Evocação/Homenagem a RAMIRO CORREIA


Intervenção de Manuel Begonha Presidente da ACR

1.-Manuel Begonha fez uma referência à exposição que acabava de ser inaugurada salientando ter sido esta montada por elementos da Direcção da ACR.
Apresentou um tempo biográfico do homenageado RAMIRO CORREIA, salientando as unidades em que prestaram serviço em simultâneo, com especial relevo para a 5ªDivisão do EMGFA em 1974/75.
Falou na sua elevada qualidade de médico, na sua grande cultura e capacidade de comunicação, no seu papel de intelectual, humanista e internacionalista e na sua inteligência fulgurante. Classificou-o como um poeta na Revolução e um semeador, cuja obra de referência terá sido, para além de livros que escreveu, a concepção das Campanhas de Dinamização Cultural do MFA.

2.-Manuel Begonha em seguida fez a apresentação do projecto das Campanhas de Dinamização Cultural e a sua ligação a organizações civis já existentes, com um longo trabalho no âmbito cultural, antes do 25 de Abril, coordenadas pela Direcção Geral da Cultura Popular e Espectáculos. Esclareceu as razões do lançamento das campanhas, sem esquecer a ocorrência do 28 de Setembro de 1974 e de alguns avanços das forças contra-revolucionárias. As campanhas foram iniciadas em Outubro de 1974 após a queda do General Spínola. Como razões estratégicas foram apresentadas as seguintes:
-Divulgar o programa do MFA;
-Esclarecimento quanto ao acto cívico de votar;
-Movimentar as Forças Armadas em zonas Fronteiriças e internas para:
-dar dimensão nacional ao 25 de Abril,
-prevenir tentações de intervenção espanholas devido ao Pacto Ibérico.
-Impedir o descredibilizar da disciplina e coesão das FA’s, incorporando nas Campanhas Forças Especiais (Fuzileiros, Comandos e Paraquedistas).bem equipadas, preparadas e enquadradas.
Salientou que nestas campanhas se tornou visível que o MFA era constituído por oficiais, sargentos e praças (de carreira e milicianos) e que muito contribuíram para consolidar as conquistas da revolução.
Foram descritas as várias fases das Campanhas:
1ªFASE-Campanhas itinerantes que envolviam militares e meios de animação desde Companhias de Teatro, Projecção de Filmes, Bandas Musicais, Cantores e Artistas da Dança ao Circo.
2ªFASE-Fixação de militares no terreno com meios de animação, engenharia e outros meios técnicos, medicina, veterinários, artistas plásticos, etc.. Esta fase permitiu a criação de centros culturais, grupos de teatro, abertura de estradas, eletrificação rural, apoio médico e sanitário, campanhas contra a brucelose, etc..
3ªFASE-Desenvolvimento da acção cívica e criação de Gabinetes de Dinamização
Desenvolveram-se acções com as populações, com a produção de relatórios permanentes da sua situação económico, cultural e social, tratados pelos gabinetes de dinamização e enviados para os vários ministérios.
As campanhas foram apoiadas por directivas e formação dos militares no Centro de Sociologia Militar/5ªDivisão do EMGFA.Foram consideradas apartidárias mas não apolíticas.
Estenderam-se aos Açores, Madeira e zonas de emigração portuguesa.
Foram realizadas mais de 2.000 acções de dinamização.

3.Para terminar Manuel Begonha esclareceu que não houve benefícios pessoais, ajudas de custo, promoções, nem custos com direitos de autor. Não ocorreram despesas com alojamentos. Apenas foram pagos alguns materiais.
Afirmou que estas campanhas de dinamização foram efectivamente uma experiência de galvanização, de enriquecimento humano e de esperança irrepetíveis.

Manuel Begonha/Capitão de Mar e Guerra Ref.




