RECORDANDO JOÃO VARELA GOMES

 

 


 

RECORDANDO JOÃO VARELA GOMES

 Manuel Begonha
Presidente da Assembleia Geral

 

Nasceu em Lisboa a 25 de Maio de 1925.
Homem de extraordinária coragem, inteligência e espírito revolucionário, dedicou grande parte da sua vida, a combater a ditadura fascista, com enormes sacrifícios pessoais e familiares.
Era um dos militares mais cultos politicamente e de maior experiência do MFA.
Esteve envolvido na candidatura de Humberto Delgado à presidência da República em 1958.
Em 1961 apresentou uma candidatura à Assembleia Nacional.
Na passagem do ano de 1961 para 1962, foi gravemente ferido a tiro, no assalto que comandou ao Quartel de Beja, tendo então sido preso pela PIDE.
Colaborou na conspiração da Sé em 1969.
Após o 25 de Abril, ainda foi preso por um dos membros da Junta de Salvação Nacional.
Chefiou, sem nomeação oficial a 5ª Divisão do EMGFA, onde no respectivo Centro de Sociologia Militar, teve uma actividade relevante.
Liderou uma delegação militar a Cuba, sendo José Fernandes Fafe o embaixador português.
Foi então recebido por Fidel Castro.
Lembro uma conferência a que com ele assisti na Fundação C. Gulbenkian, na qual incomodado com várias afrontas à verdade acerca da Revolução de Abril, pediu a palavra e teve uma intervenção demolidora para os provocadores, ouvida num silêncio reverencial.
Era assim Varela Gomes. O seu passado e a sua frontalidade, impuseram respeito, não deixando margem para qualquer resposta consistente.
Na sequência do golpe do 25 de Novembro, face às ameaças que sofreu, viu-se obrigado a optar pelo exílio, fixando-se em Angola, de onde seguiu para Moçambique, regressando finalmente a Portugal em 1978.
Foi um grande amigo de Ramiro Correia e teve o desgosto de acompanhar os acontecimentos ligados à sua morte, ainda em Moçambique.
Acerca da 5ª Divisão, a que tanto se dedicou, escreveu em Fevereiro de 1984, um texto cujo final reproduzo.
".... Na realidade, a 5ª Divisão nunca emitiu um mandato de captura, nunca procedeu a qualquer busca, ou prisão, nunca exerceu actividades de natureza policial ou judicial. Apenas porque não era essa a sua função, não por se desconsiderar esse aspecto da defesa de um regime revolucionário.
As nossas missões situavam-se no campo das ideias, da Revolução cultural, consistiam em arrancar este nosso povo do obscurantismo, mostrando - lhe os caminhos do socialismo, os caminhos da redenção, da esperança, do progresso.
Também pegámos em armas e corremos para as posições mais expostas, sempre que a Revolução foi atacada. Mas esse é o dever elementar do revolucionário que tem alguma coragem e preza a sua honra. "
Manteve-se sempre um combatente até ao fim, tendo sido autor de numerosos livros e textos, fortemente críticos, relativos a acontecimentos ligados à contra - revolução.
Faleceu em Lisboa a 26 de Fevereiro de 2018.
Para um melhor conhecimento da personalidade e do percurso de Varela Gomes, junto o elogio fúnebre que proferi no Crematório do Alto de S. João:

João Varela Gomes, chegou à Revolução, já com muitos anos de luta, conhecedor das subtilezas da conspiração, da vida clandestina, dos sacrifícios pessoais, da solidariedade, do compromisso, do conhecimento dos homens, da lealdade e coerência, das traições, do arbítrio, da prisão e tortura, da proximidade da morte, da demonstração da coragem física e moral. Desses tantos pseudo revolucionários ignorantes, mas enfatuados e com muita prosápia que por aí proliferam, não tinha portanto nada a aprender. Teria mau feitio. Pois tinha, mas para quem era pusilânime, vira casacas, acomodado ou delator.
Afrontava qualquer tribuna, de olhar límpido, com uma lucidez tranquila, com uma auto confiança desarmante.
Sabia o que valia e por vezes parecia soberbo, mas respeitava a verticalidade e um espirito elevado, mesmo quando provenientes de um adversário político, era frontal, um avaliador arguto e um decisor implacável.
Nunca o vi apoucar ninguém que o enfrentasse com seriedade.
Tinha uma tal estatura ética e intelectual que o levavam a criticar sardonicamente, tantos, tão pequenos, que o pretendiam desacreditar.
Mesquinhos foram, os seus numerosos detratores, habituados ao reino da calunia, que por inveja e medo, lhe atribuíam, intenções e comportamentos que nunca teve.
A sua admirável cultura, da qual se destacavam a política e a histórica, era temida e certamente demolidora, porque era potenciada por uma inteligência fulgurante, e pela convicção profunda da justeza e necessidade da revolução, pela qual tantos anos combateu.
Sim era um inconformista, mas foi sem dúvida um exemplo e um modelo, para nós jovens que com ele convivemos, dentro e fora da 5ª divisão.
Vimos muitas vezes o seu empenhamento revolucionário ser tomado por destempero e insensatez.
Como se, mais uma vez, consumidos pelo medo, se enganaram  os que assim pensavam.
A coragem a coerência têm os seus caprichos e a urbanidade nem sempre é redonda.
É assim muitas vezes com os heróis.
Por não terem passados vergonhosos, por terem querido não dobrar a cerviz, são perseguidos, vilipendiados e abrem-lhes a porta do esquecimento.
Mas, os lutadores como o Varela Gomes, não passam pela estreiteza dessa porta.
A sua dimensão, a sua obra, fá-lo-ão sobreviver e a ser contemporâneos do futuro, e a sua memória perdurará para além desta morte que não é um fim.
Eis um homem, a quem a Pátria deve ficar reconhecida.
Obrigado João