Evocação de Michel Giacometti

Momento alto em Peroguarda na
Evocação de Michel Giacometti

   Uma estrada cheia de cor e alegria foi no que se transformou o pequeno troço entre o Cemitério e a entrada de Peroguarda, onde se situa a Casa do Povo, quando na manhã de domingo, 21 de Junho, o Coral Etnográfico Misto Alma Alentejana de Peroguarda, o Grupo Coral Feminino “Rosas de Março” e Grupo Coral “Os Trabalhadores” de Ferreira do Alentejo, depois de se juntarem na campa de Michel Giacometti, se dirigiram ao local do almoço de confraternização, em plena evocação do etnólogo corso ali sepultado desde Novembro de 1990, a seu pedido.
   A iniciativa foi promovida pela Associação Conquistas da Revolução, congregou uma centena de participantes e contou com intervenções de Valdemar Santos e Modesto Navarro, ambos da Direcção da ACR.
   O seu primeiro anúncio público teve lugar de 24 para 25 de Abril, em Ferreira do Alentejo, precisamente na noite em que, em convívio, se deu particular destaque à defesa dos Serviços Públicos consignados na Constituição da República, desrespeitada e subvertida pelos sucessivos governos. 
   O Presidente, Militar de Abril, Manuel Begonha, e outros membros de órgãos sociais da Associação Conquistas da Revolução marcaram presença, assim como a Junta da União das Freguesias de Alfundão e Peroguarda e a Casa do Alentejo, de Lisboa. Da mesa dirigida por Lurdes Hespanhol, vereadora da Câmara Municipal de Ferreira do Alentejo, não podia deixar de se ouvirem poemas de Virgínia Dias, emblemática mulher do campo de Peroguarda que conviveu, junto a muitos e muitos outros trabalhadores, com Michel Giacometti na recolha do Cante que no domingo encheu todos os espaços, curiosamente no primeiro dia do Verão de 2015. Virgínia Dias não disse apenas da sua poesia popular. Também quis evocar João Honrado, outro alentejano de luta antifascista.







































Intervenção de António Modesto Navarro





Michel Giacometti


Uma longa militância pela cultura e pela transformação da vida

Michel-Marie Giacometti, nascido na ilha mediterrânica da Córsega (França), veio para Portugal e, entre 1959 e 1990, recolheu, estudou e divulgou a música tradicional portuguesa. Em 1960, fundou os “Arquivos Sonoros Portugueses” e editou, com Fernando Lopes Graça, uma discografia fundamental para o conhecimento do património musical do país. Foi um investigador decisivo da nossa etnologia e a sua obra cinematográfica e televisiva constitui também uma referência incontornável para conhecer o Portugal do século XX e reflectir sobre os percursos da nossa identidade nos dias de hoje. A filmografia completa, editada há poucos anos, em 12 volumes, inclui não só a série televisiva “Povo que Canta”, produzida pela RTP e com realização de Alfredo Tropa, entre 1970 e 1974, dedicada à música e cultura de raiz tradicional portuguesa, como também outros dois filmes realizados por Michel Giacometti entre 1962 e 1963.

Michel Giacometti conheceu em França uma mulher portuguesa com quem iria casar e com quem veio para Portugal. Ele tinha encontrado, no Museu do Homem, em Paris, um livro decisivo para a sua vida pessoal e intelectual, “Folk Music and Poetry of Spain and Portugal”, de Kurt Schindler, alemão radicado nos Estados Unidos da América, que, em 1929, visitara Espanha e em 1931 estivera no norte de Portugal, em Trás-os-Montes. Foi na região transmontana que Michel iniciou a sua longa e extraordinária missão de etnólogo, de estudioso, de investigador e recolector das raízes culturais populares, dos cantos, das músicas, dos instrumentos musicais e de trabalho, da medicina popular, de tudo o que trouxesse ao de cima o que identificava e identifica um povo a perder-se na emigração e na guerra colonial do fascismo e, mais tarde, nessa desastrosa integração europeia que destruiu o trabalho, a nossa vida no interior e nas áreas metropolitanas, nas regiões desapossadas do essencial na agricultura, na indústria e nas pescas, dessa reforma agrária nos campos do Alentejo e do Ribatejo, a mais bela conquista da Revolução, destruída por mentecaptos e servidores do capitalismo. 

Como Associação Conquistas da Revolução, tudo fizemos e faremos para prestar homenagem e não deixar esquecer quem lutou por nós, pela nossa cultura, presente e futuro, Michel Giacometti, que veio de longe para se aliar ao maestro Lopes Graça, que era o criador e erudito no apoio e trabalho conjunto, a João Honrado, também comunista, saído das cadeias do fascismo em 1972, que foi seu apoio companheiro em Lisboa e no Alentejo, antes e depois de Abril, a Manuel Jorge Veloso, intelectual comunista decisivo na RTP, em 1970, para que Filipe de Sousa, então responsável por uma área de programas, desse luz verde para a realização da série “Povo que Canta”.

Alfredo Tropa, o realizador, Manuel Jorge Veloso, o responsável pela organização e trabalho no terreno, Francisco d’Orey e outros trabalhadores da cultura deram asas ao sonho para que, entre 1970 e 1974, essa série magnífica e verdadeira passasse na televisão, mostrando o essencial da nossa vida e identidade. Tudo isto aconteceu face à mistificação e à destruição operadas por um programa reaccionário apresentado por Pedro Homem de Mello, com ranchos folclóricos negativamente influenciados pelo fascismo, nas vestes, nas cantigas e nas músicas, desde logo pela introdução do acordeão, instrumento que nada tinha a ver com a tradição dos cantos e das músicas criadas pelo povo de cada aldeia, vila e lugares por onde Michel Giacometti andou e recolheu o essencial que nos dava força e gosto de sermos portugueses, apesar da fome e da miséria que encontrou por todo o lado. Foram 37 filmes a preto e branco que realizaram e exibiram com o título “Povo que Canta”, título que faz parte de um verso de um poeta e filósofo revolucionário, Jesús Lópes Pacheco, “Pueblo que canta no morirá”.