Síntese da Intervenção de Rodrigo de Freitas

Começou por falar nos movimentos associativos de antes do 25 de Abril, como os cine-clubes, os artistas plásticos, o teatro e até de galerias de arte onde se efectuavam reuniões.
Salientou a importância da acção das juntas de freguesia, do Clube Atlético de Campolide, onde se instalou o Teatro de Campolide e que também trabalhou em inquéritos à população sobre os respectivos interesses culturais. Lembrou também a acção do teatro de Marionetas Branca Flor, em acções em infantários e escolas e a Exposição de Poesia ilustrada efectuada no Pavilhão de Turismo de Coimbra. Menciona ainda a criação do Movimento dos Artistas Plásticos.
Referiu, já em 1974,as homenagens ao escritor e pintor José Dias Coelho e a reunião de artistas plásticos no Palácio Foz em Dez.74,donde saiu o compromisso de cooperação com a CODICE (Comissão Dinamizador Central),coordenadora das Campanhas .
Posteriormente na Sociedade Nacional de Belas Artes e na sequência da reunião anterior, foram designados três elementos para a coordenação da actividade deste sector: João Moniz Pereira(TV), Marcelino Vespeira (CODICE/edições) e Rodrigo de Freitas (CODICE/coordenação de materiais).
Quanto à actividade desenvolvida na CODICE, coordenou a acção dos artistas plásticos na produção de cartazes, exposições, pinturas murais, em resumo o tratamento gráfico dos materiais apresentados.
Referiu a importância da Imprensa Nacional Casa da Moeda na execução de materiais gráficos, especialmente na edição de um selo reproduzindo o 1º cartaz (MFA-POVO) de João Abel Manta.
Terminou a sua intervenção com uma referência à figura ímpar de Ramiro Correia e à forte e antiga amizade que os unia.

