Congresso "Conquistas da Revolução" - Intervenção de Nuno Lopes, membro da direcção da ACR


Painel 1

O regime fascista; 48 anos de exploração e repressão; 48 anos de resistência

A ditadura fascista oprimiu Portugal durante 48 anos. Teve como base a liquidação das liberdades mais elementares e a mais feroz repressão. O fascismo português é caracterizado como o governo terrorista dos monopólios, dos grupos financeiros e dos agrários, associados ao imperialismo estrangeiro.

Podemos dividir a ditadura fascista em dois períodos:
a Ditadura Militar entre 1926 e 1933, que suspende as garantias consignadas na Constituição Portuguesa de 1911, acabando todas as organizações e movimentos políticos. Alguns, como o Partido Comunista Português ou o movimento anarcossindicalista da Confederação Geral do Trabalho passaram à clandestinidade;
e a Ditadura Fascista entre 1933 e 1974, autoritária, conservadora, nacionalista, corporativista, tradicionalista, antiliberal, antiparlamentarista, anticomunista e colonialista. Assentando no culto do Chefe, Salazar era apresentado como um chefe paternal, austero, "casado com a Nação", "ungido de Deus", o "salvador da Pátria" ou o "redentor da Nação".

É necessário, no momento em que se assiste a uma enorme campanha de falsificação da história e ao branqueamento do fascismo, falar dos 48 anos que muitos pretendem desculpabilizar ou amaciar, falar da ditadura que se impôs e sobreviveu pelo medo.
É necessário falar da PIDE, da Legião Portuguesa, da Mocidade Portuguesa, da censura, do Secretariado de Propaganda Nacional, do Tribunal Militar Especial ou dos Tribunais Plenários.

Nos 48 anos de fascismo, a polícia política PVDE/PIDE/DGS reuniu um brutal aparelho repressivo e de informações do foro pessoal de cada cidadão português que permitiu reunir nos seus Arquivos Centrais um total de cerca de 6 milhões de fichas informativas, para além de 29 510 processos individuais que registaram as informações relativas aos presos políticos propriamente ditos. Todo este sistema estava ancorado, designadamente, numa rede nacional de cerca de 20 000 informadores. A PIDE utilizava como métodos a tortura muitas vezes até à morte como no caso de Germano Vidigal, o assassínio como no caso de Catarina Eufémia, Alfredo Dinis, Militão Ribeiro, José Dias Coelho, o General Humberto Delgado, Cândido Capilé, José Adelino dos Santos entre tantos outros.

Não podemos esquecer o aparelho prisional fascista, com a Fortaleza de São João Batista em Angra do Heroísmo, com a Puterna, um buraco com oito metros de profundidade onde, em pleno Verão, escorria água na escadaria, no Calejão, que tinha sido interdito para a estadia de cavalos por não ter condições para tal, mas passou a ter para guardar presos, o Forte de Peniche, Caxias, a Penitenciaria de Lisboa, o Aljube, a prisão na sede da PIDE no Porto.

Permitam-me destacar o Campo de Concentração do Tarrafal, criado em 1936, inspirado nos campos de concentração nazis, que por essa altura surgiam por toda a Alemanha. Em 29 de Outubro de 1936 chegam ao Tarrafal, na ilha de Santiago, Cabo Verde, a bordo do navio “Luanda”, os primeiros 152 presos políticos entre os quais Bento Gonçalves, secretário-geral do PCP e Mário Castelhano, dirigente da CGT, entre outros destacados antifascistas. Encontravam-se também neste grupo muitos dos participantes nas greves do 18 de Janeiro de 1934 e os marinheiros da revolta de 8 de Setembro de 1936 que ocuparam os navios de guerra “Afonso de Albuquerque”, “Bartolomeu Dias” e “Dão”, revolta esta fortemente reprimida pela ditadura fascista e que vitimou 10 marinheiros e condenou outros 60 a uma soma de mais de 600 anos de cadeia.