Com os jovens das campanhas de alfabetização, depois de Abril, criou o Plano Trabalho e Cultura, na recolha e estudo da nossa vida e cultura, no sentido de terem memória e experiência para construírem uma consciência política.

Trabalhou no INATEL, na sua reestruturação, dirigindo o Gabinete de Etnografia e Folclore, de onde saiu em 1978, doente com o que lhe fizeram.

Escreveu, em parceria com Fernando Lopes Graça, o “Cancioneiro Popular Português”, editado em 1981 pelo Círculo de Leitores.

Ao longo da sua vida em Portugal esteve 95 meses na investigação no terreno, na recolha de mais de 4 000 repertórios musicais, de para cima de 50 000 fichas com informações e 6 000 fotografias, para além de outros dados da vida social, económica, espiritual e política do povo português.

Michel Giacometti, que em jovem passou por aventuras na Argélia, que viveu revoluções e conheceu Albert Camus, foi operário fabril no norte da Europa, intelectual, poeta, aluno na Sorbonne, e veio para Portugal por motivos familiares e de doença.

Todo o nosso país foi seu território de pesquisa. Sabendo da importância da edição e da divulgação e entendendo o papel do cinema e da televisão, actuou como profissional e investigador e esteve ligado aos cineclubes.

Ainda em Paris, em 1959, um médico aconselhou-o a procurar um clima mais propício à cura da tuberculose que acabara de contrair. Deixa Paris e vem para Lisboa, sem ideias de se fixar por cá, apesar de ter casado com uma portuguesa. Tem 30 anos e na memória traz esse livro encontrado no Museu do Homem, no qual o musicólogo alemão mas radicado nos EUA, Kurt Schindler, descrevia, entusiasmado, uma passagem por aldeias de Trás-os-Montes. Ainda em convalescença, em Lisboa, decide ir conhecer aquela província.

Nunca mais parou, este andarilho nascido na Córsega, em 1929, criado por um tio funcionário na Rota do Império Francês, desde os confins argelinos, à porta do deserto, até às margens do Mediterrâneo. Raptado por uma tribo aos três anos, salvo por uma criada negra, Herratin (descendente de antigos escravos negros de árabes), vê os tios dormirem com uma espingarda à cabeceira, “à espera dos maus”, na queda lenta do império. Os jogos de criança disputa-os em espanhol e árabe; chora ao ver um amigo árabe das brincadeiras de rua a cantar, de punho erguido, “A Internacional”. A Frente Popular ganhara as eleições em França e o amigo (tinham ambos sete anos) explica-lhe: “Agora somos todos iguais”.

Naqueles anos das suas viagens de Lisboa para todo o Portugal, em condições difíceis, com ou sem dinheiro, com um primeiro gravador e depois com um segundo gravador Nagra, que custou 40 contos e foi comprado pelo arquitecto e arqueólogo Gustavo Marques e emprestado para fazer melhor o seu trabalho, ele tinha mágoa de ver a maioria da intelectualidade portuguesa divorciada da realidade dos trabalhadores e do povo. Não era o caso de Fernando Lopes Graça, que o trouxe pela primeira vez a Peroguarda e o levou a outros encontros e culturas, ou de Alves Redol, que escrevera já “Glória, uma aldeia do Ribatejo”, “Fanga, Marés e Avieiros” e livros como os do ciclo do Vinho do Porto, de Soeiro Pereira Gomes, com “Engrenagem”, “Esteiros” e “Contos Vermelhos”, de Manuel da Fonseca com “Aldeia Nova”, “Seara de Vento”, Cerromaior” e outros livros que são honra e orgulho de todos nós.

Mas muitos intelectuais seguiam a postura dominante do fascismo e do abandono do país real, o que Michel Giacometti criticava e enfrentava, partindo para as terras onde havia amigos que o acarinhavam e apoiavam, nas suas pesquisas e recolha da cultura popular, como aconteceu sempre no Alentejo e também em Peroguarda, terra da sua afeição e amizade.

Conta ele, a certa altura das suas entrevistas e depoimentos, o que aconteceu um dia, em terras entre Miranda do Douro e Bragança, e diz, amargamente, que chegou a fazer prospecção sem nada na algibeira. Então, tinha de fazer uma deslocação de 10 Km, por caminhos cheios de neve, para ouvir uma pessoa, e que havia um casal que tinha uma mula velha. “Emprestaram-ma”, contava ele, “mas a mula parava no caminho, coitada. Desci dela, comecei a empurrá-la. A certa altura, a mula caiu na neve. Gosto muito de animais, pus a cabeça dela no meu colo, para lhe dar calor, ela estava a ficar fria. Fiquei sem transporte, no meio do caminho, frio e vento, com uma fome desgraçada, e eu sem saber o que haveria de dizer aos donos. “Vou fugir”, pensava. Voltei. “Olhem, aconteceu uma desgraça, a mula morreu”. Estavam a fazer uma sopa de couves com batatas. “Deus leva o que lhe pertence”, disseram. Comi em silêncio; era terrível para eles a falta da mula e propus-lhes: “Agora não tenho dinheiro, mas, quando chegar a Lisboa, arranjo duzentos escudos. Quero compensar-vos”. Não aceitaram. “Deus leva o que lhe pertence…”

Podemos assim imaginar o que foram anos e anos de trabalho, por entre situações de grande pobreza, que as pessoas a viverem nessas condições denunciavam para as gravações e filmagens, mas que eram cortadas pela censura e os censores da televisão e da rádio. No início dos anos 1960/1970, saiu uma famosa colecção de discos com capas de serapilheira, a Antologia da Música Regional Portuguesa, discos que muito nos surpreenderam e deram consciência da ausência de apoios para conhecermos as canções e as músicas essenciais do cancioneiro das regiões e do país. As pessoas conscientes e interventivas quotizavam-se, formaram quase uma cooperativa e os discos foram editados, foram perseguidos e apreendidos pela Pide em muitas casas e marcaram profundamente a nossa evolução musical e política. Evolução que iria afirmar-se na luta contra a guerra colonial que destruía milhares de jovens, nos combates contra a exploração, o custo de vida e a miséria, pela cultura integral do indivíduo que Bento de Jesus Caraça, Álvaro Cunhal, Soeiro Pereira Gomes, Fernando Lopes Graça, Maria Lamas, Virgínia de Moura, Irene Lisboa, Matilde Rosa Araújo e tantos outros intelectuais defendiam e impulsionavam.

