As comemorações do 42º aniversário do 25 de Abril, coincidem com um processo nacional e internacional muito complexo.
Internamente Portugal encontra-se sob o fogo cruzado de uma oposição rancorosa e da necessidade de cumprir um Orçamento de Estado muito exigente que seja um factor de desenvolvimento e dinamismo da economia, decorrente de uma esperada melhoria do consumo interno, do aumento das exportações e do investimento produtivo nacional e exterior.
Porém, estes factores de desenvolvimento estão condicionados pelo gigantismo da nossa dívida externa, cujo pagamento nas condições que nos são exigidas não deixa qualquer folga para o investimento, o que torna absolutamente indispensável proceder à correspondente renegociação, sem a qual o nosso futuro estará comprometido. A Portugal está vedado pelos tratados europeus a emissão de moeda, enquanto que a Alemanha, por métodos ínvios, a vai praticando.
Por outro lado a relação entre a União Europeia e o Governo português, permanentemente sujeito aos mais diversos tipos de pressão, é difícil de gerir, atendendo ainda a que esta é também um foco de divergência com os partidos que lhe dão suporte parlamentar, que não pretendem legitimamente abdicar dos seus princípios fundamentais, não passíveis de flexibilização.
Este panorama é ainda ensombrado pela composição da equipa da Comunidade Europeia que tem a seu cargo acompanhar o cumprimento das respectivas directivas, dominada por políticos de direita ou mesmo da extrema direita com um notável défice democrático e a quem não agrada a situação governativa portuguesa. Esta postura é bem evidenciada pelo lamentável acordo com o regime turco sobre os refugiados, dando assim nova credibilidade ao pouco recomendável Erdogan, Presidente da Turquia.
No campo internacional iremos analisar duas situações muito preocupantes e que podem por em causa o futuro da economia e da paz na Europa que são a banca e os sinais de guerra.
No que concerne à banca devemos notar que o sistema financeiro europeu foi planeado para um panorama favorável.
Numa crise como ocorre presentemente com países detentores de risco de dívida, nomeadamente Portugal, Espanha e Itália, estes estão a ser pressionados pela Alemanha para que os seus bancos se recapitalizem. Isto pode corresponder a um enorme esforço, por exemplo para Portugal pode representar cerca de 11% do capital próprio, o que se poderá atribuir à desastrosa gestão da nossa banca, além da existência de fraudes e lavagem de dinheiro, bem como ao tráfico de influências e corrupção na administração pública. Isto é, corremos o risco de ver destruída a máquina do Estado por descapitalização.
A banca europeia, pese embora as gigantescas injecções de liquidez do BCE, terá grandes dificuldades em recuperar, em parte devido aos derivados financeiros que não só distorcem toda a economia através dos preços, mas também geram bolhas financeiras.
Neste colapso geral do esquema financeiro mundial, verificaram-se nos dois primeiros meses do corrente ano perdas muito consideráveis no valor de bancos tão importantes como o Deutsche Bank, o Citibank, o Bank of América, o UBS, o Crédit Suisse, o Goldman Sachs e o JP Morgan.
Há analistas que referem que a hostilidade do Sr. Schäuble aos países de economias mais débeis – pelo risco de não cumprirem os respectivos défices – se deve para além de antipatias políticas, ao receio de ser a banca alemã, em dificuldades, obrigada a conceder empréstimos.
A banca ao funcionar com uma lógica de maximização de lucros, leva o BCE a pretender concentrar a banca nacional nas mãos do capital estrangeiro, constituindo grandes conglomerados, o que parece não afectar o grande capital e as oligarquias que assim defendem os seus interesses, acreditando que quanto maior for um banco mais difícil será aceitar um seu eventual colapso pelos riscos sistémicos que daí adviriam.
Esta situação, tem efeitos perturbadores no nosso sistema bancário, constituindo um constrangimento ao desenvolvimento à economia nacional, porque nos leva a perder o respectivo controlo público, não impedindo ainda a transferência para o exterior do país de recursos e riqueza produzida.
Na vertente externa, a guerra é uma ameaça real, face ao conceito estratégico militar dos EUA e da NATO.
Para ilustrar o pensamento de parte da população dos EUA, recorro a extractos de uma entrevista recente concedida pelo académico norte americano Noam Chomsky, professor no MIT, a propósito do fenómeno Donald Trump.