Rodrigo de Freitas/Artista Plástico e suplente da Mesa da AG da ACR





Intervenção de Modesto Navarro

AS CAMPANHAS DE DINAMIZAÇÃO CULTURAL
E ACÇÃO CÍVICA DO MFA


Quero aqui saudar a acção militar e cívica de Ramiro Correia, lembrar todos os que trabalharam na 5ª Divisão e na CODICE e, em especial, Carlos Paredes.
A história do movimento associativo popular em Portugal, desde o aparecimento das bandas ou agrupamentos musicais na passagem do século dezoito para o século dezanove, traz-nos essa realidade concreta de as camadas populares e os trabalhadores necessitarem de assumir eles próprios, pelas suas mãos, o caminho do acesso à cultura e ao saber, contra o que eram a monarquia e a burguesia ascendente, na ditadura da nobreza e das classes exploradoras.
O desenvolvimento da organização dos trabalhadores e classes mais desfavorecidas levou à criação de mútuas, cooperativas e outras formas associativas que se ampliaram às questões da sobrevivência e da solidariedade nas áreas da economia, da educação e da cultura. Eles lutavam pela liberdade e pelos direitos à vida, ao bem-estar e à afirmação de um poder operário e transformador que emergiu claramente no século dezanove, com a criação da Internacional Comunista, a difusão do Manifesto Comunista e a organização da Fraternidade Operária, estrutura representativa das associações profissionais e futuros sindicatos em Portugal.
Na primeira República e depois, as diversas formas de organização popular, os sindicatos e, em 1921, a criação do Partido Comunista Português, marcaram territórios de luta e de afirmação proletária e trabalhadora.
Na resistência ao fascismo, as cooperativas económicas, as colectividades de cultura e recreio, os clubes e outras associações foram o contributo necessário à resistência clandestina e semi-clandestina. Esta última expressou-se no Movimento de Unidade Democrática – MUD, no MUNAF, nas campanhas de Norton de Matos, Ruy Luís Gomes e Humberto Delgado, na CDE criada em 1969.
O movimento dos trabalhadores e populações desfavorecidas na organização de estruturas associativas, na conquista dos direitos a saber ler e escrever, à educação, à cultura, à prática desportiva e à resolução de problemas económicos e financeiros, de que é exemplo claro a questão de assegurar o próprio funeral com um mínimo de dignidade, como a história da Voz do Operário atesta, aí esteve, antes, durante e depois do fascismo, na resistência e na afirmação de valores que se impuseram à repressão e ao domínio das grandes famílias da alta burguesia ligadas ao fascismo e espoliadoras da criação de riqueza através da força de trabalho da grande maioria.
As perseguições ao movimento associativo; o encerramento de colectividades; a imposição de direcções afectas ao regime fascista; o decreto 520/71 de Gonçalves Rapazote, então ministro do Interior do Salazar, tentando obrigar as cooperativas culturais, a Devir, a Vis, a Proelium, a Livrelco, a Unicefe e tantas outras a entregarem os estatutos, na repressão de que só escapou a Cooperativa de Estudos e Documentação, de Arons de Carvalho e outros futuros dirigentes do PS, em 1972, porque entregaram os estatutos para a censura fascista alterar, foram realidades violentas que atravessámos nas décadas anteriores ao 25 de Abril.
Em 1969, depois das eleições fascistas, a palavra de ordem da CDE, de ir para as colectividades e sindicatos, foi correcta e criou condições para uma maior intervenção no seio das populações e com os trabalhadores. Ligada à orientação do PCP, de ir à guerra colonial e combatê-la no interior das forças armadas, nos quartéis e nas frentes da guerra em África, estas palavras de ordem e o trabalho realizado na amplitude das diversas frentes de resistência e luta criaram condições para o aparecimento das movimentações dos militares do quadro e depois de milicianos, na preparação do golpe militar de 25 de Abril de 1974 que foi transformado em revolução na acção conjugada dos civis e militares revolucionários, na intervenção politica da classe operária organizada, do movimento democrático, da CGTP e dos sindicatos, da imparável força popular que emergiu em Lisboa e em todo o país, contra o fascismo.
A eleição de comissões administrativas para as Câmaras Municipais e as Juntas de Freguesia, a destruição do aparelho de Estado fascista, as campanhas de alfabetização logo em Junho, Julho e Agosto de 1974, foram passos importantes, entre outros, para a criação de condições de lançamento, pelo MFA, das campanhas de dinamização e acção cívica. Essa decisão essencial de actuar sobretudo nas regiões mais desfavorecidas e atrasadas, mas também de estabelecer ligações com os trabalhadores nas grandes empresas e nos sindicatos, essa presença e actividade de militares e civis nas aldeias, vilas e cidades trouxeram uma nova e impetuosa forma de intervir de que Ramiro Correia, João Varela Gomes, Manuel Begonha, Pessoa Guerreiro, Faria Paulino e Duran Clemente foram expoentes, numa realidade que se instalou pelo país e teve acções transformadoras e decisivas.
Eram diferentes as equipas de intervenção. No Hospital de Sernancelhe, nesse concelho e em Penedono, médicos, enfermeiros, civis e militares desdobravam-se em actividades de apoio às populações, na saúde, no associativismo, na criação de creches, jardins-de-infância e comissões de aldeia.
No concelho de S. Pedro do Sul, as máquinas ajudavam a rasgar estradas e caminhos, com um médico inolvidável na sabedoria de estar com as populações, o Dr. Robalo, que tratava os doentes, orientava as populações na medicina preventiva, resistindo a ameaças e ganhando nas aldeias e no povo o apoio necessário para que os reaccionários não levassem a cabo o que pretendiam, o obscurantismo e a resistência ao que era novo e libertador. Eles incendiavam pinhais a atribuíam esses actos a comunistas e ao presidente da Comissão Administrativa da Câmara, Jaime Gralheiro, que até pagaria ou receberia 250.00 por cada incêndio nos pinhais, sendo alguns até pertença dele e da própria família… Mas lá estavam as experiências positivas, o estradão até Covas do Monte, aldeia finalmente ligada à sede do concelho e a Viseu.