O trabalho pioneiro de Michel Giacometti, um português estrangeiro dos mais portugueses que conhecemos, ali estava, naquela casa da Rua dos Navegantes, em Cascais, em milhares de fichas, gravações, fotografias e outros materiais que ele organizava meticulosamente e com rigor, num exemplo que não era bem português, de exigência, dedicação e sacrifício.

Michel foi um construtor da democracia e da Revolução de Abril, desde logo estabelecendo contactos com intelectuais e trabalhadores empenhados nas lutas de libertação e afirmação da cultura e dos saberes populares. Pertenceu à Base socioprofissional da CDE – Comissões Democráticas Eleitorais, desde 1969, com Manuel Jorge Veloso, Celeste Amorim, que gravou a locução de “Povo que canta”, que o visitavam e com ele reuniam, entre outros militantes e cantores do Coro Lopes Graça, da Academia de Amadores de Música. Foi militante comunista, com cartão que teve de ser publicado no Avante!, quando quiseram pôr em causa as suas opções pela revolução e pelo futuro do nosso povo.

Disse ele: “O PCP pertence ao património do povo português. É indispensável que haja em Portugal um partido que critique a corrupção, as injustiças e os gangsterismos políticos e se possa manter como consciência crítica da sociedade”.

Michel deveu ao investigador e grande estudioso da nossa vida e cultura Ernesto Veiga de Oliveira o acesso a uma lista de tamborileiros do Baixo Alentejo ou o conhecimento de Catarina Sargento, a voz impressionante dos cantares de Penha Garcia e da Beira Baixa, no caminho da construção de um arquivo primacial sonoro que fundou em 1960, responsável pela recolha, tratamento, depósito e edição de sons e da música regional portuguesa até à sua morte, em 1990.

Do seu saber e acerca do Maestro Lopes Graça disse: Eu não sou um musicólogo, mas apenas um etnólogo. Por isso, às vezes preciso de ouvir meia centena de canções para descobrir uma que seja inteiramente original. A primeira selecção é feita por mim; a segunda é feita pelo maestro Lopes Graça.

Fernando Lopes Graça organizou cerca de 200 canções, com arranjos à mão, para o Coro da Academia de Amadores de Música e para fruição de todos nós. Com Jorge Dias e Artur Santos, integrou a Comissão de Etnomusicologia da Fundação Calouste Gulbenkian.

Quando Michel Giacometti faleceu, no Hospital de Faro, pediu para avisarem quem ele queria que avisassem, para avisarem Octávio Pato, dirigente do PCP, dizendo que queria ficar sepultado no Alentejo, entre este povo que amava e de quem se tornara irmão de sangue, de luta e de cultura.

Aqui, em Peroguarda, em 1917, o visconde de Villa Moura ouviu cantos acompanhados à viola de arames, e, mais tarde, Michel veio pela mão de Lopes Graça e também por influência de António Reis, cineasta que realizou “Trás-os-Montes”, filme incómodo para o fascismo, e que era amigo entranhado desta terra. Foi aqui que Michel e Lopes Graça gravaram “Menino”, um canto de Natal, em 1965, pelas vozes de Ilda e Palmira, irmãs de Virgínia Dias, que também gostava de cantar mas o pai achava que ela ainda tinha muito que aprender. Mais tarde ela fez poemas sobre Michel Giacometti e foi o seu marido, Agostinho Pereira, então presidente da Junta de Freguesia de Peroguarda, que disse que sim, que Michel podia ficar para sempre nesta aldeia que ele tanto amava.

E, por isso, também por isso, estamos hoje a recordar e a conviver com Michel Giacometti, com a sua memória e sorriso de amigo, aqui, nesta sala, ao nosso lado, para dizer que as conquistas da Revolução de Abril foram e são nossas, se quisermos ser cultos e inteligentes, na denúncia e no combate ao novo fascismo que sub-repticiamente se instala, nesse ódio à cultura dos Passos Coelhos e dos Portas, de tantos outros que pelos poderes passaram, tão pequeninos e insidiosos como perigosos para a nossa vida e para o nosso futuro.

Michel diria e diz, na sua obra e no seu exemplo, “precisamos de mudar de vez esta vida”. Sim, precisamos de mudança a sério e nova, como também diria Manuel da Fonseca, esse alentejano tão amigo e criador do mundo do trabalho e da liberdade humana.

Hoje, ficamos mais livres e operativos neste encontro, como quis e quer Michel Giacometti, como quis e quer Fernando Lopes Graça, como quiseram e querem os que lutaram e lutam pela nossa identidade, soberania e independência.

Levamos a música e o Cante Alentejano connosco, esse património imaterial da humanidade que José Gomes Ferreira sintetizou naquele verso famoso, “Nunca vi um alentejano cantar sozinho”, dando assim o sinal mais forte da nossa união na defesa e impulsionamento das Conquistas da Revolução de Abril e do futuro que temos de construir.

Viva o 25 de Abril
Vivam a obra e o exemplo de Michel Giacometti.



Peroguarda, 21 de Junho de 2015
                                                                   





























Significativa participação no Barreiro comemorando o 40º aniversário da Nacionalização da CUF



   Cerca de uma centena de pessoas marcaram presença na sessão pública que na passada sexta-feira, 19 de Junho, teve lugar nos “Penicheiros”, no Barreiro, assinalando o 40º aniversário da Nacionalização da CUF.
    Para além das intervenções de Vítor Santos, Presidente daquela histórica colectividade, de Hélder Loução, em nome da União dos Sindicatos de Setúbal/CGTP-IN e do SITE-SUL, do Militar de Abril, Comandante Manuel Begonha, Presidente da Associação Conquistas da Revolução, e de Carlos Humberto Carvalho, Presidente Câmara Municipal, a iniciativa comportou a projecção de um filme sobre o centenário da CUF e as lutas de antes e depois do 25 de Abril no combate ao império de Alfredo da Silva, ao fascismo e à recuperação capitalista, enquanto Manuel Manços, Luís Reis e Luciano Barata preencheram um apontamento cultural.

