As Nacionalizações e o Programa Nacional de Emprego
CONSELHO DE MINISTROS (15 de Abril de 1975)
«O Conselho de Ministros reuniu em sessão plenária em 15-4-75, tendo aprovado um conjunto de programas decorrentes das grandes linhas políticas adoptadas pelo Conselho da Revolução.
«Assim, foram aprovadas as bases gerais de um Programa Nacional de Emprego visando o máximo aproveitamento dos recursos humanos disponíveis, através de redução ao mínimo da tendência à redução de postos de trabalho de eficácia económica e social, no quadro geral de uma economia de transição para o socialismo; criação de postos de trabalho produtivos e remunerados, através de projectos e acções com eficácia económica e social; acções visando a reconversão e formação profissionais de recursos humanos nacionais; acções destinadas a amortecer a pressão da procura de emprego.
«Foi, em seguida, aprovada uma política de preços tendo por objectivos principais, por um lado, garantir o poder de compra das classes trabalhadoras, e por outro lado aumentar os rendimentos dos pequenos e médios agricultores. Nesta base garante-se a estabilização dos preços dos bens essenciais, em especial os alimentares, sendo congelados até ao fim do ano os preços de uma série de produtos entre os quais se destacam, para já: pão, carne, leite, açúcar, azeite e hortaliças. Prevê-se a redução do preço do óleo de amendoim, bem como da manteiga. Outros produtos essenciais, como sejam o peixe, vinho, fruta e hortaliças, estão a ser objecto de análise, dependendo a estabilização do seu preço do saneamento dos respectivos canais de distribuição, nomeadamente através da actuação das empresas públicas a criar nestes sectores. Relativamente ao aumento dos rendimentos dos pequenos e médios agricultores, foi decidido aumentar imediatamente o preço do leite ao produtor para 6$40/litro e 5$20/litro, conforme seja da qualidade A ou B; aumentar imediatamente o preço
1 As medidas de nacionalização aqui previstas foram sendo concretizadas legislativamente nos meses subsequentes, pêlos decretos-leis 206-A/75, de 15 de Abril (Sacor, Petrosul, Sonap e Cidla), 205-B/75, de 15 de Abril (C. P.). 205-C/75, de 15 de Abril (Companhia Nacional de Navegação), 206-D/75, de 15 de Abril (Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos), 205-E/75, de 15 de Abril (T. A. P.), 2G5-F/75, de 16 de Abril (Siderurgia Nacional), 206-G/75. De 15 de Abril (empresas produtoras, transportadoras e distribuidoras de electricidade), 221-A/75, de 9 de Maio (cimentos), 221-B/75, de 9 de Maio (celulose).
Da carne de bovino ao produtor, em cerca de 10 por cento; aumentar, na próxima colheita o preço mínimo de garantia do milho para 4$00/quilo, acrescido de um subsídio de 1$00/quilo entregue no Instituto dos Cereais perfazendo um total de 5$00 por quilo ao produtor. Salienta-se que estes aumentos de preço não terão reflexos no consumidor.
«Foi seguidamente considerado o programa de controlo dos sectores básicos da Indústria e Energia, tendo sido aprovadas as seguintes medidas: nacionalização da produção de electricidade e da sua distribuição em alta-tensão, simultaneamente com disposições de controlo da distribuição em baixa-tensão e sua posterior nacionalização; nacionalização das empresas nacionais de refinação e distribuição de petróleo, bem como do capital nacional da empresa transportadora de petróleo em bruto (Soponata); nacionalização da Siderurgia Nacional, S. A. R. L.; estudo e subsequente aplicação das medidas de controlo, incluindo a nacionalização, quando apropriada, dos principais jazigos de minério e das indústrias de tabacos, cerveja, celulose, adubos, produtos sódicos e clorados, petroquímica, cimentos, metalomecânicos pesados, construção naval e farmacêutica, esta última em conjugação com a aplicação de medidas a cargo do Ministério dos Assuntos Sociais, do Ministério do Comércio Externo e das Forças Armadas; exame crítico da política de concessões de prospecção no «on-shore» e «off-shore» e reforço da capacidade de fiscalização e avaliação da aplicação dos contratos em vigor ou que venham a ser celebrados, continuando o Estado Português a honrar integralmente todos os compromissos decorrentes de contratos anteriormente celebrados com empresas estrangeiras, sem prejuízo das eventuais revisões a esses contratos, a efectuar por acordo entre as partes, após negociações.