Em Castro Daire e Cinfães, o então capitão Cruz Fernandes e as equipas de militares, veterinários e outros técnicos ajudavam a rasgar a serra de Montemuro, numa estrada que retirou do isolamento a Gralheira, como criavam condições para a electrificação local e organização de estruturas associativas nas aldeias, comissões de moradores, de saúde e baldios e formas de intervenção popular na resolução de problemas na agricultura e na criação de gado.
Em Trás-os-Montes, no distrito da Guarda, em Castelo Branco, em concelhos e regiões, os militares e civis trabalhavam na conquista de melhores condições de vida, de esclarecimento politico, de acesso à cultura, com grupos de teatro e intelectuais que se aproximavam das realidades concretas e ajudavam a mudar mentalidades e a vida de todos os dias.
Num tempo em que Freitas do Amaral e Sá Carneiro, líderes do CDS e do PSD, davam a palavra de ordem de “com os militares não se trabalha”, por exemplo na Gralheira, em que o presidente da Junta de Freguesia, eleito em plenário, era do CDS, isso não se cumpria. O presidente da Junta de Freguesia de Almofala, que era do PSD, ria dessa palavra de ordem e trabalhava entusiasticamente na defesa dos interesses da freguesia, com os militares revolucionários.
No início de Agosto de 1975, o “documento dos nove” foi o argumento para uma manifestação de apoio aos seus subscritores, em Viseu, que teve a presença e a intervenção do segundo comandante do regimento ali aquartelado. Depois dessa manifestação, aquela turba enfurecida e nada democrática cercou o centro de trabalho do PCP, na cidade, e, durante a noite, sucederam-se os ataques da guarda-avançada do ELP, que viera de Braga e de outros sítios, no lançamento de cocktails Molotov e todas as ofensivas, com a cumplicidade do comando da PSP, que levaram ao incêndio do centro e à morte de um militante comunista.
Nesse fim de dia, nas janelas e varandas da sede do PS, em Viseu, podiam ver-se caras felizes com o que estava a acontecer. Está aí, nos livros e documentos até dos serviços da CIA e outros, dos Estados Unidos da América, o que foi a conspiração paga pela Alemanha Federal, apoiada por Carlucci e os americanos, suportada pela Espanha de Franco, no apoio ao ELP e ao MDLP, no bombismo e terrorismo a que a igreja mais feudal deu apoio e guarida.
No 1º Congresso dos Escritores Portugueses, Vasco Gonçalves pediu aos intelectuais presentes que aderissem ao trabalho de esclarecimento e mobilização popular a favor da democracia e da revolução. O primeiro a subir ao palco, para se inscrever nas listas de apoio às campanhas de dinamização cultural, foi Francisco Sousa Tavares, numa premonitória indicação de como foram levadas a cabo as infiltrações e o trabalho de reacção de que ele foi porta-voz, como director do jornal A Capital.
Mas escritores, artistas plásticos, músicos, grupos de teatro, dramaturgos como Bernardo Santareno, intelectuais como Fernando Lopes Graça e José Gomes Ferreira, gente esclarecida e generosa, das áreas da engenharia, da medicina, da agricultura, da electrificação e do saneamento básico, entre outras, deram o seu contributo para que ainda hoje perdurem organizações locais e populares criadas com as campanhas de dinamização do MFA, para que haja experiências e memórias notáveis, nos estão vivos e resistem, nos livros, filmes e outros documentos que são testemunhas de que houve generosidade, entrega a ideais e uma vontade imensa de impulsionar a revolução e transformar a vida.
Entretanto, não esqueço um médico brasileiro da equipa de Sernancelhe, esquerdista hábil a provocar divisões, a instalar a confusão nos militares e civis. Como não esquecerei um dito engenheiro químico, que, em pleno verão quente de 1975, se ofereceu para fabricar bombas para travar a contra-revolução… Eram exemplos de como as infiltrações e os provocadores vieram trabalhar para atrasar e atacar dinâmicas que eram decisivas.