   A Associação das Colectividades do Concelho do Barreiro, a Cooperativa Cultural Popular Barreirense e o Cine-Clube do Barreiro integraram ainda o conjunto dos promotores da evocação, que reafirmou a defesa da soberania nacional, do desenvolvimento económico e dos direitos dos trabalhadores intrínseca aos Valores de Abril.















ACR na Cimeira dos Povos




Em 10 e 11 de Junho decorreu em Bruxelas a Cimeira dos Povos da Europa em paralelo com a Cimeira dos líderes da União Europeia (U.E.) e da Comunidade de Estados Latino-Americanos (CELAC) em que estiveram presentes várias organizações portuguesas entre as quais a Associação Conquistas da Revolução, representada por Beatriz Nunes.
Participaram 1500 delegados/as de 346 organizações e movimentos sociais de 43 países.
No primeiro dia realizou-se uma manifestação de apoio ao povo da Venezuela e à Revolução Bolivariana que desfilou pelo centro da cidade.
Foram discutidos nas várias Mesas de Trabalho, que funcionaram no segundo dia, temas de grande interesse como: Paz e Solidariedade, Intervencionismo e Sanções, Preservação do planeta, Acordos de livre comércio, Direitos Humanos, Protecção Social na América Latina, o Poder Global dos meios de comunicação.


Da Cimeira resultou a seguinte Declaração Final:

