VASCO GONÇALVES E A HISTÓRIA A REVOLUÇÃO DE 1383-1385 Manuel Begonha | Presidente da Assembleia Geral

 

VASCO GONÇALVES E A HISTÓRIA
A REVOLUÇÃO DE 1383-1385
Manuel Begonha | Presidente da Assembleia Geral


Ao contrário do que muita gente pretende fazer crer, o General Vasco Gonçalves, era um homem culto, tranquilo, inteligente e organizado.
Das suas múltiplas leituras, privilegiada a história das ideologias, a filosofia política e a história, especialmente a de Portugal, que estudou profundamente, alicerçado no seu espírito matemático de engenheiro militar que era.
Como um homem transformador, com uma ideia de inovação para o nosso país, adaptava-se bem ao que Philip Roth escreveu: "foi o homem que decide forjar um destino histórico diferente, que resolve arrombar o ferrolho histórico e o arromba, que consegue modificar brilhantemente a sua sorte pessoal."
Neste âmbito, Vasco Gonçalves publicou em 11de Dezembro de 1983, o ensaio "A revolução de 1383-1385", com 33 páginas, num suplemento do jornal "O Diário." 
Descreve os acontecimentos que levaram D. João, Mestre de Avis, a tornar-se o líder da facção adversária à ligação de Portugal a Castela. Foi coroado rei de Portugal em 1385 como D. João I, com o cognome de O Boa Memória, após afastar a rainha e o conde Andeiro.
Com o apoio de Nuno Álvares Pereira, o Condestável, organiza a resistência e um exército que faz frente ao rei de Castela, cujas forças são definitivamente derrotadas na batalha de Aljubarrota.
Deste ensaio, retirei os seguintes excertos :

" A causa imediata da Revolução burguesa é a tentativa por parte da nobreza de entregar o Governo de Portugal à monarquia castelhana. A revolução toma desde logo um carácter nacional, social e popular. A insurreição de Lisboa é secundada por revoltas populares por todo o país ( sobretudo a Sul do Tejo) da burguesia rural, dos camponeses, dos assalariados rurais, dos "ventres ao sol". 
A luta pela independência nacional funde-se com a luta contra os privilégios da nobreza e pelo poder político, pois a classe dominante á qual era disputado este poder político era a mesma que, para conservar as suas posições, havia provocado a intervenção da nobreza de Castela contra os interesses populares e estava disposta a entregar o Governo de Portugal à monarquia castelhana. 
A revolução burguesa identifica-se, assim com a luta pela independência nacional. 
A revolução tem um nítido carácter de classe. Dois campos se afrontam:
O da nobreza territorial latifundiária e o das classes não senhoriais : a burguesia urbana e rural, os mesteirais, os pequenos proprietários camponeses, os camponeses sem terra, nesse momento unidos contra o mesmo inimigo, a nobreza portuguesa e castelhana, ultrapassando assim as próprias e naturais contradições de interesses que havia entre essas classes sociais não senhoriais. Foram estas forças que se defrontaram em Aljubarrota ". 
É mais adiante :
" A história mostra que não pode formar-se uma nação com uma comunidade de indivíduos que vivem no mesmo território e que, para além de relações económicas estáveis, estão ligados por uma língua comum e pelas particularidades da mentalidade, da cultura, do modo de vida, fixadas nos seus usos, costumes e tradições, sem que, na sua raiz, estejam classes produtivas directas e as demais classes populares. 
Os interesses destas classes, nos graves momentos de crise nacional, identificam-se com os interesses da Pátria. 
O mesmo não acontece quando as classes privilegiadas em determinadas condições históricas, para defenderem os seus interesses e as suas posições frente à acção revolucionária das massas populares, elas sacrificam o sentimento patriótico, são capazes de comprometer a independência do seu país, em troca de auxílio estrangeiro para se manterem no poder. 
Na tão grave situação de 1383-1385 o sentimento nacional, a solidariedade activa entre as mais largas camadas dos portugueses foi reforçada, mas este facto foi devido à luta de classes, não privilegiadas contra a nobreza feudal ". 

Assim Vasco Gonçalves, sabendo que quando não se resgata do silêncio a memória histórica, se está condenado a sucumbir, prossegue :

" Pelo seu carácter nacional e social a guerra de Portugal contra Castela foi uma guerra justa. Ela foi uma guerra conduzida pelo povo em defesa da liberdade e do progresso social ( a opressão e exploração senhoriais entravavam o desenvolvimento económico e social), em defesa da independência nacional contra o domínio estrangeiro. Este era o conteúdo político da guerra. Ele resultava do carácter de classe da guerra, das razões pelas quais eclodiu, das classes que a faziam e das condições históricas e histórico - económicas que a provocaram. 
O conteúdo político da guerra determina o seu papel histórico na vida da sociedade. 
O papel histórico da guerra contra Castela e contra a nobreza feudal de Portugal foi progressista. 
A vitória da burguesia permitiu :
- o fortalecimento do poder político do país 
- o fortalecimento do poder político e económico da burguesia que conduzirá ao desenvolvimento da navegação e à gesta dos descobrimentos ". 

Para finalizar esta recolha, voltamos a Vasco Gonçalves. 

" A classe dominante de hoje, a burguesia monopolista e latifundiária foi profundamente abalada, no seu poder económico e político, depois do 25 de Abril pelas conquistas democráticas alcançadas pelo Povo português. 
A política de restauração capitalista, de restauração dos privilégios da grande burguesia, conduzida pelos sucessivos governos constitucionais, tem sido uma política de subordinação, dia a dia mais grave, da política e da economia portuguesas ao grande capital internacional, á banca internacional privada, às empresas transnacionais, à CEE, à política diplomática e militar dos EUA e da NATO, etc. 
Que significado tem esta política? 
A grande burguesia procura no estrangeiro o apoio de que necessita para se manter no Poder, para restabelecer os seus antigos privilégios. Mas o apoio que procura e obtém junto dos meios imperialistas e da grande burguesia internacional faz correr graves riscos á capacidade dos portugueses decidirem da sua própria vida, do seu próprio presente e futuro. 
Como a nobreza portuguesa em 1383-1385, a grande burguesia monopolista dos nossos dias não hesita em comprometer a independência nacional à restauração, conservação e reforço dos seus interesses de classe, que são o seu enriquecimento e o seu domínio da sociedade portuguesa, tendo por base a opressão e a exploração das mais amplas camadas do nosso povo, ou seja, das camadas não monopolistas. 
Hoje, são a classe operária os trabalhadores, as camadas não monopolistas da nossa população os legítimos herdeiros da tradição patriótica dos burgueses, dos mesteirais, dos camponeses sem terra, dos assalariados que lutaram pela independência da nossa Pátria contra a classe dominante do seu Tempo, a nobreza de Portugal e Castela, e venceram ". 

A leitura destes excertos permite-me reafirmar que preservar a experiência, é uma forma segura de construir o futuro. Por vezes a história bem interpretada, pode revelar ideias que voltam a aparecer intactas, ou seja, ficamos a conhecer melhor o que nos oculta o passado. Mas por outro lado, há situações que parecem incontestáveis e que no futuro se transformam em enganadoras quimeras. 
D. João l ficou na história de Portugal como um libertador dos mais oprimidos, tal como o General Vasco Gonçalves ficará, enquanto que o pó dos seus detractores será varrido pelos ventos do olvido.