O imperialismo e os seus seguidores e comparsas em Portugal ajudaram a destruir o que muito de positivo a Revolução do 25 de Abril nos trouxe. Poder Local democrático, nacionalização dos bancos, grandes empresas e sectores fundamentais da nossa economia, reforma agrária vital nos campos do Alentejo e Ribatejo, entre as conquistas das liberdades fundamentais e dos direitos à organização política, a eleições livres e à intervenção dos trabalhadores nas empresas.
É bom não esquecer quem foram os revolucionários e quem foram os comparsas e agentes da contra-revolução, de que Mário Soares será expoente máximo, entre outros.
Devo lembrar que muitos companheiros que trabalharam na CODICE levaram essas experiências para a amplitude da acção da Secretaria de Estado da Cultura, do FAOJ e outras estruturas que impulsionaram a descentralização e a acção cultural em todo o país.
Um povo digno e interventivo tem memória e tem projectos de futuro. Aí está a realidade violenta que os cultores e praticantes do golpe contra-revolucionário de 25 de Novembro iniciaram e lançaram. Aí estão a miséria instalada, o sofrimento, a destruição de conquistas e direitos fundamentais. Mas aí estão também a força e a luta dos que nunca transigiram e de uma juventude que se torna interveniente e activa, na mudança política, social, económica e cultural que se impõe levar a cabo.
Aí estão novamente as propostas divisionistas, o silenciamento, o ódio e o ataque às forças mais consequentes e revolucionárias. No fundo, a luta de classes sempre, a exigir novas campanhas de dinamização e acção cívica, organização politica, sindical e associativa para criarmos mais e mais unidade, mais força para abrirmos as estradas e os estradões por onde o nosso povo sairá da ignorância espalhada e assumirá os direitos ao trabalho, à felicidade e à libertação destes jugos de exploração e destruição da nossa economia e futuro.
Não haverá lugar para hipocrisia oportunista e eleitoral, na disputa de “pataca a mim pataca a ti”, nos jogos centristas de poder.
Convirá que não haja, e que as contemplações e as ilusões não vicejem de novo, em mentes cortesãs e sempre afectas a qualquer poder que aí venha. Do que precisamos, agora, é de forças e vontades claras, porque não há margem para o engodo e o engano envolvidos em posturas falsamente democráticas e conciliadoras do que é inconciliável.
Nesta sessão de homenagem a Ramiro Correia e a todos os militares e civis da Revolução do 25 de Abril, lembramos as conquistas da revolução e afirmamos que elas estão aí, na Constituição da República Portuguesa e nas nossas mãos, nas lutas e na manifestação que hoje mesmo decorre, nesta cidade, e onde estamos de alma e coração com os trabalhadores e o povo de Lisboa e da margem sul, porque é necessário derrubar este governo destruidor de direitos essenciais e da vida dos portugueses.
E é necessário criar condições para que Portugal se veja livre de falsas e ilusórias soluções de nada e de coisa nenhuma.
Não há margem para enganos. Só se engana quem quer. Os que estão com a democracia e o 25 de Abril exigem um governo de independência e afirmação nacional, na libertação da exploração e do capitalismo europeu e mundial que nos afoga em juros e ordens, através de um governo servil e de gente que assina Pactos e depois finge que assobia para o lado de onde poderá vir novamente o poder que já usaram para destruir.
O 25 de Abril está aqui e está aí, nas ruas de Lisboa e do país, nos homens, mulheres e jovens que lutam por uma vitória que é urgente e é possível.
Assim todos saibamos construir a unidade necessária para a liberdade e um novo país que queremos e que merecemos.