DECLARAÇÃO FINAL DA CIMEIRA DOS POVOS
BRUXELAS, 10 - 11 JUNHO 2015

Nós os Povos da América Latina, Caraíbas e Europa, reunidos na Cimeira dos Povos em Bruxelas, em 10 e 11 de Junho de 2015, com mais de 1.500 delegados/as representando 346 organizações e movimentos sociais provenientes de 43 países
Como culminar de um debate unitário, fraterno e solidário, dos participantes em conferências e nas sete mesas de trabalho da Cimeira dos Povos
DECLARAMOS:
O NOSSO APOIO À INTEGRAÇÃO REGIONAL DA AMÉRICA LATINA E OPOSIÇÃO À INTERVENÇÃO IMPERIALISTA
1. Saudamos e apoiamos os processos de integração que dão prioridade e reforçam a autodeterminação e a soberania dos nossos povos, tais como ALBA, UNASUR e CELAC, que reforçaram a unidade latino-americana e que pode ser uma inspiração para uma integração europeia de um novo tipo que enfatize o desenvolvimento económico, os direitos sociais e o bem-estar dos seus povos.
2. Expressamos o nosso firme apoio à Proclamação da América Latina e das Caraíbas como Zona de Paz e livre de colonialismo. Neste sentido, rejeitamos o assédio militar e as agressões e ameaças de todo o tipo que os Estados Unidos e os seus aliados exercem contra a nossa região através de bases militares, locais de operações e instalações semelhantes, que não têm outra justificação que não seja uma intervenção militar contra os nossos países. Por isso, exigimos a exclusão de todas as instalações militares norte-americanas da região e defendemos uma paz justa e duradoura com justiça social na Colômbia.
O NOSSO COMPROMISSO PARA ACTUAR SOBRE AS ALTERAÇÕES CLIMÁTICAS PARA PROTEGER O MEIO AMBIENTE
3. As alterações climáticas são a maior ameaça que a humanidade enfrenta e que já está a afectar os povos da América Latina. O capitalismo neoliberal agravou enormemente a sustentabilidade do planeta intensificando assim todos problemas associados com as alterações climáticas. Apelamos a um acordo climático que mantenha a temperatura abaixo de 1,5° Celsius; que tenha em conta o direito a todos os padrões de vida sustentáveis e dignos; que não limite a capacidade de as gerações futuras satisfazerem as suas próprias necessidades; e que se baseie no princípio da responsabilidade comum e compartilhada para a actuação sobre as alterações climáticas. Nós preconizamos um futuro livre de combustíveis fósseis e movido por energia limpa e renovável, e opomo-nos ao fracking, às areias betuminosas e às perfurações no Árctico. Nós defendemos um programa integrado de redução líquida de emissões que assegure financiamento aos países em desenvolvimento para deixar de explorar os seus combustíveis fósseis e investir em soluções sustentáveis.
Defendemos, também, a justiça ambiental, através de um imposto ecológico sobre o comércio de petróleo e de outros combustíveis fósseis para financiar um Fundo Climático Verde, e também um instrumento vinculativo para responsabilizar as empresas multinacionais pelos abusos ambientais e humanos que foram cometidos, bem como também para regular as suas práticas. Precisamos de nos distanciar da agricultura daninha e da pesca industrial. Apelamos ao respeito pelos direitos das nações e dos povos, em particular da América Latina, a viver em harmonia com a Mãe Natureza, e ao respeito pelos modos de vida ancestrais e pela identidade independente dos povos e das nações.
Condenamos os danos ambientais causados pela Chevron às comunidades locais no Equador, e também repudiamos o seu ataque e acção contra o governo do Equador, e apoiamos a luta deste contra aquela companhia petrolífera predadora.
4. Apoiamos o povo cubano e a sua revolução, e congratulamo-nos com o regresso a casa dos cinco heróis cubanos, um resultado da solidariedade internacional e da luta incansável Seu povo. Apoiamos também os passos que os Estados Unidos têm dado para iniciar um diálogo respeitoso com Cuba, bem como a remoção de Cuba na lista de Estados patrocinadores do terrorismo, onde nunca deveria ter estado, mas exigimos o levantamento total, imediato e incondicional do bloqueio genocida contra Cuba por parte do Governo dos Estados Unidos, bem como o encerramento imediato da base naval de Guantánamo e o seu retorno incondicional à soberania cubana.
5. Expressamos nosso apoio irrestrito e incondicional à Revolução Bolivariana e ao Governo legítimo chefiado pelo companheiro Nicolás Maduro e rejeitamos os planos de desestabilização permanentes que contra ele são dirigidos, financiados e organizadas por organizações norte-americanas. Rejeitamos, em especial, a injusta, intervencionista e imoral Ordem Executiva do Governo dos Estados Unidos que pretende designar a República Bolivariana da Venezuela como uma ameaça à sua segurança nacional - que já ganhou a rejeição unânime de todos os países da Nossa América - e exigimos a sua imediata revogação.
6. Rejeitamos qualquer acção intervencionista pelos Estados Unidos contra os governos progressistas da América Latina, e exigimos que a sua soberania nacional e a sua autodeterminação sejam respeitadas. Apelamos a todas as instituições da União Europeia, bem como aos seus Estados membros, a que não sejam cúmplices da política de ingerência dos Estados Unidos na América Latina, mas antes adoptem uma atitude e uma política de diálogo construtivo para com esta região. Por isso, rejeitamos qualquer tipo de apoio que tanto as instituições da União Europeia como os seus Estados-membros dêem à política externa dos Estados Unidos contra os governos progressistas da América Latina como, por exemplo, a Posição Comum da União Europeia em relação a Cuba.
7. Apoiamos todas as medidas para o desenvolvimento de economias nacionais independentes que possam interagir com o mundo na base da igualdade e para impedir que a injusta dívida externa bloqueie o seu crescimento e desenvolvimento. Apoiamos e encorajamos todas as medidas orientadas para construir uma democracia participativa essencial para a realização dos direitos políticos, individuais e colectivos, dos cidadãos latino-americanos. Para garantir os direitos humanos de todos, exigimos o respeito pelos direitos dos povos da América Latina. Soberania, com o devido respeito pelo princípio da não-intervenção, é uma condição essencial para conseguir os direitos humanos e dos povos. Subscrevemos inteiramente a pretensão da Bolívia de acesso ao mar.
Também apoiamos a reivindicação de Argentina sobre a soberania das Ilhas Malvinas e condenamos a atitude agressiva do Reino Unido e a exploração de petróleo no local.
Aplaudimos a iniciativa da Nicarágua e da Venezuela para integrar Porto Rico na CELAC como prova de que a América Latina é um território livre de colonialismo.
O NOSSO APOIO A UMA SOCIEDADE IGUALITÁRIA E A NOSSA OPOSIÇÃO AO NEOLIBERLISMO
8. Manifestamos a necessidade imperiosa de construir uma sociedade nova com justiça social e igualdade de género, com a participação activa dos jovens e dos diferentes actores sociais, com a solidariedade como um princípio fundamental para o desenvolvimento integral e soberano dos nossos povos. A maioria das repúblicas latino-americanas está orientada neste sentido. A América Latina está a implementar políticas progressistas que têm reduzido a pobreza e a exclusão social, especialmente para as mulheres, os afrodescendentes, os grupos indígenas e os marginalizados pobres. Apoiamos
totalmente a luta dos povos indígenas pela realização dos seus direitos sociais e culturais em todo o continente. Também expressamos a nossa solidariedade com os povos de África e as minorias norte-americanas que lutam contra o imperialismo. A integração da América Latina não fica completa se não se integrar com África.
9. Rejeitamos o modelo neoliberal como a solução para os problemas e necessidades do nosso povo, uma vez que provou ser o instrumento mais eficaz que se conhece para aprofundar a pobreza, a miséria, a desigualdade e a distribuição injusta. Há, infelizmente, uma minoria que insiste em tentar impor o modelo neoliberal. Opomo-nos à austeridade económica imposta pela troika em toda a União Europeia, que beneficia apenas o 1% mais rico da sociedade, e opomo-nos especialmente à austeridade da troika contra o governo e o povo da Grécia. Condenamos o cerco e a pressão a que a troika e as instituições da União Europeia os submetem. No entanto, a União Europeia apoia e colabora em agressões militares ilegais contra nações soberanas, em guerras que saem muito caras e que agravam e pioram a austeridade contra os povos da Europa. Não à participação europeia em guerras ilegais.
10. Reafirmamos a nossa luta contra os acordos de livre comércio, tais como o TLC, o TPC, o TISA e a Aliança do Pacífico, porque eles são um ataque brutal contra os direitos sociais, democráticos e políticos dos trabalhadores e dos povos onde esses acordos são implementados. De igual modo continuamos a sustentar que a dívida externa dos nossos países é incobrável e impagável por ser ilegítima e imoral.
11. Manifestamos e convocamos uma luta global para defender os nossos recursos naturais, a biodiversidade, a soberania alimentar, os nossos bens comuns, a mãe terra e as conquistas e direitos sociais. A luta pelo emprego, pelo trabalho e pelo salário digno, pela segurança social, pelas pensões, pela negociação colectiva, pela sindicalização, pelo direito à greve, pela liberdade sindical, pela saúde ocupacional, pelos direitos económicos e sociais, pelo respeito aos migrantes, pela erradicação do trabalho infantil e escravo, e pela justiça com equidade de género. Tudo isso é e será possível se trabalharmos em unidade e para construir a mais ampla coligação das forças sociais e políticas capazes de substituir o poder do bloco neoliberal dominante por um poder social e político que defenda os interesses dos nossos povos e ponha os direitos sociais, políticos, culturais e identitários do ser humanos no centro das suas prioridades.
O NOSSO APOIO AOS DIREITOS HUMANOS DOS PALESTINOS
12. Condenamos a persistente agressão israelita contra o povo palestino e apelamos à União Europeia e a todos os seus Estados membros a que, seguindo o exemplo do governo da Suécia, reconheçam o Estado Palestino e exigimos o fim imediato e incondicional do bloqueio a Gaza, bem como o respeito pelos direitos humanos, nacionais e culturais do povo palestino.
NÃO AO EXPANSIONISMO DA NATO
13. Condenamos energicamente a militarização e a agressão da NATO na Europa Oriental e em parte da Ucrânia para ampliar a esfera de influência da União Europeia e dos estados Unidos.
A NOSSA OPOSIÇÃO AO RACISMO E À XENOFOBIA
14. Condenamos energicamente a actual política de imigração da União Europeia, cuja desumanidade e falta da mais elementar defesa do direito à vida, causa milhares de mortes no Mar Mediterrâneo e em outros lugares. Condenamos também o racismo, cada vez mais prevalente, e todas as manifestações de xenofobia que partidos europeus de direita usam frequentemente, para obter dividendos eleitorais e políticos, apresentando as comunidades imigrantes como a causa do desemprego, da falta de habitação e dos problemas económicos da sociedade, tornando os imigrantes em bodes expiatórios.
O NOSSO APOIO À TRANSFORMAÇÃO NO CONTROLE DOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO
15. As corporações gigantes dos meios de comunicação de massas apresentam um dos mais altos níveis de centralização e concentração do capital corporativo do mundo e, assim, eles respondem a poderosos interesses de corporações gigantes que se opõem diametralmente a qualquer tentativa de afirmação da soberania nacional e agendas anti-neoliberais de qualquer governo no mundo. Estes meios são uma poderosíssima arma de demonização e desestabilização dos processos progressistas em curso na América Latina. Para alterar os meios de comunicação de massas é precisa uma mudança da sociedade. Enquanto isso, organizaremos os nossos próprios meios de comunicação, a nível nacional e internacional, sobre a base comum do interesse social. O princípio orientador dos nossos meios sociais é substituir uma ideologia neoliberal dominante por uma ideologia progressista que tenha como fio condutor o desenvolvimento social e democrático, a participação dos cidadãos e dos direitos sociais dos povos.
16. Nós, os Povos da Nossa América e da Europa continuamos a lutar contra todas as formas de discriminação, opressão, exploração, racismo, exclusão e injustiça social, o neoliberalismo e as guerras imperialistas, lutando pela paz, pela igualdade, pela democracia participativa, pela justiça social, o que quer dizer continuar a lutar para construir um mundo melhor.

