Ramiro Pedroso Correia, nasceu em 15 de Outubro de 1937, no bairro de Alfama, em Lisboa.
Faria nesta data 85 anos.
Era um desportista de eleição, tendo-se distinguido especialmente no badminton, em que foi campeão nacional.
Começou cedo a despertar para os problemas políticos e sociais, tendo na sequência da crise académica de 61/62, ficado ligado à criação da secção editorial da Comissão Pro-Associação de estudantes de medicina em Coimbra , em cuja universidade concluiu o Curso Geral de Medicina.
Posteriormente , optou pela especialidade de cardiologia e investigador na área de vecto-cardiografia no Hospital de Santa Maria em Lisboa.
A sua carreira naval, embarcado, terminou em 1970 numa comissão em Moçambique na fragata "Álvares Cabral", onde desenvolveu uma intensa actividade cultural e desportiva com a respectiva guarnição, nomeadamente no jornal de bordo "O Chocalho". Foi numa altura em que estando na corveta "João Coutinho", aprofundei o meu contacto com ele que se intensificou, a partir de 1972 no Grupo n 1 de Escolas da Armada em Vila França de Xira.
Em 16 de Março de 1974, Ramiro Correia liderou comigo um grupo de oficiais que prendeu o respectivo Comandante, a fim de evitar que ele enviasse forças para impedir o avanço da coluna militar, proveniente das Caldas da Rainha em direcção a Lisboa.
Ramiro era também poeta e em Janeiro de 1973, edita o seu primeiro e único livro de poesia, intitulado "Na Clivagem do Tempo".
No entanto, escreveu muitos outros poemas dispersos por várias publicações.
Lembro do seu livro o seguinte :
"Um dia dei por mim a chorar
e meu avô que é marinheiro
e morreu agarrando o Sol com as duas mãos
atravessou o riacho
e com o seu sorriso de búzio e maio
atirou-me um cacho de uvas
foi assim "
Em 25 de Outubro de 1974 é apresentada publicamente numa conferência de imprensa no Palácio Foz, a Comissão Dinamizadora Central (CODICE), para a qual me convidou, integrada na 5ª Divisão do EMGFA que em conjunto com a Direcção Geral de Cultura Popular e Espectáculos, irá levar a cabo o Programa de Dinamização Cultural, coordenado por Ramiro Correia.
Em 17 de Março de 1975 passa a fazer parte do Conselho da Revolução, escolhido pelos seus camaradas da Armada.
Em 24 de Junho de 1975, primeiro tenente médico naval, graduado em Capitão-de-Mar-e-Guerra, assume o cargo de chefe da 5ª Divisão do EMGFA.
A partir desta data, substitui-o como coordenador da CODICE.
Na sequência do golpe de 25 de Novembro, desiludido, Ramiro oferece-se como médico cooperante em Moçambique.
A 1 de Maio de 1976, partirá com a família, onde com a sua mulher Isabel Lacximy, igualmente médica foi colocado no Hospital Central do Maputo.
Por indicação do Presidente Samora Machel, passa a ocupar funções no Conselho Coordenador deste Hospital.
Apesar de fervilhar em projectos, numa tarde trágica no Bilene, cessam estas ideias e planos , quando juntamente com a mulher e o filho mais novo morrem, ao virar-se a embarcação na qual velejavam, devido a uma onda mais forte.
Lacximy morre por congestão e Ramiro com o filho às costas, ao tentar trazer para terra o corpo dela, não resiste e afoga-se. O filho mais velho mandado nadar para terra salvou-se.
E assim desaparece jovem um homem de quem tanto se poderia esperar da sua inteligência, criatividade, amor à liberdade e indomável espírito revolucionário.
O seu funeral, ocorrido a 13 de Outubro de 1977,
constituiu uma impressionante manifestação de pesar. Por decisão popular e de alguns camaradas mais íntimos, dezenas de milhares de pessoas empunhando cravos vermelhos, fizeram a pé o percurso desde a Capela de S. Roque no Ministério da Marinha ao cemitério do Alto de S. João.
Terminei o elogio fúnebre que então lhe fiz afirmando :
"... Tolerante, era ao mesmo tempo, implacável para quem responsavelmente, tentasse perpetuar o estado de aviltamento do povo português. Era aliás, um homem simples e cativante, de uma estatura intelectual e humana invulgares.
Ramiro Correia, morreu, mas o seu espírito, e a sua obra, continuarão a iluminar as noites do nosso desencanto. "
Nutria uma grande admiração pelo General Vasco Gonçalves.
Acerca dele escreveu :
" Vasco Gonçalves, defesa lúcida dos trabalhadores, o democrata que não pactua com manobras palacianas, que não aceita pressões externas humilhantes, que sabia bem como a divisão dos militares progressistas enfraquecia a Revolução."
O pensamento e obra de Ramiro que tinha uma excepcional formação cultural e política, ficaram bem marcados em todos os campos em que interveio.
No militar, a sua acção nas campanhas de dinamização cultural e ação cívica.
Na escrita, deixou numerosos textos sobre as mais diversas matérias.
Lembro as suas reflexões, acerca da arte, tema que muito o interessava, num discurso no Centro Nacional de Cultura em 1975.
"Sempre foi claramente afirmado pelos militares, que desde os primeiros momentos contactaram escritores, artistas plásticos, cineastas, críticos, actores, músicos, cineclubistas, todos, que não nos encontramos perante um golpe militar, mas de algo muito mais profundo e belo, de uma Revolução em marcha a caminho do socialismo.
A Arte não deve estar ao serviço da Revolução.
A Arte é, em si própria Revolução. "
E numa intervenção na RTP em 6 de Junho de 1974 :
"... o fascismo é irreconciliável com a Arte. A Arte é apelo permanente à inteligência e sensibilidade de um povo. O fascismo fomenta a degradação, conduz à morte. Portanto, há logo aqui uma oposição absoluta entre o fascismo e a Arte."
Encontrei-me com o Ramiro em muitos locais ao longo dos seus últimos anos de vida. No entanto, parece-me tê-lo sempre conhecido. Não precisávamos de trocar muitas palavras para nos entendermos quer nos momentos de euforia, quer nas horas de tensão, como nos tempos de desencanto, nos sentimos velhos, muito velhos (quase crianças).
Olhava a vida com um profundo sentido poético, mas na prática conseguia os rasgos geniais para as soluções mais concretas.
Dou comigo a pensar que após este encontro com o trajecto de Ramiro quase nada ficou dito. Não é fácil em poucas linhas apreender o universo dos que se debruçaram sobre um país, à beira da vontade de seguir, e atiraram para dentro dele uma proposta, uma réstia de sol, lutando até ao fim, dizendo sim à vida.