DOUTROS
TEMPOS, DOUTROS MAIOS E OS TORREJANOS.
No
início da década de 60, já era tradição o empresário, antifascista e democrata,
Sr. Américo Nery, encerrar os portões da sua metalúrgica, em Torres Novas – A
CASA NERY – e decretar feriado aos seus trabalhadores, no 1º de MAIO.
Desconheço quais os argumentos que usava perante a PIDE, pela atitude que
assumia, mas deviam ser bons, em sua defesa, de bons argumentos de pessoa de
moral maior.
Durante
o dia, alguns operários iam-se passear em frente à casa do guarda da
metalúrgica. Os PIDES, disfarçados, e os GNR´s, sem passearem, aguardavam no
passeio contrário da marginal ao rio Almonda uma possível carga sobre os
operários.
Não
me recordo se chegou a haver ou não prisões. Recordo, sim, que alguns alunos da
Escola Industrial, do 4º ou 5ºano, faltavam a uma ou outra aula, para se
juntarem aos operários e para aguardarem, também, a carga do “toca e foge”, com
alguma diversão própria da idade. Depois, devido ao “olho que via tudo” éramos
chamados ao Director da Escola, para levarmos uma reprimenda das antigas, mas o
recado era mais para os nossos pais: “se os vossos pais não lhes metem juízo nessas
cabeças, eu cá estou…” O bom do director, por certo, teria lido as teses de
Lenine.
Poucos
anos mais tarde, já na Marinha, embarca no meu navio o filho mais velho do Sr.
Américo, durante uns 2 meses, o José Luís Nery, já falecido, com pouco mais de
trinta anos. Encontrava-se a cumprir o Serviço Militar na Armada, como
aspirante da Reserva Marítima (RM) enquanto Oficial da Marinha Mercante.
Embora
com o seu feitio difícil, nada parecido com o bom do senhor seu pai nem
compatível com a boa prática de entreajuda dos “filhos da terra”, por duas ou
três vezes, lá me deu boleia, ao fim de semana, para Torres Novas, no seu MG,
descapotável de dois lugares onde os nossos uniformes brancos assentavam como
ouro sobre azul no vermelho do MG. Vermelho da cor do sangue das dezenas de
trabalhadores mortos pela carga policial no 1º de Maio de 1886, em Chicago, mas
já vermelho, também, dos cravos, que anos mais tarde, viriam a florescer, no
nosso pais.
FIQUEM
BEM, QUANTO POSSÍVEL, NESTES DIAS DIFÍCEIS. O QUE IMPORTA É QUE SE ENTRETENHAM
NO MÍNIMO COMO EU ME ENTRETINHA NO EMINENTE “TOCA E FOGE” FRENTE À CASA DO
GUARDA DA CASA NERY.
Manuel Carvalho
23/03/2020