11 de Junho de 2015

Bruxelas, Bélgica

O 25 de Abril e a Nacionalização da CUF





 O 40º aniversário da Nacionalização da CUF vai ser comemorado no Barreiro na próxima sexta-feira, 19 de Junho, pelas 21h00, na SIRB “Os Penicheiros”.
Para além da ACR, cujo Presidente, o Militar de Abril Comandante Manuel Begonha, estará presente, outros promotores da sessão são ainda a União dos Sindicatos de Setúbal/CGTP-IN, o SITE-SUL, “Os Penicheiros”, a Associação das Colectividades do Concelho do Barreiro, a Cooperativa Cultural Popular Barreirense e o Cine-Clube do Barreiro, que contam com o apoio da Câmara Municipal. O evento contemplará um apontamento cultural.

Evocação de Michel Giacometti - 21 de Junho - Peroguarda - Ferreira do Alentejo



Intervenção de António Avelãs Nunes, na cerimónia evocativa do 10º aniversário da morte do General Vasco Gonçalves



Queridos Amigos e Companheiros

É uma honra, para mim, usar aqui da palavra como Presidente da Mesa da Assembleia Geral da Associação Conquistas da Revolução, nesta cerimónia evocativa do 10º aniversário da morte do General Vasco Gonçalves.

  1. - Esta não é uma romagem de saudade. É uma jornada de luta.
Viemos hoje aqui porque este nosso companheiro general nunca abandonou os seus homens, nunca desertou das lutas necessárias em cada momento, e esteve sempre na linha da frente, ao lado do povo, no combate à injustiça, na luta por uma sociedade mais justa e mais fraterna, na defesa da dignidade da nossa Pátria.
Viemos hoje aqui porque temos a certeza de que Vasco Gonçalves tem estado sempre connosco, a dar força à nossa luta, fazendo greve quando nós fazemos greve, saindo à rua quando o povo sai à rua, como o fez no passado dia 6.
Esta foi uma manifestação como há muito não se via, a mostrar bem a força do povo! Os grandes jornais e as televisões fizeram tudo para a ignorar, mostrando bem o que é, para os grandes patrões da comunicação social, a liberdade de imprensa.
Pelas mesmas razões, não falam de Vasco Gonçalves, talvez convencidos de que conseguem ‘matá-lo’ pelo silêncio. Pura ilusão. Por mais que esforcem, não conseguem retirá-lo do retrato. Vasco Gonçalves tem, por direito próprio, um lugar de relevo na História do Portugal contemporâneo, na História do Portugal de Abril, que ele ajudou a construir antes e depois de Abril!
Mas há silêncios esclarecedores.
Eles querem esquecê-lo porque continuam a ter medo dele.
E têm medo dele porque sabem muito bem que Vasco Gonçalves continua vivo e atuante nas lutas dos trabalhadores, que não esquecem esse símbolo maior da unidade Povo-MFA.
Têm medo dele porque não podem ignorar o respeito que lhe devotam as massas trabalhadoras. 
Continuam a ter medo do testemunho que nos deixou, de homem sério, de engenheiro competente e respeitado, de militar comprometido com os valores de Abril, de cidadão empenhado na defesa da sua Pátria.
Continuam a ter medo dele porque sabem que ele está presente, no meio dos trabalhadores, em todas as lutas que estes travam contra a ditadura do grande capital financeiro e contra as suas políticas atentatórias da dignidade dos povos.
Continuam a ter medo dele porque ele encarnou a esperança do socialismo no nosso País e os seus inimigos (que não se assumem apenas como seus adversários) são também inimigos jurados do socialismo, fugindo, como o diabo da cruz, de uma sociedade socialista, uma sociedade em que, como escreveu Vasco Gonçalves, “cada cidadão [possa] ser um homem de lisura, um homem limpo, um homem íntegro, um homem transparente”, em síntese, um homem livre de todas amarras e de todas as sujeições.