Como Pedro Soares refere no seu livro “Tarrafal, Campo da Morte Lenta”, os presos políticos eram condenados a um processo de morte lenta, maus tratos (entre os quais a frigideira), má alimentação, falta de tratamento médico principalmente tendo em conta as doenças tropicais (a biliosa, fase final do paludismo crónico, vitimou, entre outros, Bento Gonçalves em 11 de Setembro de 1942) e o clima (uma das mais inóspitas zonas de Cabo Verde).

As mortes dos antifascistas foram premeditadas, tão nítido era o intuito que o então director do campo afirmava “Quem vem para o Tarrafal vem para morrer”.
O tempo de prisão dos 340 presos políticos que passaram pelo Tarrafal somou dois mil anos, onze meses e cinco dias, muitos deles sem terem sido julgados.
Em 1953, Francisco Miguel Duarte, militante do PCP foi transferido do Tarrafal para o Forte de Caxias, sendo o último preso político português a sair do Tarrafal. Em 26 de Janeiro de 1954 é encerrado o Campo de Concentração do Tarrafal, após aí terem sido assassinados 32 antifascistas.

Em 1966 é reaberto o Campo de Concentração do Tarrafal, com o objectivo de encarcerar os mais destacados membros dos movimentos de libertação nacional.
A censura prévia às publicações, às emissões de rádio e de televisão, ao teatro e ao cinema, tinham o objectivo de defender a ideologia do governo fascista, com o argumento de defender "a moral e os bons costumes".

Grande foi a repressão, mas enorme foi a luta e resistência ao fascismo, desde o republicanismo reviralhista, passando pelo movimento anarco-sindicalista e pelos militantes comunistas, para além de muitos democratas, todos os lutadores antifascistas deram o seu contributo para que o povo português nunca deixasse de lutar. Desde as revoltas militares no seio das Forças Armadas contra a Ditadura Militar (1926-1933) onde participaram civis até ao 25 de Abril de 1974.

A luta dos trabalhadores e do povo foi sempre uma característica deste período.
Destaco:
- A Revolta de Fevereiro de 1927, que ocorreu entre 3 e 9 de Fevereiro de 1927, tendo terminado com a rendição e prisão dos revoltosos e saldou-se em cerca de 80 mortos e 360 feridos no Porto e mais de 70 mortos e 400 feridos em Lisboa;
- O 18 de Janeiro de 1934, com o apelo à «Frente Única Sindical», em diferentes pontos do país, sob a forma de acções de esclarecimento, manifestações de rua, acções de sabotagem, paralisações e greves em numerosas empresas, greves gerais em Almada, Silves e Marinha Grande, dezenas de milhar de trabalhadores manifestaram inequivocamente o seu repúdio à fascização dos sindicatos e à política da ditadura;
- A Revolta dos Marinheiros a 8 de Setembro de 1936, com a ocupação do “Afonso de Albuquerque”, “Bartolomeu Dias” e “Dão”, que tinha por objectivo a satisfação de direitos, o fim das perseguições e a libertação dos presos;
- As greves operárias na Covilhã em 1941;
- A greve dos trabalhadores da Carris de 1942, e que alastra a todo o país;
- As lutas e grandes greves de 1943, por melhores salários, na região de Lisboa, margem sul do Tejo, São João da Madeira, Alentejo e Norte;
- Marchas da fome em várias localidades do país contra a falta de géneros;
- O movimento grevista de 8-9 de Maio de 1944, em protesto contra a escassez de bens e racionamento do pão;
- As manifestações de regozijo pelo fim da Segunda Guerra Mundial;
- As manifestações de 31 de Janeiro de 1946 em Lisboa e no Porto que exigem o fim da ditadura;
- As comemorações do 1.º aniversário do fim da guerra, onde é exigida a realização de eleições livres e o fim da ditadura;
- A comemoração do dia do estudante em Lisboa e no Porto e os protestos organizados por estudantes da Academia de Lisboa em 1947;
- As greves por aumentos salariais em 1956;
- Em 1962 - a crise académica, após a proibição das comemorações do Dia do Estudante, as comemorações do 1º de Maio, com destaque para Lisboa, onde saíram à rua cem mil manifestantes, e a vitória da luta do proletariado agrícola do Alentejo e Ribatejo que viria a impor o horário das 8 horas de trabalho diário nos campos do Sul e do Ribatejo;
- A “greve da mala” na Carris em 1967;
- Em 1969 - mais de 70 mil trabalhadores estiveram em luta nos primeiros 45 dias do ano na região de Lisboa, margem Sul e Baixo Alentejo, a Academia de Lisboa decreta luto académico;
- 40 mil pessoas manifestam-se no Porto contra o aumento do custo de vida, em 1972;
- As greves de Outubro/Novembro de 1973;
- A greve geral de 4 de Fevereiro de 1974, na Universidade de Lisboa contra a guerra colonial, entre tantas outras lutas.

