O “28 de Setembro” ou o Golpe reacionário da Maioria Silenciosa de Spínola
Marques Pinto
Vogal da Direcção
Passam hoje 46 anos sobre a data que todos os que viveram o 25 de Abril de 1974 recordam como o primeiro sobressalto sério para a recém-nascida democracia com apenas 5 meses de idade.
Na realidade, para quem tinha maior conhecimento e alguma experiencia politica, sabia que a Revolução nascida do golpe de estado militar, tinha criado logo no dia 26 de Abril, quer internamente quer no exterior algumas frentes de resistência, de características diversas consoante as áreas politicas e financeiras que se sentiram mais ameaçadas pela queda do regime ditatorial fascista ou simplesmente por convicções pessoais de caracter e da formação fascizante que um regime de 48 anos necessariamente havia criado, alimentado e imposto tanto na Metrópole como nas Colónias Portuguesas.
Não podemos nem devemos minimizar o papel e atitude do General Spínola, que desde as vésperas do golpe – antes da madrugada libertadora - havia preparado e encenado com a colaboração de elementos civis (1) a sua teatral aparição no Quartel do Carmo para “receber” o “poder” de quem já estava preso mas aguardava a já prometida “visita de rendição” do tão considerado chefe militar que menos de 10 meses antes havia abandonado a Guiné por considerar uma guerra perdida.
Na realidade a “contrarrevolução ainda bem disfarçada” instalou-se em Belém em 28 de Abril de 1974.
Não cabe aqui enumerar as diversas tentativas e manobras políticas e de muitos militares de altas patentes que das maneiras mais diversas e encapotadas iam tentando minar e destruir a jovem revolução. Basta ler os jornais da época – manif preparada para o 10 de Junho, “oferta” de aumentos salariais por algumas grandes empresas - e sobretudo os “artigos de opinião” nos pequenos e inúmeros pasquins que floresceram nessa época apoiados por fundos das mais diversas origens.
Claro que quando em Agosto surge um 2º Governo Provisório que pela primeira vez ao fim de 4 meses de revolução merece o crédito do MFA e da população progressista, a contestação dos contra-revolucionários surge com mais violência quer em termos de panfletos quer em termos de acções violentas como os ataques a locais de encontro de progressistas e mesmo a sedes partidárias e ataques individuais violentos e até agressões com arma branca.
Curiosamente o PR Spínola não critica nem condena formalmente tais actos de puro banditismo e quando interrogado chegou a dizer que a população tem o direito a manifestar-se pois “estamos agora em democracia” como se a violência fosse um tipo de manifestação a tolerar.
Claro que este tipo de permissividade não é mais que um incentivo aos contrarrevolucionários que depois de uma reunião em Lisboa com o próprio Presidente, fazem o seu primeiro grande ensaio em Moçambique - 8 de Setembro 74 - onde se tivessem saído vitoriosos permitiriam ao PR Spinola parar todas as conversações com vista ao fim da guerra nas colónias.
Embora com uma grande perda de vidas humanas, a tentativa de golpe de Moçambique em que Spinola acreditava, falhou e com isso em Angola a incipiente organização contrarrevolucionária foi também rapidamente travada e o Alm. Rosa Coutinho convidou os 4 principais organizadores para o seu gabinete onde lhes comunicou pessoalmente que conhecia todos os seus planos, bem como do “complot” arranjado entre Mobutu e Spinola no celebre encontro “secreto” em que Spinola dava carta branca para que as “tropas da FNLA apoiadas pelo exercito Zairense” pudessem invadir o norte de Angola e que as forças militares Portuguesas sob o seu comando não permitiriam qualquer acto provocatório e violento ás populações civis, vindo donde viesse.
Apesar de tudo, na Guiné que era considerado o território onde a guerrilha em Abril já dominava uma grande parte do terreno, o General Fabião nomeado em Maio de 74 e o seu gabinete constituído por militares progressistas e da sua confiança já se tinha iniciado um “entendimento não oficializado” respeitado pelos dois lados e as actividades bélicas haviam cessado por completo.
Em Portugal em que as organizações e associações partidárias de carácter abertamente fascista ou filo-fascista tinham começado a proliferar, com o 2º Governo Provisório algumas delas são encerradas e outras convidadas a não se constituírem oficialmente, mas os apoios nacionais e estrangeiros de toda a ordem e origens – até mesmo de organizações e serviços de Governos estrangeiros - choviam e tal facto era um incentivo para muitos grupos continuarem, pois só assim justificavam as elevadas verbas recebidas em Dolares, Francos, Pesetas, Marcos, etc . e...que nem “recibos” se exigiam.
Assim e com o alto patrocínio de Spínola e dos diversos grupos económicos, empresas e bancos nacionais e organizações estrangeiras com quem mantinha ligações directas ou através de membros civis e militares da sua “organização”, muitos deles seus servidores fieis desde a Guiné, chegou-se á tão esperada e anunciada Manifestação da Maioria Silenciosa cujo patrocínio era mesmo anunciado publicamente como sendo o grande apoio que Spinola esperava para iniciar o desmantelamento do MFA e ainda ir a tempo de uma nova reunião com Mobutu para acertarem “melhor” o problema de Angola, pois Moçambique seria mais fácil com o celebre Acordo “Alcora” ainda em “banho Maria”.
Pois bem se a teatral assobiadela e gritaria encenada na Praça de touros do Campo Pequeno havia criado uma espectativa na burguesia e alta sociedade lá presente, a desilusão da “derrota sofrida” na noite e manhã de 28 de Setembro foi a maior vergonha para Spínola.
Ver a maciça presença popular nas ruas e estradas colaborando e ajudando as forças militares na deteção e captura de armas que muitos carros civis estavam a tentar trazer para a tal manifestação a realizar frente a Belém na Praça do Império e cujo vergonhoso falhanço foi o que levou á sua renúncia á presidência entregando o cargo ao General Costa Gomes
Contudo já no seu grupo se preparava a formação, obtenção de fundos e organização de outro tipo de actividade contrarrevolucionária que levaria ao golpe frustrado de 11 de Março e tantos assassínios e actos de destruição bombista que mesmo depois do golpe de 25 de Novembro de 75 se prolongaram durante dois anos
(nota 1) – Soube-se mais tarde que dois elementos civis estiveram toda a manhã e na tarde de 25 de Abril, no Grémio Literário onde por via telefónica iam mantendo Marcelo Caetano “irredutível” na sua entrega e rendição a Salgueiro Maia, esperando pela já prometida chegada em trajo de gala do General Spínola...e assim garantindo que o ex-trabalhador “avençado” por largos anos do Sr Champalimaud ficasse com os louros de surgir como 1º figura da Revolução dos Capitães, com um pequeno passeio de sua casa ao Quartel do Carmo.