2. - Nós compreendemos que os que defendem ou se conformam com este capitalismo do crime sistémico não gostem de Vasco Gonçalves.
Compreendemos que não gostem de Vasco Gonçalves
- os que se submetem aos ditames desta Europa do capital, submissos, “carneiros todos com carne de obedecer” (J. Gomes Ferreira),
- os que nunca questionam nada (e por isso nunca entendem nada), repetindo sempre, como fiéis discípulos da Srª Thatcher, que não há alternativa a estas políticas que atentam contra a dignidade dos povos, cometendo sobre eles verdadeiros crimes contra a humanidade. 
Compreendemos que não goste de Vasco Gonçalves uma certa “esquerda choramingas” (Frédéric Lordon), a ‘esquerda’ que lamenta, com uma lágrima ao canto do olho, o desemprego e o emprego sem direitos, a desigualdade crescente, a pobreza e a exclusão social, o défice democrático, a supremacia do capital financeiro sobre o capital produtivo, a impunidade do crime sistémico, mas que se recusa a identificar as suas causas estruturais, para não ter de as combater, levando tudo à conta de consequências inevitáveis da globalização incontornável (talvez a “globalização feliz” de que falam alguns…).

3. - Mas nós, amigos de Vasco Gonçalves, gostamos dele e respeitamo-lo no convívio diário com ele. Por isso viemos aqui hoje, para o homenagear, que ele merece todas as nossas homenagens.
Viemos aqui proclamar que Abril valeu a pena e que vale a pena continuar a lutar pelos valores de Abril e pela Constituição de Abril.
Viemos aqui recordar as conquistas da Revolução, as conquistas que mudaram o País, apesar dos esforços em contrário dos inimigos de Abril: a taxa de analfabetismo baixou de 25,7% para cerca de 5%; o número de alunos no ensino superior multiplicou por dez; a água potável, o saneamento básico, a eletricidade e o telefone chegaram praticamente a todo o País; o número de médicos por habitante quadruplicou; o número de partos no domicílio baixou praticamente para zero; a taxa de mortalidade infantil baixou de cerca de 45 por mil em 1973 para 3,4% em 2012; a esperança média de vida aumentou de 70,6 para 82,6 anos.
Estas são algumas das portas que Abril abriu. Elas são a cara nova do Portugal de Abril.
4. - Os inimigos de Abril estão a tentar anular os direitos que os trabalhadores e o povo conquistaram com a Revolução de Abril, apostados em nos fazer regressar ao reino salazarento da ‘caridadezinha’.
Nós não vamos deixá-los fazer andar para trás o relógio da História. Por isso também viemos hoje aqui para dizer a Vasco Gonçalves que, como sempre, contamos com a força do seu exemplo e com a força da sua presença ao nosso lado.
Como ele, sabemos que a História da Humanidade até aos nossos dias é, essencialmente, a história da luta de classes.
Sabemos também que “é o povo português – como ele escreveu um dia, com inteira razão – o sujeito da sua própria história”.
E sabemos – porque ele não se esqueceu de o sublinhar, corajosa e lucidamente – que “os povos só se libertam pela luta intensa, incansável, de todos dos dias, contra a opressão. Quando se cansam, perdem”.
Como ele, somos corredores da maratona. Estamos preparados para uma luta prolongada, mentalizamo-nos para não nos deixarmos cansar. 
Porque sabemos que o futuro com que sonhou (e com que sonhamos) “não é cada vez mais saudade, é, sim, cada vez mais, necessidade imperiosa”, como um dia escreveu o nosso companheiro que aqui recordamos.
 Porque sabemos que o futuro está do nosso lado.
 Porque sabemos que o sonho de Vasco Gonçalves é também o sonho dos trabalhadores, o sonho que comanda a vida.
 Porque sabemos que os trabalhadores são o futuro do mundo!
E, porque sabemos que a sua presença dá mais força ao povo, aqui estamos nós para lhe dizer, como sempre lhe disseram os trabalhadores portugueses: “Força, força, companheiro Vasco”!

5. - Vivemos numa ‘Europa’ construída “à porta fechada” (Habermas), uma ‘Europa’ construída contra os povos da Europa, uma ‘Europa’ maastrichtiana, que representa a submissão da União Europeia ao Consenso de Washington e ao neoliberalismo mais extremo, uma ‘Europa’ que viu agravada a sua matriz de Europa do capital com o Tratado Orçamental, que o PS aprovou, na AR, “em plena paz de consciência”. 
Vivemos numa Europa alemã, que “viola as condições fundamentais de uma sociedade europeia em que valha a pena viver.” (Ulrich Beck)
Uma Europa esquizofrénica, com um banco central que oferece milhões e milhões à banca privada mas não empresta dinheiro aos estados-membros da UE.
Uma ‘Europa’ que impõe políticas de austeridade que conduzem à recessão, ao desemprego em massa e ao empobrecimento dos povos, mas não admite que o pagamento dos subsídios de desemprego deve ser assumido como uma obrigação comunitária, e muito menos se dispõe a prosseguir uma política ativa de combate ao desemprego e de promoção do emprego.
Porque tal política – escreveu um antigo ministro socialista de um governo espanhol, numa ‘confissão’ comovedora –, “se fosse levada à prática, poderia acarretar prejuízos a muitos grupos de interesses e a alguns grupos de opinião pública”.
Vivemos numa ‘Europa’ que obriga os estados-membros mais fracos a endividar-se para salvar os bancos especuladores, mas não assume uma dívida comunitária (mesmo no espaço em que existe uma moeda única), acusando depois os povos desses países do ‘crime’ de viverem acima das suas posses, e obrigando-os a pagar, sozinhos, as dívidas contraídas, nas costas dos povos, para salvar a banca e para ‘colonizar’ esses mesmos povos.