Modesto Navarro/Escritor e vogal da Direcção da ACR




Intervenção de J.Varela Gomes


Trinta e seis anos de poder contra-revolucionário disfarçado de república democrática partidária, nos separam daquele clarão fugaz que foi a Revolução de Abril: a nossa Pátria recuperada, entrevista num relâmpago de sonhado futuro.

“Como chegámos a isto?”, é a pergunta sacramental com travo lamuriento, milhentas vezes lançada ao vento, deixando a questão em suspenso. Ora a verdade é que a esmagadora maioria dos que a formulam conhece bem e tem a perfeita consciência da resposta. Que é só uma, de lógica e manifesta evidência: Portugal e os portugueses foram conduzidos para o actual abismo de agonia e desesperança por obra e desgraça dos sucessivos governos/governantes contra-revolucionários da II República, desde o I Governo constitucional, em Abril 1976, do Partido Socialista presidido por Mário Soares.
Esta resposta/conclusão, “necessariamente verdadeira” (apodíctica), jamais pode ser aceite pela seita do “politicamente correcto” (a chamada, classe política) que, desgraçadamente, governa o País em proveito próprio, há quase 40 anos Entende-se a recusa. Seria ipso facto, reconhecer as sua culpa e responsabilidades na catastrófica situação “a que isto chegou”. Em desespero de causa caluniam a revolução libertadora de Abril, atribuindo-lhe a origem de todos os desastres e malfeitorias acontecidas nos subsequentes 36 anos. É caso para perguntar: Incluindo o actual milhão de desempregados? A venda/privatização dos bens e das empresas públicas? A abdicação da soberania nacional para uma tutela de capitalistas anónimos? (Quanto a vilanias e abusos, contas mil haverá).
Anote-se que esta gente concentra o seu ódio expiatório sobre o Processo Revolucionário de 1974-75. Para eles, o fascismo nunca existiu. Ou melhor ainda: está absolvido; dir-se-ia cooptado, a avaliar pela veneração que o actual regime dedica aos sobrevivos (Adriano Moreira/Veiga Simão, etc)) e aos defuntos próceres do “anterior regime”. São todos farinha do mesmo saco. A atitude veneradora confirma a identificação.
Para esta gente e seus comandatários a Revolução de Abril é anátema, um alvo permanente do ódio da classe reaccionária/ burguesa contra a classe trabalhadora. Eles não esquecem que o 25 de Abril representou –e ficou significando – a reconquista da dignidade e dos seus direitos espezinhados pelo regime fascista. Injuriar a revolução está dentro da lógica desforrista dos contra-revolucionários. A desvalorização menos ofensiva que usam é apelidá-la de loucura.
Pois que seja. Vamos então reivindicar a loucura da Revolução de Abril. Loucura que foi epifania, que foi epopeia, que foi paixão e esperança, rasgar de horizontes libertando mentes e medo; loucura que foi – e ficou sendo – interregno luminoso na apagada e vil tristeza da existência hodierna da Nação Portuguesa; que despertou o entusiasmo solidário e afectivo de multidões de homens e mulheres pelo mundo fora, saudando a coragem do desafio; loucura que fez tremer de cagaço as merdosas elites lusitanas, em súplica aterrorizada de uma salvadora intervenção estrangeira, na postura agachada dos traidores e dos cobardes.
Ora, em contraste flagrante com esses 500 dias de exaltação patriótica e alegria popular .... Qual é o saldo dos 36 anos que se seguiram, com a governação exclusiva – virtual ditadura – dos partidos contra-revolucionários? A resposta “necessariamente verdadeira” está à vista de todos, é sentida e sofrida pela vasta maioria da população. A classe no poder, no decurso de vinte governos consecutivos, conduziu o País à ruína económica e falência financeira, ao empobrecimento geral, o desemprego em massa, à ausência de perspectivas para a juventude e gerações vindouras; para a desmoralização da sociedade e a corrupção das consciências; para uma louca perseguição à classe trabalhadora, toda ela: funcionários públicos, assalariados por conta de outrém, pequenos empresários independentes, reformados e pensionistas, etc, etc. É a subversão do Estado, a perversão da democracia. Eles sim, eles são loucos, paranóicos, ensandecidos pelo poder. Por fim, negoceiam a soberania nacional com um trio de controleiros do capitalismo usurário. Eles são traidores; eles os vencedores de Novembro são arguidos em crimes de lesa-Pátria!
A República Contra-Revolucionária de maquilhagem democrática, percorreu - em menos anos que o fascismo salazarento - uma idêntica trajectória de repúdio popular, criando uma semelhante atmosfera de antagonismo social que, em termos de desespero no presente e desesperança pelo futuro, está ultrapassando os piores momentos vividos pelo Povo Português enquanto do pesadelo do fascismo salazarento.
Que enorme é o contraste com o tempo feliz da Revolução de Abril, a revolução da esperança atraiçoada!

