SANÇÕES CONTRA QUEM?
Mário Abrantes
Sócio da ACR
Com as sanções por si decretadas à Rússia e à sua oligarquia na sequência da invasão da Ucrânia, em obtusa submissão à vontade e aos interesses da administração e também da oligarquia norte-americanas, a União Europeia (como também Portugal e os Açores, por anuência acrítica dos respetivos governos) estão a enterrar as suas próprias economias e a comprometer por tempo indeterminado o desenvolvimento, o bem-estar e as condições de vida da maioria das suas populações.
Ninguém, que não por devaneio inconsequente ou masoquista, combateria o sofrimento dos outros, neste caso dos ucranianos (tanto pró-ocidentais, como russófonos), com o seu (nosso) próprio sofrimento. A não ser que os governantes e as oligarquias europeias confiem que esse sofrimento lhes passará ao lado…E se assim for, tal como dizem que terá de acontecer aos russos, esperemos que possam vir também a pagar bem caro por isso.
Como qualquer tiro que se dá no pé, a todos nós está já a doer o resultado das sanções decretadas pela União Europeia à Rússia. E uma avalanche de outros efeitos perversos, em cadeia, vem certamente já a caminho.
No caso dos Açores, devido à sua condição arquipelágica dispersa e distante do espaço continental, a mobilidade dos cidadãos e o desenvolvimento económico, com particular incidência nas pequenas e médias empresas, estão fortemente dependentes dos transportes aéreos e marítimos e, como tal, dos preços dos combustíveis e das importações. Entre as sanções está o corte no fornecimento de petróleo e de gás russos, os quais, devido à continuidade territorial chegavam normalmente à Europa bem mais baratos do que a partir de agora já está a acontecer e se agravará muito mais, caso a Europa venha a optar prioritariamente pelo abastecimento norte-americano, o que trará por tabela perniciosas consequências para a sustentabilidade ambiental do planeta.
Com os cereais e oleaginosas, tal como com outros fatores de produção indispensáveis à nossa agricultura e lavoura, passa-se a mesma coisa. Em consequência as dificuldades competitivas da produção regional irão acentuar-se substancialmente, tal como no setor das pescas, podendo vir a tornar-nos, devido ao aumento geral de custos, cada vez mais incapazes de exportar ou de prover o nosso autoabastecimento no que quer que seja, e cada vez mais monodependentes do turismo, sector que, por sua vez (depois da pandemia), não está livre de vir a ser atingido por nova crise, particularmente na Europa.
Para mal dos rendimentos de quem já tem poucos, é inevitável também que os preços dos bens essenciais, especulativos ou não, venham em breve a disparar sem retorno à vista, mesmo que parcialmente amortecidos a curto prazo por ajudas e apoios governamentais que como é óbvio não se poderão eternizar.
A Comissão Europeia, que muito fala em competitividade e crescimento económico, está, com as sanções, literalmente a sacrificá-los a todos os níveis.
Mais do que nunca se torna particularmente necessária a reivindicação dos Açores, junto da República e da Comissão Europeia, da execução de um programa de financiamento correspondente ao POSEI Transportes tantas vezes proposto pelos deputados do PCP no Parlamento Europeu.
Mas, de momento, para prejuízo de todos nós, e de acordo com o que decidiu em Versalhes no passado dia 11, a União Europeia parece bem menos virada para as graves implicações sociais e económicas do tiro que deu no pé, por via das sanções à Rússia, do que para a necessidade urgente de “aumentar substancialmente as despesas de defesa”, ou seja, as despesas na corrida aos armamentos, na tecnologia bélica e na militarização…E mais não digo!