6. - Conhecemos bem o contexto em que surgiu o estado social e não ignoramos o significado que ele assume na história do capitalismo do século XX.
Invocando o estado social, alguns foram ao ponto de defender que deixara de fazer sentido a luta pelo socialismo como alternativa ao capitalismo, porque o capitalismo deixara de o ser, integrando “elementos de socialismo” (os direitos decorrentes do estado social, uma solução de compromisso inventada para salvar o capitalismo de uma morte que parecia certa).
Foi este o caminho que levou a social-democracia europeia a assumir, com grande sentido de estado…, o seu papel de gestora leal do capitalismo, proclamando os seus dirigentes (que sempre gostam de se afirmar abertos aos ventos da história…) que defendem o capitalismo no que toca à produção, dizendo-se socialistas no que se refere à distribuição. Uma equação tão absurda como a quadratura do círculo.
O pior é que, de tanto se abrirem aos ‘ventos dominantes’, acabaram por contrair doenças graves, quem sabe se incuráveis…, tornando-se dependentes dos dogmas neoliberais e dos condimentos autoritários do receituário neoliberal.
Afetados pelos ventos do neoliberalismo, aprovaram e apoiaram o Tratado de Maastricht e os seus princípios “estúpidos” e “medievais” (Romano Prodi).
Aprovaram a chamada Constituição Europeia, que, entre outros ‘mimos’, proclamava como “liberdades fundamentais” as liberdades do capital (a liberdade de circulação do capital, de mercadorias e de serviços e a liberdade de estabelecimento). 
Aprovaram depois o Tratado de Lisboa, impondo aos povos a mesma ‘Europa’ que os povos tinham acabado de rejeitar com o ‘chumbo’ da Constituição Europeia, por não quererem, como reconheceu, na altura, Jacques Chirac, “a Europa como ela é”.
Fiéis a uma ‘tradição de família’, traíram promessas eleitorais, e aprovaram-no longe da ‘populaça’, no aconchego dos parlamentos onde os ditos representantes traem os seus representados [que “pensam, com razão”, escreveu Felipe González, que os seus representantes “obedecem a interesses diferentes, impostos por poderes estranhos e superiores, a que chamamos mercados financeiros e/ou Europa”].
Mais recentemente, a pretexto da crise, aprovaram o Tratado Orçamental, “um modelo político de marca alemã”, imposto pela Grande Alemanha, liberta agora da “consciência de uma herança histórico-cultural comprometedora”, a uma Europa alemã, “marcada pelos alemães.” (Jürgen Habermas)
Este Tratado é um verdadeiro “golpe de estado europeu” (R.-M. Jennar), que esvazia a vida democrática no seio da UE e nos países que a integram.
Ele é um pacto para o subdesenvolvimento, um autêntico pacto colonial, que condena os ‘povos do sul’ a um dramático retrocesso civilizacional e transforma os países mais débeis em verdadeiras colónias internas, despojadas das suas riquezas (a base em que assenta a verdadeira soberania), empobrecidas pela violência das políticas de austeridade, impedidas de se desenvolver, humilhadas e ofendidas na sua dignidade. 
Parafraseando Vasco Gonçalves, apetece dizer: “o que mais me espanta nestes tipos é a falta de patriotismo”. 

7. - A dependência das drogas neoliberais levou a social-democracia europeia a pôr em causa o estado social de matriz keynesiana, o “socialismo do possível” (Miterrand) que tinham ‘inventado’ (inspirando-se em Keynes, que nunca foi socialista…) para justificarem a sua deserção do terreno da luta pelo socialismo a sério.
Em finais de 1989, Michel Rocard ‘teorizava’: “as regras do jogo do capitalismo internacional impedem qualquer política social audaciosa.”
Ao fazer da construção da ‘Europa’ o seu único projeto, a social-democracia europeia teve de submeter-se à sentença de Rocard: “Para fazer a Europa, é preciso aceitar as regras deste jogo cruel”, que não permitem uma política social digna desse nome.
Em finais de 2011, o porta-voz do PS francês (depois ministro de Hollande, rapidamente demitido) fazia esta confissão: “uma parte da esquerda, à semelhança da direita, deixou de pôr em causa que é preciso sacrificar o estado-providência para agradar aos mercados. (…) Fomos em vários lugares do mundo um obstáculo ao progresso”.
Mais claro foi, recentemente, Joschka Fischer, o ex-ministro ‘verde’ de um governo alemão liderado pelo partido social-democrata: “ninguém pode fazer política contra os mercados”. Está tudo dito (Wolfgang Streeck): “o neoliberalismo não é compatível com um estado democrático”!
Por nossa parte, entendemos que, nas condições atuais, a luta pela defesa do estado social é uma das prioridades das lutas dos trabalhadores, dos democratas e dos patriotas, porque ela é uma luta pela democracia, é uma luta contra o “fascismo de mercado” (Samuelson) a que nos querem submeter, é uma luta para prevenir o regresso ao fascismo sem máscaras.

8. - À luz do que fica dito, compreende-se que a social-democracia esteja a afundar-se por toda a Europa.
E que a extrema direita esteja perigosamente a ganhar terreno. 
E que a abstenção esteja a tornar-se o ‘partido’ maioritário, reduzindo a chamada democracia representativa a uma liturgia sem sentido, a uma falsa democracia (a ditadura do grande capital financeiro), numa Europa em que os governos e os parlamentos votam a favor da austeridade e os povos lutam contra ela, uma Europa que gasta somas fabulosas para salvar bancos que se dedicam à especulação e a práticas criminosas, mas desperdiça o futuro das gerações jovens e empobrece e ‘coloniza’ os ‘povos do sul’, uma Europa violenta e autoritária, com um grande poder e pouca legitimidade do lado do capital e um pequeno poder e elevada legitimidade do lado dos que protestam. (Ulrich Beck)
Esta ‘Europa’ está toda errada. É preciso passá-la a limpo!

9. – Permiti-me fazer as considerações que ficam atrás por estar certo de que Vasco Gonçalves as subscreveria. Creio mesmo que, lá onde ele estiver, já sublinhou algumas frases e não tardará a dizer-me, como tantas vezes fazia, amigo e generoso: “é assim mesmo, senhor doutor, tem toda a razão.”

10. – Vou terminar. Estamos aqui para convocar o companheiro Vasco para as lutas que hão-de conferir aos povos que protestam contra as políticas de austeridade, contra a globalização neoliberal, contra a ditadura do grande capital financeiro, contra o “fascismo de mercado”, um PODER tão grande como a sua LEGITIMDADE.
Esta é a luta dos trabalhadores!
Esta é a luta que continua a Revolução de Abril!
E Vasco Gonçalves faz falta a esta luta e não falta a esta luta!

Viva Vasco Gonçalves!
Viva o 25 de Abril!
Viva Portugal! 

António José Avelãs Nunes
Coimbra, 9 de junho de 2015
(lido no cemitério do Alto de S. João

 em 11.6.2015)

Romagem à campa do General Vasco Gonçalves no décimo aniversário do seu falecimento