Intervenção do Presidente da Assembleia Geral na Sessão Solene comemorativa do centenário do nascimento do General Vasco Gonçalves

Realizada em 9 de Maio de 2021 no salão nobre da Voz do Operário

Intervenção de Manuel Begonha

Estamos hoje a comemorar o centenário do nascimento do General Vasco Gonçalves.

 

Este general de quem vamos a seguir ouvir falar, soube mobilizar e ganhar a confiança de um povo, porque não sendo um homem providencial, era excecional, na sua forma de se exprimir, na sua postura, na sua simplicidade.

 

E a honestidade combinava nele bem com a firmeza de carácter.

 

Vasco Gonçalves era um homem de Lisboa, nascido no bairro da Graça.

Debaixo de uma capa de timidez, era capaz de transformar certas assembleias do MFA, que se arrastavam em discussões em que não parecia haver consensos, num verdadeiro incêndio.

Tomava a palavra, empolgava-nos a todos e os problemas resolviam-se sem ressentimentos da parte de ninguém, tal era a autenticidade e a luminosidades da sua oratória.

E isto aconteceu em muitas das intervenções públicas que realizou.

 

Tem portanto razão Alice Vieira, um dos muitos poetas que Vasco Gonçalves inspirou, que nas frases finais de um seu belo texto/poema, tão bem o caracterizou: “Punha os óculos, tirava do bolso o papel do discurso que tinha feito, começava a ler. Por alguns minutos. Porque logo de seguida o víamos a guardar o discurso, a tirar os óculos e a falar como só ele sabia. E tudo, tudo ardia.”

 

Na verdade, Vasco Gonçalves não se deixava iludir pelos sonhos. O futuro que queria para Portugal, era fundamentado numa reflexão profunda e num vasto conhecimento político e social.

 

Sempre manifestou interesse em conhecer revolucionários e intelectuais que de algum modo tivesse sido relevantes em acontecimentos históricos.

Recebeu muitos deles em sua casa, pois era muito respeitado e admirado. Parecia que na sua permuta de opiniões queria confirmar as suas convicções.

Gostava de discutir o que lia e induzir nos outros um pensamento criativo.

 

Partilhava com muita gente o que escrevia não porque se sentisse inseguro, mas porque gostava de ouvir a opinião dos outros e também dos mais jovens, fazendo-nos acreditar que prezava as nossas intervenções, porque sabia quanto devia aos seus mestres.

 

Era reconhecido nacional e internacionalmente como um revolucionário ligado à cultura e ao humanismo.

Tal como José Martí, acreditava que um povo deveria “ser culto para ser mais livre” e apoiou as campanhas de dinamização cultural do MFA.

 

Numa intervenção no Sabugo disse:

“Nós não vimos aqui com intuitos paternalistas. Não vimos trazer-vos a verdade e a solução dos vossos problemas. Vimos aqui aprender convosco. É no contacto directo com as populações que as F. A. avaliam das suas necessidades concretas.”

 

Como homem isento e íntegro que era, lutou com determinação para criar algo diferente e motivar o país para a mudança.

Contudo, nunca julgando que o Homem se modificasse ou que a Revolução se consolidaria com as palavras e sem os actos, que seria o mesmo que conseguir uma vitória sem batalha.

Foi mordido com uma crueldade inusitada, pelo despeito, intolerância, hipocrisia e traição.

Mas não vacilou, nem perdeu a dignidade.

 

Perante tais afrontas limitou-se a dizer:

“Essa gente é o que é eu sou um homem do MFA”

E adiante

“Para mim moral e política vão de par, não se podem dissociar.”

 

Dedicou-se a erradicar o elevado grau de pobreza, de ignorância e de injustiça existente no país, demonstrando um alto sentido de governação e dedicação ao povo, defendendo sempre a soberania nacional.

 

No estrangeiro, em representação de Portugal insistiu sempre em discursar em Português.

Perante políticos que lhe eram adversos nunca se intimidou e defendeu com pundonor a revolução portuguesa. Gerald Ford, presidente dos E.U.A considerou-o um interlocutor difícil.

Henry Kissinger que não o apreciava especialmente, temia-o por saber que Vasco Gonçalves seria capaz de levar o país por uma via de transição para o Socialismo, por ser amado e respeitado pelo povo.

 

Esteve na Guerra Colonial e nas suas comissões de serviço, protegeu sempre os seus subordinados, mesmo em situações em que sabia que eram perseguidos pela PIDE.

 

Valorizava os seus soldados como irmãos de armas e no comando direto nunca perdeu a responsabilidade, nem permitiu que os que lhe obedeciam esquecessem a dignidade.

Queria trazê-los vivos para casa.

 

Com o Povo e o M.F.A. unidos, foi o grande impulsionador e o símbolo da Revolução nos 4 Governos Provisórios a que presidiu.

 

Se hoje temos uma Constituição progressista, em grande parte a ele o devemos.

Lutou em muitas frentes, tendo sido desinteressadamente valioso para todos nós.

 

Não quero deixar de referir Aida Gonçalves, sua mulher, que sempre esteva seu lado, ajudando-o e incentivando-o.

 

Foi também, pelo seu exemplo, um valioso contributo para emancipação e conquista de direitos das mulheres em Portugal.

 

Agora que estou quase a terminar, devo recordar que Vasco Gonçalves nunca admitiu que a luta de classes pudesse evoluir para que um grupo de eleitos acedesse a um nível tal de bem estar que lhes permitiria viver sem má consciência.

 

Diz-se que não há homens insubstituíveis. Talvez.

Mas existem alguns que nos inspiram para seguir a seu lado e afirmar como Abraham Lincoln:

“Cabe-nos a nós os vivos, comprometer-nos a levar a cabo a obra inacabada de quem lutou e que com tanta nobreza a fez avançar.”

 

No espectáculo que iremos ver, vamos recordar Vasco Gonçalves, preservar a sua memória e manifestar-lhe a nossa gratidão e reconhecimento.

 

Desta forma, ficaremos todos nós honrados.

 

Viva Vasco Gonçalves.