Intervenção de Baptista Alves, presidente da direcção da ACR, no Porto em 12 de Março

 Intervenção de Baptista Alves, presidente da direcção da ACR, no Porto em 12 de Março de 2022

 



 

 

Conheci o General Pezarat Correia em Angola, pouco tempo depois
do 25 de Abril de 1974.
Pezarat Correia era então Major e foi um dos primeiros nomes que
registei na minha memória como responsável do MFA.
Depois do 16 de Março, a nossa esperança numa reviravolta cresceu e intuíamos que “a coisa estava para breve”, mas nada sabíamos.

No dia 25 de Abril de 1974, não sei dizer a hora, mas muito cedo ainda, fui mandado apresentar no comando da Região Aérea para uma reunião de emergência, na qualidade de comandante da minha unidade, a Delegação do Serviço de Infraestruturas da Força Aérea, que episodicamente era, por ser o oficial mais antigo presente na área. O Director Delegado bem como os outros comandantes das unidades encontravam-se a acompanhar o então Secretário de Estado da Aeronáutica numa visita à zona de operações no Norte.
Foi aí que tive conhecimento de que havia movimentações militares em Lisboa e que as mesmas tinham sido desencadeadas com uma canção conhecida.

Depois foi uma confusão, linda de se ver, diga-se de passagem, voavam notícias à velocidade da luz, todos queriam entender o que se estava a passar.

Em data que não sei precisar, em eleições realizadas em cumprimento de directivas revolucionárias, fui eleito como representante da minha unidade nas estruturas do MFA de Angola e foi já nessa qualidade que participei numa 1ª reunião de coordenação presidida pelo então Major Pezarat Correia.
Imaginam com certeza a dimensão da tarefa que tivemos que enfrentar, porque, mesmo sabendo-nos “ a bem da Nação” um tanto ignorantes em questões políticas, não nos dispensámos de avançar para sessões de esclarecimento junto dos nossos camaradas e colaboradores menos informados, procurando ganhá-los para os objectivos do MFA: o fim da guerra e a transição pacífica do poder para os angolanos. E, para nossa surpresa, os resultados foram surpreendentes, tendo a nossa engenharia se disponibilizado de imediato para tarefas de apoio à melhoria das condições de vida das populações dos “musseques” de Luanda e, o nosso pessoal civil, demonstrado grande vontade em aderir a um projecto, que começámos a desenvolver na altura, para integração futura das nossas capacidades produtivas nos Serviços de Obras Públicas do novo Estado Angola, em gestação.

Entretanto seguíamos os acontecimentos que se sucediam em ritmo acelerado em Lisboa, sem compreender muito bem o porquê da inacção que se registava em Luanda.

Obviamente que seguíamos e conhecíamos as dificuldades dos camaradas empenhados nas negociações com os movimentos de libertação e não só, mas confesso que alguns dos acontecimentos foi só mais tarde, em grande parte na leitura dos livros publicados pelo General Pezarat Correia, que me apercebi do contexto em que se inseriam.
Exemplo disso foi o facto de, em Outubro de 1974, quase 6 meses após o 25 de abril, ainda se encontrar em funções a Câmara nomeada pelo regime anterior de que era presidente o Engº Palmeirim- pessoa que nunca conheci- e um grupo de cidadãos, durante uma reunião de Câmara, ter exigido a demissão de toda a vereação e, ao que se dizia na altura, ameaçando atirar os vereadores pela janela.
Então, já tinha praticamente a minha Comissão de Serviço terminada, a minha família já estava em Lisboa e eu aguardava apenas o meu substituto para regressar também, o que só viria a acontecer em Fevereiro de 1975.

Na tarde desse mesmo dia, do assim chamado na altura “assalto à CMLuanda”, estando a ouvir a reportagem pela rádio, sou surpreendido com um telefonema do Chefe do Estado Maior da Região Aérea a comunicar-me que era necessário nomear de imediato um oficial da FAP para integrar uma Comissão Provisória para a Câmara, para substituir o Presidente e toda a Vereação e que o meu nome tinha sido indigitado para o efeito. A nomeação,
assinada pelo então Alto- Comissário, Almirante Rosa Coutinho, estava já a caminho e devia apresentar-me na CMLuanda às 08h00 do dia seguinte.
E foi assim que conjuntamente com o Capitão-Tenente Caeiro Junça da Marinha e o Capitão Miliciano Solano de Almeida (Arquitecto) assumimos a presidência da CM e as responsabilidades inerentes a toda a vereação, até que foi possível a constituição de uma Comissão Administrativa com participação de representantes locais.

