passagem à reserva, no posto de Major-general do Exército.
Foi um dos fundadores da Associação 25 de Abril, e director da revista Referencial durante 24 anos.
Foi, desde 1996, Professor da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, onde fundou e leccionou a cadeira de Geopolítica e Geoestratégia.
Em 2017, doutorou-se pela Universidade de Coimbra, com apresentação e defesa da tese “Da descolonização”, aprovada com distinção e por unanimidade.
Será difícil referir, na sua vasta obra literária, títulos mais em evidência. Mas permitam-me escolher dois, entre vários possíveis.
O primeiro é, justamente, a sua tese de doutoramento. Nela, o autor rompe com o discurso dominante, ao descrever, de modo bem informado e documentado, o longo processo histórico da descolonização, e ao considerar, e demonstrar, que o verdadeiro sujeito da descolonização é sempre o colonizado.
O segundo é “Do lado certo da História”, livro/entrevista de Manuela Cruzeiro, que junta a outros de sua iniciativa e do Projecto História Oral do Centro de Documentação 25 de Abril, como os dedicados a Melo Antunes, Vasco Lourenço, Vasco Gonçalves ou Costa Gomes. Nele podemos seguir, com as suas próprias palavras, o percurso singular de um militar de formação bem castrense, o seu inconformismo com a ditadura, a luta anti-colonial, a construção da democracia, a defesa da Reforma Agrária e doutras conquistas de Abril, a actuação da direita das ideias e dos interesses para recuperar poderes e privilégios. Dessa direita, e “das suas máscaras, alibis e pretextos”, tão bem descrita nos versos de Sophia de Mello Breyner.
Reiteramos o nosso agradecimento pela sua presença, que muito nos honra, neste encontro de democratas, unidos em defesa da liberdade, da igualdade, da paz, do valor do trabalho, da dignidade humana.
Iniciativa na Baixa da Banheira - Centenário nascimento General Vasco Gonçalves - 11 de Março
Iniciativa na Baixa da Banheira - Centenário nascimento General Vasco Gonçalves - 11 de Março 2022
O acto de inauguração da Exposição do Centenário do nascimento
do General Vasco Gonçalves na passada sexta-feira, 11 de Março,
no Ginásio Atlético Clube da Baixa da Banheira, foi potenciado nas
palavras do seu Presidente, Vítor Barata, pelo conjunto de iniciativas
muito variadas que durante este mês ocorrem naquela emblemática
associação do concelho da Moita, e que garantem a sua visita
organizada.
Foram dados os exemplos de logo dois dias depois estar
agendado um debate organizado pelo Movimento Democrático de
Mulheres (MDM) e a União de Resistentes Antifascistas Portugueses
(URAP), e a 20 deste mês um outro, pela Associação de Amizade
Portugal-Cuba (AAPC), ambos de temáticas específicas, assim como
convívios populares de diferenciada índole, incluindo de jovens.
Cap Ten Manuel Carvalho |
Carvalho, em representação da Direcção da Associação Conquistas
da Revolução (ACR), que promove a Exposição, a intervenção de
fundo, entendendo assim rematar: «Para finalizar, neste Mundo de
Guerra, quero aqui afirmar: “Não à guerra, sim à Paz”».
Pelo punho do Militar de Abril a ACR deixou a marca da sua
participação no Livro de Honra, tendo sido promovida a venda de
duas das suas edições: «100 Cravos para Vasco Gonçalves» e
«Quem foi Vasco Gonçalves».
O MUNDO UNIPOLAR É UMA AMEAÇA PARA A PAZ
O MUNDO UNIPOLAR É UMA AMEAÇA PARA A PAZ
Manuel Begonha - Presidente da AG da ACR
Intervenção de Baptista Alves no dia 3 de Março de 2022
Intervenção de Baptista Alves, presidente da direcção da ACR, no dia 3 de Mar,
na iniciativa promovida pella AE e o CPPC,
na qualidade de Pres. da AG do CPPC.
Estamos a viver tempos muito difíceis. Ainda não totalmente livres
da ameaça pandémica que nos assola, eis-nos perante o espectro
negro de mais uma guerra na Europa.
Não vou tecer quaisquer considerações sobre os acontecimentos
que nos trouxeram até aqui, porque o farão com certeza outras
intervenções, com propriedade e o saber que importa a uma
audiência universitária.
Lembrar apenas que já no ano passado, quando se vivia um
aumento da tensão EUA/China em torno da questão de Taiwan, o
Prof. Frederico de Carvalho, em artigo publicado na revista da OTC,
nos deu uma perspectiva, fundamentada e sustentada, da extrema
delicadeza desta questão maior da Humanidade, a PAZ, cujos níveis
de risco, medidos no relógio simbólico denominado de “Relógio do
Destino Final”, ultrapassavam os registados em 1953, o ano que
havia registado o maior perigo para uma confrontação nuclear (2
min para a meia-noite registava o relógio), fixando-se então (2020,
2021) nos 100 s.
Quantos segundos marcará hoje o relógio?
Há alguma razoabilidade nesta loucura?
É preciso parar e reflectir.
Para esta Humanidade que somos hoje, no século XXI da nossa Era,
a resolução pacífica dos conflitos entre Estados é a única via
aceitável, como inaceitável é o reforço e expansão dos blocos
político-militares, ao invés da sua dissolução, para a construção de
um Mundo de Paz em que pretendemos viver.
Falhámos! Falhámos todos, e, se um mínimo de humildade
consciente não nos fizer parar, vamos matar-nos uns aos outros
sem sabermos bem o porquê … e, acreditem, muito provavelmente
não ficará ninguém para o contar!
E a solução é tão simples que até dói que a não tenhamos
entendido já:
Artigo 7º, nº2 da CRP de 1976, uma conquista da revolução de
Abril
“Portugal preconiza a abolição do imperialismo, do colonialismo e
de quaisquer outras formas de agressão, domínio e exploração nas
relações entre os povos, bem como o desarmamento geral,
simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares e
o estabelecimento de um sistema de segurança colectiva, com vista
à criação de uma ordem internacional capaz de assegurar a paz e a
justiça nas relações entre os povos.”
Este é o caminho. Não há outro.
A II edição da Guerra Fria, com este ou qualquer outro nome que
lhe queiram dar, está, a meu ver, condenada ao fracasso, porque
lhe falta a razão ideológica na qual se acobertava a I.
É verdade que cumpriria dois grandes objectivos da estratégia
imperialista:
- satisfazer a gula desmedida da poderosíssima indústria do
armamento;
- Travar a ascensão meteórica das potências económicas
emergentes, obrigando-as a gastos militares insuportáveis.
Mas também não é menos verdade que num Mundo multipolar
como o é já o Mundo de hoje os interesses de cada um dos
diferentes polos se sobreporão inexoravelmente nas disputas
inerentes.
Há portanto, a meu ver, nesta nova realidade, condições de grande
preocupação e perigosidade mas também condições mais
favoráveis á obtenção de consensos em questões vitais para a
Humanidade e principalmente na exigência do seu cumprimento.
É facto que a corrida aos armamentos e ao desenvolvimento de
novas e terríveis armas de destruição massiva, químicas, biológicas
e nucleares não tem parado de crescer, mas também é facto que as
razões ideológicas, religiosas ou mesmo de combate ao terrorismo,
deixaram de ser convincentes para um Mundo tão causticado pelos
efeitos nefastos das ingerências, ocupações militares e guerras de
agressão e pilhagem feitas em seu nome. Efeitos que são cada vez
mais difíceis de esconder nestes tempos da comunicação global.
Há portanto razões para alguma esperança no futuro.