Foram vários os movimentos de unidade antifascista.
A Frente Popular foi criada em Portugal em 1936, congregando o PCP, a FJCP, o Socorro Vermelho Internacional, a franco-maçonaria, o Partido Socialista Português, a Aliança Republicana, a Liga Antifascista, os Sindicatos Autónomos, o Bloco Antifascista dos Estudantes e a AAA (Antifascistas, Antimilitaristas, Anticlericais). Tinha como objectivo «derrubar o fascismo e criar um governo democrático-popular provisório que esmague o fascismo, solucione os problemas sociais prementes e convoque eleições gerais».

Em Dezembro de 1943 é criado na clandestinidade o Conselho Nacional de Unidade Anti-Fascista. Num "Comunicado ao Povo Português", o Conselho declarou ser objectivo do Movimento de Unidade Nacional Anti-Fascista (MUNAF) a instauração de um governo em que estivessem representadas todas as correntes da oposição e que desse ao povo português "a possibilidade de escolher, em eleições verdadeiramente livres, os seus governantes".

O Conselho Nacional, que teve como Presidente Norton de Matos e contou na sua composição mais de 40 membros, conseguiu unir à sua volta praticamente todos os sectores da oposição antifascista, esteve aberto a grupos militares e a correntes católicas e formou Comités de Unidade Nacional por todo o país.
Com o fim da guerra, o MUNAF lançou um vastíssimo e dinâmico movimento político de massas que impôs temporariamente a sua actuação legal e semi-legal (o MUD) e que nos anos seguintes, fazendo frente à repressão, promoveu uma intensa actividade política.

Em 1949 a campanha eleitoral de Norton de Matos decorreu sobre o lema «Sem eleições livres, não votes» e, apesar das gigantescas manifestações e comícios de apoio, nomeadamente no Porto, em Lisboa e Coimbra, Norton de Matos desiste da sua candidatura por não existirem garantias de democraticidade eleitoral.

Em 1951 é apresentada a candidatura de Ruy Luís Gomes pelo Movimento Nacional Democrático, candidatura que foi considerada inelegível pelo Conselho de Estado.
Em 1958 é apresentada a candidatura de Arlindo Vicente (20 de Abril) que virá a fundir a sua candidatura com a de Humberto Delgado. Nesta batalha eleitoral o povo português travou uma das suas maiores batalhas contra a ditadura fascista. Nos 28 dias de “campanha” e apesar de toda a repressão, com proibições, espancamentos e prisões, o governo fascista é obrigado a autorizar mais de 60 sessões públicas, grandiosas manifestações de rua, com a participação de 200 mil pessoas no Porto e 300 mil em Lisboa. Apesar da total ausência de garantias democráticas e da burla eleitoral, a oposição decide ir às urnas e o governo é forçado a atribuir à oposição 22,5% dos votos. A burla fascista levanta uma poderosa vaga de protestos: cerca de 60 mil operários fabris e rurais fazem greves e paralisações reclamando a demissão de Salazar. As eleições de 1958 abalaram o fascismo tanto no país como fora dele, o jornal norte-americano New York Times publicou a seguinte notícia «O general Humberto Delgado, é claro, perdeu por uma larga margem a favor do candidato escolhido por António de Oliveira Salazar, o ditador e primeiro-ministro. O nome do vencedor é por acaso, o contra-almirante Tomás, mas isso não tem qualquer importância. Ele não terá qualquer poder e o Dr. Salazar podia da mesma forma ter escolhido o polícia de trânsito mais à mão.»