«Foram igualmente aprovadas medidas a curto e médio prazo no sector dos transportes e comunicações, designadamente: nacionalização, reestruturação e recuperação dos grandes operadores de transporte ferroviário, rodoviário, aéreo e marítimo, e de comunicações - C. P., C. N. N., C. T. M., T. A. P.; nacionalização, reestruturação e recuperação dos operadores de transportes de massa urbanos e suburbanos, nas áreas metropolitanas de Lisboa e Porto; formação de cooperativas e de comunidades de transporte em torno dos pólos regionais de desenvolvimento; melhoria radical dos sistemas de transporte colectivo em prioridade sobre o transporte privado; revisão dos padrões de segurança e dos níveis de qualidade de serviço; estabelecimento de normas de informação ao público por forma a promover a utilização racional dos meios de transporte disponíveis; promulgação da legislação adequada, assegurando a articulação dos diversos participantes - Municípios, órgãos de gestão, utentes e trabalhadores do sector, sob a égide do Ministério dos Transportes e Comunicações; estabelecimento de um fundo único de financiamento do sector de transportes e comunicações, podendo abranger as indústrias construtoras e reparadora; criação do Gabinete de Planeamento de Transportes e Comunicações na dependência directa do Gabinete do Ministro e integrando os órgãos para o conjunto de intervenções indispensáveis à recuperação e reestruturação do sector.
«Foram seguidamente aprovadas medidas no quadro da reforma agrária, e que obedecem a duas grandes directrizes: uma de apoio aos pequenos e médios agricultores; outra visando resolver a grave questão da propriedade e da exploração da terra no Sul do País. Assim, serão constituídas equipas fixas de técnicos do Ministério, actuando ao nível de concelho ou grupos de concelhos, equipas que se querem o embrião do futuro Serviço Nacional de Extensão Agrária. As primeiras equipas seguirão para o campo dentro de poucos dias, instalando-se nos distritos de Aveiro, Porto, Braga e Viana do Castelo.
«No que respeita à intervenção a levar a cabo ao Sul, vai o Governo publicar legislação com os objectivos seguintes: intervenção nos prédios rústicos que, no todo ou em parte, se situem nos perímetros dos aproveitamentos hidroagrícolas levados a efeito com investimentos públicos, pertencentes a indivíduos ou sociedades que sejam proprietários, no conjunto dos perímetros, de uma área superior a 50 hectares de terra, ajustável tendo em conta as diferenças de rendimento de vários perímetros; garantia de propriedade a favor dos atingidos pelas medidas de intervenção de uma área de 50 hectares; expropriação das propriedades de sequeiro de área superior a 500 hectares de terra média, ajustável em função do rendimento, com garantia de propriedade a favor dos expropriados de uma área de 500 hectares; expropriação de propriedades rústicas irrigadas, da área superior a 50 hectares, ajustável em função do rendimento, com garantia de propriedade a favor dos expropriados de uma área de 50 hectares.
«Outras medidas se impõem também desde já:
«Serão extintas as coutadas e adoptadas medidas de ordenamento cinegético; será publicada legislação definindo inegibilidade, com vista ao saneamento imediato dos corpos gerentes das cooperativas; o Estado intervirá nas cooperativas de transformação onde se encontrem investidos vultosos capitais públicos e com diminuta participação do capital social no montante global dos investimentos, de modo a garantir o pleno aproveitamento dos equipamentos, coordenando a produção das diferentes unidades e promovendo uma gestão eficaz.
«Serão lançadas, enfim, duas campanhas:
«A primeira será uma campanha contra as bruceloses, sendo indemnizados os proprietários dos animais cujo abate se imponha; a segunda é uma campanha de promoção da produção de cereais forrageiros, em especial de milho, visando reduzir a nossa dependência do exterior quanto a estes produtos. Esta campanha tem como objectivo um incremento significativo da produção anual. Será realizada em especial nas zonas de minifúndio e integrará acções para melhoria técnica das explorações e apoio ao associativismo agrícola.
«Após apreciação destes programas, o Conselho de Ministros aprovou uma proposta apresentada pelo ministro dos Transportes e Comunicações no sentido de ser revisto o montante disponível para aumentos de salários, anteriormente fixado pelo Governo.
«Finalmente o Governo considerou uma proposta de reestruturação apresentada pela administração dos C.T.T.-T.L.P., deliberando não ser de pronunciar-se sobre ela dado que não fora previamente discutida entre a administração e os trabalhadores.
1 As medidas de nacionalização aqui previstas foram sendo concretizadas legislativamente nos meses subsequentes, pelos decretos-leis 206-A/75, de 15 de Abril (Sacor, Petrosul, Sonap e Cidla), 205-B/75, de 15 de Abril (C. P.). 205-C/75, de 15 de Abril (Companhia Nacional de Navegação), 206-D/75, de 15 de Abril (Companhia Portuguesa de Transportes Marítimos), 205-E/75, de 15 de Abril (T. A. P.), 2G5-F/75, de 16 de Abril (Siderurgia Nacional), 206-G/75. de 15 de Abril (empresas produtoras, transportadoras e distribuidoras de electricidade), 221-A/75, de 9 de Maio (cimentos), 221-B/75, de 9 de Maio (celulose).