Nas circunstâncias actuais, em que o governo burguês em funções prossegue uma política de perseguição e espoliação sobretudo contra a classe trabalhadora, mas atingindo também muitas outras faixas da população portuguesa, a “Associação Conquistas da Revolução - ACR”, na estrita observância do seu propósito estatutário, considera dever assinalar (comemorar) a passagem do 39º aniversário do 25 de Abril, evocando a obra patriótica levada a cabo durante o período revolucionário em prol das classes trabalhadoras e os sectores mais desafortunados da sociedade.
Nessa perspectiva a ACR convoca a memória, o exemplo e o legado de RAMIRO CORREIA

Para dar testemunho pelo Processo Revolucionário de 1974/5

Efectivamente convocar o exemplo, a memória e o legado de Ramiro Correia configura uma iniciativa que, a todos os títulos, se integra, nos objectivos estatutários da ACR; ou seja, sumariando: preservar, divulgar e promover os valores e ideais da Revolução de Abril e das conquistas sociais e populares então alcançadas.
A invocação/testemunho, em que hoje estamos aqui participando, acontece numa fase da história da humanidade dominada por um imperialismo capitalista agressor; o qual, em obediência a um sinistro programa ideológico global visa impor ao mundo um modelo de sociedade “contra-revolucionária”, onde a classe trabalhadora esteja condenada ao empobrecimento e à servidão sem direitos (adquiridos, ou por adquirir).
É, exactamente, esse programa/doutrina (neo-liberal/neo-conservadora) que está sendo implantado no nosso País (e noutros), executado submissamente pelos sucessivos governos constitucionais, sob tutela pessoal dum trio (troika) de agentes do grande capital especulativo estrangeiro.
A política de austeridade imposta pela troika ( roubalheira, lhe chama o povo trabalhador)), a privatização de sectores inteiros da economia e dos serviços públicos, o assalto e destruição do aparelho do Estado, etc, etc, estão suscitando um clamor de protestos e indignação, de repúdio e condenação. Ouve-se e vê-se por todo o lado, em todo o País.
Estamos portanto, perante uma singular oportunidade para agitar a bandeira das Conquistas da Revolução. Não só, como argumento contraditório da acção política de todos os 19 governos partidários contra-revolucionários (com destaque para o actual e o precedente); mas também, para condenar a sinistra doutrina neo-liberal a que se submeteram (e ao País) com intenções suspeitas, porventura configurando crimes de lesa-Pátria.
A ACR, nomeadamente a sua Direcção, mostrou estar atenta à oportunidade que o próximo aniversário do “25 de Abril” oferece para pôr em destaque, a “Alegria e Felicidade” dos 500 dias do Processo Revolucionário, em contraste flagrante com o sentimento de “Agonia e Desesperança”, que hoje domina Portugal e os portugueses. Após e em resultado, de 36 anos de governação contra-revolucionária onde imperou a incompetência, a corrupção e o ódio às classes trabalhadoras.
As iniciativas previstas, em Abril, segundo anunciado na Folha Informativa ACR de Março, abrem com a sessão pública que estamos realizando, aqui e agora, dia 13. O que também permite uma oportuna demarcação relativamente às solenes e hipócritas celebrações oficiais /oficiosas orquestradas, desde 1976, por uma classe política, inimiga ferrenha da Revolução; em especial das suas Conquistas .....que são, precisamente, o lema da nossa Associação.