Deixem-me dizer que na altura a CMLuanda, para além das normais funções duma grande cidade, que já era, tinha também a seu cargo os Serviços de Água e Electricidade e os transportes Urbanos e no meu caso pessoal, com 31 anos de idade, coube-me a presidência do CA dos SMAE para além de outras responsabilidades na gestão dos serviços da Cãmara.
Muito haveria que contar sobre este período, que a revolução de Abril nos proporcionou viver, mas para este debate o que me interessa referir é que, ao chegarmos à Câmara deparamos com a existência no cofre da Presidência de um diploma de cidadão honorário que a edilidade tinha decidido atribuir ao Presidente da República General António de Spínola numa visita programada para Angola que, por força do 28 de Setembro não se chegou a realizar.
Ao tempo, não nos preocupou muito a relação que, eventualmente, existiria entre estes e outros acontecimentos vividos em Luanda, alguns de extrema gravidade, mas hoje interrogo-me, em voz alta na presença do General Pezarat Correia: O que teria acontecido se o desfecho do 28 de Setembro tivesse sido outro?

De regresso a Lisboa, fui colocado no GDACI, no alto de Monsanto e poucos dias após dá-se o golpe contra-revolucionário 11 de Março, sendo o GDACI uma das unidades visadas.
Após o 11 de Março, algum tempo depois, sou novamente catapultado para funções civis, desta feita para o Ministério das Obras Públicas, sendo  inistro na altura, o Cor Augusto Fernandes e o Primeiro- Ministro, o General Vasco Gonçalves.
O general Pezarat Correia era então conselheiro da Revolução e uma referência para todos nós militares e para mim em particular pela afinidade que sentia na paixão por Angola que se reflectia nos seus escritos.

Mergulhar mesmo na revolução popular em curso, entrar na vida dos nossos cidadãos em luta por uma vida melhor, foi uma experiência inesquecível e um roteiro para toda a minha vida e isso não é indissociável a figura ímpar do General Vasco Gonçalves, cuja superiordade moral, humanidade, fervor revolucionário e patriotismo o agigantam aos nossos olhos tanto mais quanto a pequenez dos seus adversários e detratores se evidencia.
Recordar este período, faz-nos obrigatoriamente reviver os dolorosos acontecimentos do chamado “Verão Quente de 1975” e do 25 de Novembro. O General Pezarat Correia era então Comandante da Região Militar Sul e Conselheiro da Revolução, e integrou o Grupo do Nove.
As posições públicas desassombradas que o General Pezarat Correia tem assumido sobre este período e sobre V.G. e a sua decisão de integrar a CH das comemorações do centenário do seu nascimento, calaram fundo na nossa ACR, que tem Vasco Gonçalves como patrono e a defesa das conquistas da revolução como objecto.

Naquilo em que tive o privilégio de participar directamente, a concretização da política para a área da habitação - que logo no 1º Governo Constitiucional se aniquilou- direi apenas que ainda hoje é objecto de estuda nas escolas universitárias da área da habitação e urbanismo, no nosso país e no estrangeiro e que sobre ela já foram produzidos alguns filmes, muitos livros e teses de mestrado e doutoramento que atestam bem a sua valia, refiro-me
concretamente ao projecto SAAL.
É óbvio que isto, o reconhecimento do Direito à habitação sem sofismas, é apenas uma pequena fracção do que foi o avanço civilizacional proporcionado pela Revolução de Abril, preconizado no PMFA e levado à prática pelos Governos provisórios, em particular pelos Governos presididos pelo General V.G. Só quis deixar expresso o meu testemunho pessoal que pouco acrescentará ao imenso património de memórias que a nossa ACR se propõe valorizar e defender, mas que muito, mesmo muito, me enriqueceu… e me fez militante de Abril para toda a vida.

E, acima de tudo dizer que estamos aqui hoje, eu e o Cmte Manuel Begonha, nesta iniciativa do Núcleo ACR do Porto, pelo muito apreço que nos merece o trabalho aqui desenvolvido e porque não nos dispensámos de participar estando presente um dos mais prestigiados Capitães de Abril, o General Pezarat Correia.