VASCO GONÇALVES:
«O Conselho da Revolução apreciou a situação da economia, na actual fase do processo revolucionário português, verificando, designadamente, a deficiente utilização da capacidade produtiva do País, em recursos humanos e materiais, acompanhada da redução do nível de investimento, o crescente desequilíbrio da balança de pagamentos e a persistência da pressão inflacionista, embora em atenuação nos últimos meses. Tal situação é consequência natural do desenvolvimento de um processo revolucionário, que tem vindo a desmantelar o poder do capital monopolista, agravado pela reacção dos seus detentores, que a todo o custo têm tentado Impedir a perda dos seus privilégios. Vivemos, assim, uma crise, largamente resultante, não só da herança das estruturas económicas do fascismo e colonialismo, como da desagregação do sistema capitalista em Portugal.
É agora necessário e imperioso reconstruir a economia, por uma via de transição para o socialismo; está em causa consolidar os primeiros passos concretos da nossa Revolução Socialista e realizar novos avanços nessa direcção, atendendo a dois objectivos primordiais:
- Garantir a independência nacional, no arranque para um socialismo verdadeiramente português, evitando situações extremas de crise económica, que nos coloquem em reforçadas e delicadas dependências externas;
- Identificar a dinâmica da classe trabalhadora com o projecto de construção do socialismo.
«O Conselho da Revolução analisou os trabalhos em curso, no âmbito do conselho económico, relativos à preparação dos programas de medidas económicas de emergência, tendo definido as seguintes orientações gerais:
a) É necessário que os trabalhadores sintam que a economia já não lhes é estranha, ou seja, que a construção socialista da economia é tarefa deles e para eles. Isto implica a afirmação clara do princípio do controle organizado da produção, pêlos pelos trabalhadores, para objectivos de produção e eficiência, coordenados pelos órgãos centrais de planeamento, segundo esquemas a definir com brevidade.
b) É indispensável estabelecer uma limitação dos consumos a partir do princípio de máximo nacional de rendimento disponível, extensível aos titulares de todos os rendimentos e não apenas ao trabalho por conta de outrem.
c) Igualmente se torna indispensável garantir a contenção dos preços de bens essenciais, sobretudo alimentares.
d) Deverão ser completados os passos já dados no sentido da nacionalização dos sectores básicos de actividade económica (indústria, transportes e comunicações).
e) Deverá ser aplicado um programa progressivo de reforma agrária, integrado num todo coerente de medidas de política económica. Verificadas as condições anteriores, será legítimo fazer apelo à mobilização dos trabalhadores para o emprego produtivo, mobilização necessária à construção da sociedade desejada pelo Povo Português.
«Na realidade, esta sociedade, que todos nós desejamos construir, tem que ser, antes de mais, obra do Povo Português. Pensamos que, ao tomar as medidas que hoje acabámos de tomar, damos mais um passo irreversível e inequívoco no sentido dos objectivos que nos animam. Estes factos devem ser profundamente meditados pelas classes trabalhadoras, porque as condições que se põem aos trabalhadores, em matéria de relações económicas, de relações com o Estado, de relações de trabalho, são hoje diferentes daquelas que se punham antes do 11 de Março. Os passos que o Governo Provisório e o Conselho da Revolução têm dado, mostram, inequivocamente, o sentido em que queremos encaminhar a nossa Revolução. Nós queremos consolidar a democracia em Portugal e, por uma via de transição, passar ao socialismo, que é o nosso objectivo a longo prazo, o nosso objectivo último. Mas a construção do socialismo e o percurso por essa via de transição, que é cheia de escolhos e dificuldades e de luta quotidiana, em todos os momentos e em todas as horas, não é possível sem que os trabalhadores estejam nisso sincera e conscientemente empenhados. Essa obra de construção, será obra deles e não só deles como das outras camadas da população portuguesa, interessadas no progresso da sua pátria. Isso impõe aos trabalhadores que meditem sobre os objectivos imediatos e a prazo, das suas lutas, que estreitem as suas relações e a sua confiança no Governo Provisório e com o Movimento das Forças Armadas, se mais é possível estreitar-se essa relação Povo - M. F. A. Nós pensamos que estamos a caminhar, pela via do futuro, pela via do progresso da nossa pátria, pela via do progresso político, económico e social, pela via da liberdade, da verdadeira conquista da liberdade. É por isso que hoje foi dado o relevo às decisões que tomou o Governo Provisório. Nós pensamos que todo o Povo Português deve meditar bem nestas decisões que estão na construção de outras, que tomámos logo após o 11 de Março. Procuramos, quotidianamente, pôr em prática os objectivos que nos propusemos ao desencadear a Revolução do 25 de Abril. As pessoas serão julgadas por aquilo que fazem e não pelas suas palavras.
«Penso, pois, que as decisões hoje tomadas são actos pelos quais o Governo Provisório e o Conselho da Revolução devem ser julgados pelo Povo Português.»