Congresso "Conquistas da Revolução" - Intervenção de Manuel Begonha Presidente da ACR






Boa tarde a todos

Este Congresso teve como referência o General Vasco Gonçalves, figura ímpar e principal motivo de inspiração da nossa Associação. De facto a razão primeira que nos movimenta é preservar o seu pensamento e a sua obra.
Se outro mérito não tivesse este tão rico e participado Congresso, foi pelo menos o de discutirmos temas que não foram abordados em nenhumas outras sessões comemorativas, colóquios e seminários, integrados no 40º aniversário do 25 de Abril e muito menos nas oficiais, claramente situacionistas.

As intervenções que aqui foram proferidas permitem-nos perceber melhor o que foram os 48 anos de ditadura e o ignóbil fascismo que nos oprimiu e que tão estéril foi para Portugal.
Ficou claro o combate pela liberdade que tantos extractos do nosso povo desenvolveram, desde os estudantes, aos sindicalistas, aos agricultores, às mulheres, aos operários, incluindo os militares, sem esquecer a violência da luta na clandestinidade. E foram todas estas acções que nos permitiram estar hoje aqui.

Nesta árdua caminhada assistimos à importância que a guerra colonial teve na alteração da análise que os militares faziam da situação, passando a concluir que estavam envolvidos numa guerra injusta e contra o sentido da história.
Sob o beneplácito untuoso de Salazar e Caetano, passamos a viver com a PIDE, exploraram-se os assalariados rurais e assassinou-se Catarina Eufémia.
Perseguiu-se a cultura e os intelectuais e assassinou-se José Dias Coelho.
Falava-se “numa casa portuguesa com certeza”, mas que de dignidade nada tinha.
Encheram-se as prisões de Caxias, Aljube e Peniche e o Campo de Concentração do Tarrafal. Manteve-se o povo na ignorância e entregue a si próprio. Teceram-se laudas à emigração. Escolheu-se o exílio. Impediu-se o exercício da actividade sindical e associativa. Estabeleceu-se a Censura. Activaram-se os Tribunais Primários. Subalternizou-se a mulher não lhe reconhecendo o direito à igualdade e à cidadania plena. Realizou-se o assalto ao Quartel de Beja. Eliminaram-se as eleições livres.
E tudo isto aqui foi retratado.

Subitamente Salazar cai da cadeira. Pateticamente Caetano mantem um fantasma na convicção que ainda detém o poder, enquanto aparenta suavizar o regime. Nada feito. Tomás é irredutível. A guerra é para continuar.
Realiza-se o Congresso de Aveiro. As greves de vários sectores alastram por todo o país. Agudizam-se as lutas estudantis e o luto académico. Funda-se a Intersindical Nacional. Conquistam-se as 8 horas de trabalho diário para os assalariados rurais.
A luta recrudesce e dentro dos quartéis, com a ajuda dos milicianos, a contestação sobe de tom.

Até que chegou a madrugada libertadora do 25 de Abril de 1974, com a tomada do poder pelos militares que foram de imediato activamente apoiados pelo povo.
Ramiro Correia resume deste modo a situação até então vivida:
“Após 48 anos de fascismo, 14 anos de guerras coloniais, 32% de analfabetos, 10% da população emigrada e milhares de mortos e inválidos de guerra.
Após termos índices sanitários dos mais baixos da Europa, problemas dramáticos na habitação e economia desastrosa.

Com o prestígio internacional nulo. Repressão. Censura. Corrupção. Foi neste clima de tragédia que na madrugada do 25 de Abril o MFA e o Povo iniciaram a árdua caminhada para a construção da sociedade socialista em Portugal”.
Seguiu-se um 1º de Maio congregador. Foi uma gigantesca manifestação da vontade de mudar. Levantou-se então uma força revolucionária imparável que percorreu toda a sociedade portuguesa, conduzida essencialmente pelos trabalhadores e que juntamente com o MFA se propôs dar imediata execução aos 3 “D” do Programa do MFA – Descolonizar, Democratizar, Desenvolver.

Neutralizou-se a PIDE e a Censura, libertaram-se os presos políticos e, após várias vicissitudes, o ímpeto revolucionário parece ter abrandado com o consulado de Spínola. Mas este será de curta duração e a sua queda permitiu finalmente o avanço da Descolonização, inicia-se a preparação da questão da terra a epopeia da Reforma Agrária e chegam ao terreno as campanhas de Dinamização Cultural que se revelaram de grande importância na divulgação do Programa do MFA e na acção cívica junto à população.
Como em todas as épocas singulares da história dos povos, surgiu um Homem, o General Vasco Gonçalves, com a dimensão moral e política que este tempo exigia.
Nos 4 Governos provisórios a que presidiu e apesar das dificuldades próprias destes processos, colocadas desde logo por movimentos contra-revolucionários nacionais e internacionais, foi capaz de responder às necessidades mais prementes, identificando e combatendo as injustiças sociais mais flagrantes provenientes do regime fascista e assim lançando os alicerces para a construção de uma sociedade nova.
Tal objectivo foi conseguido mantendo a economia a funcionar, melhorando mesmo os indicadores económicos, como aliás foi reconhecido por uma delegação do FMI que à época se deslocou a Portugal.