“Os Estados Unidos são um país religioso muito fundamentalista”. “Os fundamentalistas religiosos tornaram-se recentemente numa força política”. “Eles estão-nos retirando o país”, diz Donald Trump, sendo eles as minorias emigrantes. “Éramos um belo país anglo-saxónico branco, mas isto perdeu-se”. “O medo do ISIS é provavelmente maior nos Estados Unidos do que na Turquia”. “Sondagens recentes mostram que um quarto dos americanos pensam que Obama pode ser o Anticristo”.
Com os decisores político-militares norte americanos mergulhados neste contexto, parece claro que o seu objectivo principal seja suprimir a ameaça de outras nações que possam pôr em causa a sua situação de hiperpotência incontestada. Assim reforçam a política de cerco à Rússia, China, Irão e Coreia do Norte.
Instalaram cerca de 400 bases militares em 40 países, para assim garantir um acesso hegemónico aos recursos naturais.
Esta política já se manifestou com a destruição de países do Norte de África e do Médio Oriente como o Afeganistão, o Iraque, a Líbia e a Siria.
O ataque à Coreia do Norte e ao Irão é mais delicado pois existe o risco de poder envolver a China e a Rússia.
O que nos Estados Unidos neste momento se avalia é a possibilidade de vencerem uma guerra contra estes países, apenas com um primeiro ataque devastador, ou em alternativa criar vários tipos de guerra fria, no pressuposto que a máquina militar industrial será capaz de as sustentar.
Desta forma desenvolvem sistemas de armas de tecnologia inovadora, como bombas nucleares inteligentes e mais pequenas e outros equipamentos de elevada sofisticação, aumentando enormemente o respectivo poder militar e os serviços de informação (intelligence).
Neste momento, as despesas militares dos EUA são quatro vezes superiores às da China, sendo apenas o respectivo orçamento dos serviços de informação igual ao orçamento militar da Rússia. Entretanto, a NATO exige um aumento de 5% para fins militares e prepara uma chamada força de intervenção rápida.
Estamos assim a assistir a uma nova ordem mundial de expansionismo militar, subvertendo claramente a Carta das Nações Unidas, enquanto se vão criando mais regimes de pobreza e de exclusão.
Ao perigo desta evolução é acrescida a ascensão das forças de extrema-direita na Europa, favoráveis à ideologia da guerra.
Torna-se assim necessário desenvolver, especialmente entre os mais jovens, uma mentalidade anti-guerra, anti-racista e anti-xenófoba.
A conjuntura atrás analisada terá significativos reflexos para Portugal pelo que deverá ser enfrentada com determinação para salvaguardar a soberania e independência nacionais e impedir que mais uma vez seja o povo a pagar as crises.
Estes conflitos com que somos confrontados são geradores de morte, destruição e pobreza e focos de extremismos incubadores do terrorismo.
Mas estaremos preparados para não faltar ao encontro que nos espera num futuro próximo?
Foi eleito um novo Presidente da República de quem se espera ter a capacidade de olhar para o país de uma forma diferente do anterior que via no povo mais uma perversão ideológica do que um inimigo de classe.
Temos uma bela Constituição, cujo 40º aniversário da correspondente aprovação comemoramos. É um projecto emancipador e com maturidade democrática. Nasceu da luta do Povo. Honra os deputados Constituintes que a subscreveram. Estabelece e consagra inalienáveis direitos e deveres políticos, económicos, sociais e culturais. Faz a opção pela subordinação do poder económico ao poder político. Assenta na igualdade entre Estados, pela Paz, pela não ingerência e pela solução pacífica dos conflitos, sendo incompatível com a promoção da guerra e a destruição de Estados e Povos.
Esta Constituição contém tudo o que interessa preservar para nos garantir um futuro promissor. Necessita ser permanentemente defendida.
Dizia Fernando Pessoa -“Nós encontramo-nos navegando sem ideia do porto a que nos deveríamos acolher”.
É claro que este não é o nosso rumo. Conhecemos bem os nossos desígnios e para onde dirigir a nossa luta.
Podemos contar, para ultrapassar todos estes desafios, com um povo consciente, combativo e determinado que preza a liberdade e tem orgulho na sua independência.
Estaremos atentos e na evocação de mais um ano em democracia após o 25 de Abril, reiteramos a disposição de, se as conquistas da revolução forem postas em causa, lutar por elas sem desfalecimentos, abrigando no nosso peito o cravo que nos inspira.
Manuel Begonha - Presidente da ACR