A criação em 1962 da Frente Patriótica de Libertação Nacional, com Álvaro Cunhal, Humberto Delgado e Ruy Luis Gomes, entre outros, teve também um importante papel na aglutinação e dinamização da luta contra a ditadura.

Importantes foram também os Congressos da oposição democrática. O primeiro, realizado em 1957, reuniu em Aveiro, sob o olhar atento do fascismo, viria a dar um forte abalo ao regime, com a criação de uma ampla frente unitária, que irá edificar um ano mais tarde a candidatura presidencial do General Humberto Delgado.
Quando os promotores aproveitaram “uma nesga azul de liberdade” na célebre frase de António Luís Gomes, ministro da I República, que presidiu aos trabalhos do congresso, conseguiram algo impensável até aquele momento - a hipótese de reunião das forças antifascistas.

Depois deste viriam a realizar-se em Aveiro mais dois congressos da oposição democrática, em 1969 e 1973, com a participação de mais de 4 mil antifascistas, cuja Comissão Nacional era composta por mais de 500 membros, representantes de todos os distritos do país, e onde foram apresentadas cerca de 200 teses, muitas delas colectivas, com um papel fundamental na transição política de Portugal desencadeada com o 25 de Abril de 1974.

Em 1961 começa uma nova fase. As contradições no seio do fascismo aumentam, agravam-se as condições económicas e sociais, eclode a guerra colonial e desenvolve-se a luta dos povos oprimidos das colónias. Há um acréscimo da luta popular e democrática de massas. A partir de 1961 acumulam-se os factores que conduziram a uma situação revolucionária da crise.

Com Marcelo Caetano e a morte de Salazar aprofunda-se a crise e para o fascismo entra na ordem do dia a questão da própria sobrevivência. E o fascismo tudo fará para se manter no poder, da liberalização demagógica às velhas formas de repressão.
A dramática guerra colonial, para a qual foram mobilizados um milhão e quatrocentos mil homens em treze anos (mais de 10% da população portuguesa e mais de 90% da juventude masculina) levou à morte quase 9 mil homens e ficariam feridos ou incapacitados cerca de 100 mil. Nos movimentos de libertação nacional o número de mortos ascendeu a quase 100 mil.

Citando o General Vasco Gonçalves “A Guerra Colonial foi para a grande parte dos oficiais do Quadro Permanente uma verdadeira escola de educação política, uma escola de consciencialização política, de percepção e de conhecimento das relações económico-sociais que conduziam à guerra que o governo fascista-colonialista fazia aos movimentos de libertação anti-colonialista e que arrastava o país para a grave situação em que se encontrava.


O aumento das contradições no seio do capitalismo durante esta fase da ditadura, a vastidão e força da luta popular e democrática, a diminuição da base social e política de apoio ao fascismo, a formação a partir dos sindicatos fascistas de um movimento sindical independente (a Intersindical), o movimento democrático com a grande campanha em torno das eleições para a Assembleia Nacional fascista, o movimento juvenil, a luta armada dos povos das colónias, a formação de um movimento militar organizado (o MFA), conduziram a uma crise geral e irreversível do regime, que era já incapaz de impedir o curso revolucionário da luta do povo português, que após 48 anos de opressão e obscurantismo, tinha agora a consciência clara que a solução insurrecional era o único caminho para pôr fim à ditadura fascista.  


Nuno Lopes, membro da direcção da ACR