E isto está claro no que aqui hoje foi dito.
Deste período criativo e transformador da Revolução, decorreram a legalização dos partidos, os avanços nas fábricas, nos campos, nos serviços; os trabalhadores organizam-se e tomam o controlo da produção e defendem-se das tentativas de sabotagem dos patrões; avança a gestão democrática nas escolas e os movimentos dos rendeiros e assalariados rurais preparam a Reforma Agrária.
Sucedem-se então as grandes acções revolucionárias que constituíram as Conquistas da Revolução. Muito hoje ouvimos falar delas, mas contudo destacaria as Nacionalizações, o Controlo Operário da Produção, a Reforma Agrária, o Poder Local Democrático, o reconhecimento da igualdade das mulheres e a Constituição da República.

Esta, após sete revisões continua a ser o garante da democracia e o baluarte para a defesa das conquistas da Revolução que ainda restam. Como ouvimos é uma Constituição que vertia para si os direitos individuais consagrados na Declaração Universal dos Direitos Humanos, que defende a independência e soberania nacionais, e que punha fim ao colonialismo. Apesar de todos os ataques mantém no actual texto constitucional direitos fundamentais que nos levam a lutar pela sua defesa e a exigir o seu cumprimento.
No entanto, um país nestas condições era inaceitável e perigoso para o capital nacional e internacional que de imediato desencadeou uma gigantesca ofensiva contra este Portugal, fortemente apoiado pelas forças reaccionárias externas.

Iniciam-se as reuniões espúrias de Mário Soares e do Grupo dos 9 com o embaixador Frank Carlucci, percursoras do golpe do 25 de Novembro. Divide-se o MFA. O PS e alguns dos 9 coligam-se com a direita e a contra-revolução. Incentiva-se a extrema-esquerda.
Otelo envereda por uma política errática. Trai-se Vasco Gonçalves. Crescem as cedências à soberania nacional e a submissão do poder político ao poder económico, ou seja ao BES e seus aliados. Metodicamente destrói-se a indústria nacional. Cresce a sabotagem económica. Dá-se o pronunciamento de Tancos e a demissão de Vasco Gonçalves. Extingue-se a 5ª Divisão do EMGFA e as campanhas de dinamização cultural. Promulga-se a Lei Barreto e a destruição da Reforma Agrária.

Desenvolvem-se redes bombistas. Cria-se o ELP e o MDLP. Atacam-se as sedes do PCP e do MDP. Ataca-se há onze anos a contratação colectiva. Tenta aumentar-se o horário de trabalho. Faz-se um ataque selvagem ao ensino público, investigação, SNS e acesso aos Tribunais. Baixam os salários. Cresce o desemprego. Reaparece a Censura a iniciativas como esta. O país volta a perder o crédito nacional e internacional. E vai ficando mais triste e mais inseguro.

Finalmente que futuro para Portugal?
É claro que terá de ser de luta para travar este Governo em que os ministros cometem erros grosseiros, pedem desculpas, arranjam bodes expiatórios, mas não se demitem. Ou seja o Governo em vez de desenvolver vende o património nacional, apenas se preocupando com a consolidação da ideologia dominante; é gritante o défice de liderança e de gestão, entregando-nos nas mãos do capital internacional e aos ciclos especulativos. Cria-se então um ambiente de inibição colectiva de enfrentar o risco e a diferença, muitas vezes identificado como pessimismo.

A economia não é conduzida tendo em vista a investigação e o desenvolvimento, isto é o rumo que conduza à especialização e ao conhecimento.
Não se verifica a capacidade de identificar o fundamental e de descrevê-lo sem equívocos. Tal postura reflecte a ausência de um pensamento estratégico e um plano para o país.
As decisões são tomadas ao sabor da sorte e do acaso, sendo um disfarce para a ignorância e o fatalismo.
O que se espera de um Governo é competência. Isto é, saber fazer as escolhas adequadas e não andar à deriva.

Este gigantesco embuste está criado. Mas não está consolidado. Temos de ir buscar às lições do passado próximo e dos combates contra a ditadura, novas formas de luta, mais elaboradas, mais criativas, mas sempre determinadas para voltar aos caminhos da justiça, solidariedade e bem-estar para todos os portugueses.

E nós estamos atentos a isto tudo. A ACR no programa para 2015, integra um conjunto de acções que não dará tréguas a este Governo. Só resistindo seremos dignos do Homem que hoje também estivemos a homenagear. O General Vasco Gonçalves.

Manuel Begonha Presidente da ACR