Vivam as Conquistas da Revolução Abaixo os inimigos do Povo Trabalhador

Ramiro Correia foi um dos principais e mais conhecidos obreiros da grande construção colectiva e patriótica das Conquistas da Revolução. No campo militar, foi o criador de um dos projectos mais ambiciosos da Revolução Portuguesa de 1974-75: a “Dinamização Cultural/Acção Cívica”. No seu delineamento e execução empenhou-se revolucionariamente; isto é, de corpo e alma, de total entrega e dedicação. Foi um dos militares do MFA mais queridos e populares entre a gente de trabalho e de cultura A sua intervenções públicas em comícios, rádio, televisão eram aplaudidas como sinal de confiança e de esperança. A derrota sofrida pela Revoluçãoem 25.Nov.75 encontra naturalmente Ramiro Correia do lado da coerência, da dignidade, do socialismo. E desse lado se manteve, desde Maio de 1976, na República Popular de Moçambique, até à hora final em Agosto de 1977. Aí me coube o doloroso dever de evocar, em homenagem fúnebre, os passos fundamentais da sua vida ( não chegou a completar os 40 anos), perante o seu caixão, o de s/mulher e o do filho mais pequeno, vitimados por uma terrível tragédia em que transformou um passeio da família numa frágil embarcação. (Estava eu na RPM com estatuto de exilado político) .
Disse então:
“Subitamente, na clivagem do tempo”, (para utilizar o título de um teu poema), terminou a tua vida Ramiro. Em cenário de tragédia antiquíssima, solene, tão tremenda que jamais a emoção deixará o entendimento esquecer.
O teu exemplo, esse permanecerá herança do Povo Português, dos Povos do Mundo, legado precioso e fecundo de um HERÓI DO NOSSO TEMPO.
E nós nomearemos o tempo”, como tu nos exortas ao fechar o teu livro “MFA e LUTA de CLASSES” (Março 1976).
E assim será feito: pela Democracia - pelo Socialismo - pela Revolução de Abril e também pelo futuro que começaste

Porém, a louca corrida para o abismo da II República burguesa contra-revolucionária, afastou esse teu (nosso) sonho para data incerta. Em 2002, em cerimónia assinalando o quarto de século do acidente fatal onde perdeste a vida, houve oportunidade para nomear/qualificar a situação portuguesa e mundial que então se vivia, como “Tempo de Alerta e Angústia”.
Passados onze anos, aqui estamos nós – Portugal e os portugueses- vivendo um tempo ainda mais perigoso e sombrio.
O desânimo e a descrença alastraram para vários e novos sectores da sociedade, da chamada classe média. Por outro lado –e também por isso – a indignação, o repúdio e a revolta contra a políticas de rapina e austeridade, a espoliação dos mais desprotegidos , etc, atingiram novos níveis, mobilizaram novas vontades. Creio poder afirmar-se que uma situação pré-revolucionária está em gestação , aquele momento singular em que tudo pode acontecer.

Na presente situação político-social portuguesa, creio ser de compreensão geral que esta sessão pública organizada pela ACR , ao convocar o testemunho de Ramiro Correia, não pretendeu apenas enaltecer a sua personalidade ímpar e o extraordinário contributo que deu e legou para glória da Revolução de Abril. ´
Na realidade, estamos pedindo-lhe um duplo testemunho, dialecticamente interligado:
Testemunha de Defesa das Conquistas da Revolução. Tarefa cumprida, pela qual responde o seu passado patriótico e revolucionário, a consagração popular e pública, o registo histórico em centenas de documentos, livros etc, destacando os de sua autoria.
Testemunha de Acusação dos governos contra-revolucionários da II República, da inalterável orientação política de ódio à classe trabalhadora; em especial, uma política de “terra queimada” em relação a todas as Conquistas da Revolução. Uma política desforrista, mesquinha, malévola; um projecto deliberado de empobrecimento e de submissão ao império do capitalismo internacional. Como alguém sintetizou de forma (ainda mais) expressiva :-“Esta canalha está fazendo do amanhã uma ponte para ontem”- .

Caros Amigos e Camaradas,

Decerto contaríamos com a pronta aceitação de Ramiro Correia deste encargo (fictício/póstumo) para testemunhar em defesa das CONQUISTAS DA REVOLUÇÃO; agora, utilizando-as como arma acusatória do sinistro projecto político/ideológico em curso.
Para terminar, vamos invocar Ramiro Correia - a cuja memória esta sessão é dedicada - como um dos admiráveis obreiros das “Pontes para o Futuro”; que assim também podem ser chamadas as CONQUISTAS da REVOLUÇÃO.


J.Varela Gomes //Coronel ref.