Acto de homenagem a Salvador Allende e aos democratas chilenos
(nos 50 anos do golpe militar comandado por Pinochet)
11 de Setembro de 2023, Fundação Engº António Almeida
Intervenção de Jorge Sarabando | vogal da direcção e responsável pelo núcleo do Porto da ACR
Em Setembro de 1973, o Governo de Unidade Popular, presidido por Salvador Allende, médico e durante anos deputado, senador e ministro, continuava firme na defesa das profundas transformações operadas na vida económica e social do Chile, em cumprimento do seu programa: nacionalização da produção do cobre e de indústrias estratégicas antes dominadas por interesses estrangeiros, Reforma Agrária, controlo público da Banca, criação de um dinâmico sector público comercial e industrial, aumento da parte dos salários no rendimento nacional, que alcançou os 58%, escolarização de 99% das crianças entre os 6 e os 14 anos, melhoria do acesso aos cuidados de saúde pela população, que se havia traduzido já numa acentuada diminuição da mortalidade infantil. A Unidade Popular era constituída pelos Partidos socialista e comunista, Partido Radical, Movimento de Acção Popular Unitário, Partido Popular Independente, Partido Social-democrata e, mais tarde, a Esquerda Cristã.
Ao mesmo tempo, enfrentava uma poderosa acção desestabilizadora, fomentada e financiada pela oligarquia financeira e pelo governo dos Estados Unidos, com as “greves” dos camionistas, paralisações diversas, sabotagem económica, boicotes externos, campanha hostil na imprensa, golpes e ameaças de golpes militares. Militares constitucionalistas, como o Chefe das Forças Armadas, General Schneider, assassinado na rua, Comandante Araya, Ajudante de Campo de Allende, morto a tiro na varanda de sua casa, General Prats, assassinado em Buenos Aires, são marcas de uma conspiração que não conhecia limites para atingir os seus fins.
Apesar dos efeitos da estratégia de tensão, da imagem criada de caos e degradação, das iniciativas concertadas de partidos de direita, de altos comandos militares e do grupo armado fascista “Patria y Libertad”, as eleições de Março de 73 reforçaram a votação nos partidos da Unidade Popular, que ultrapassou os 43%, sendo eleitos mais 3 senadores e 6 deputados.
Ficou claro para as forças de direita, para os militares golpistas, estreitamente ligados às ditaduras da região, à CIA e às autoridades norte-americanas, que só pela violência e não por meios legais poderiam derrubar o governo de Unidade Popular.
A brutalidade da violência utilizada por Pinochet e os outros militares golpistas ultrapassou todas as conjecturas: o cerco e o bombardeamento do Palácio de la Moneda, a morte dos seus defensores e do Presidente Salvador Allende, que recusou demitir-se, como exigia a Junta Militar, prisões em massa, tendo sido parte dos presos enclausurados no Estádio de Santiago. Segundo o Grupo de Trabalho Especial, criado pela Comissão da ONU para os Direitos Humanos, sediada em Genebra, foram cerca de 90 mil pessoas presas e três mil executadas, sem julgamento. Entre tantos que foram torturados e mortos, recordamos com emoção o nome de Vítor Jara. Os seus assassinos só agora, 49 anos depois, foram condenados judicialmente. Cerca de 50 mil chilenos tiveram de abandonar a sua Pátria.
Poucos dias após o golpe militar morreria, por causas ainda não esclarecidas, o poeta Pablo Neruda, Prémio Nobel, amigo e conselheiro do Presidente Allende. A Junta Militar quis proibir o funeral público, mas centenas de pessoas compareceram, afrontando as autoridades.
No Chile, como na Argentina, no Brasil e noutros países da América Latina, o imperialismo afogou em sangue e com a maior crueldade os processos emancipadores, libertadores, progressistas que irromperam nas décadas de 60 e 70, não hesitando em derrubar pela força governos legítimos, democraticamente eleitos. É dessa época a “Operação Condor”, pela qual foram feitas desaparecer milhares de pessoas, parte delas atiradas de aviões no alto mar.
Chegaram depois os “Chicago boys”, os discípulos de Hayek e Friedman, que fizeram do Chile um laboratório de experimentação das receitas do neoliberalismo: reduções salariais, privatizações do sector público da economia e mesmo da Segurança Social que, diga-se, mais tarde, falida, teve de ser renacionalizada.
Hoje como ontem, as oligarquias locais, com o apoio do imperialismo norte-americano, procura de novo conter a onda progressista e de afirmação soberana que tem ocorrido em diversos países latino-americanos. Os métodos seguidos poderão ser diferenciados, com recurso a militares golpistas ou a líderes populistas, mas os objectivos e os interesses em causa são os mesmos.
A solidariedade com os povos da América Latina , com os povos de todo o mundo em luta contra o fascismo, lá onde irrompa e seja qual for a máscara que use, é um modo de honrar a memória de Salvador Allende, dos democratas e revolucionários chilenos e de dizer que o seu sacrifício não foi em vão.