A acção e o papel do Primeiro-Ministro Vasco Gonçalves à frente dos quatro governos provisórios
Vasco Gonçalves é designado primeiro ministro na sequência do que ficou conhecido pelo “golpe Palma Carlos”; tentativa
palaciana de dissolução do MFA e concentração de todos os poderes no Presidente da República.
Toma posse em 18
de Julho de 1974.
E nunca mais nos
largou, como disse Nuno Pinto Soares, capitão de Abril.
Este capitão de Abril afirmou ainda que Vasco Gonçalves incentivava os encontros de critica e autocrítica e nunca quis ser “o senhor da
revolução”.
Foi Primeiro
Ministro durante 14 meses.
Antes de iniciar
a abordagem deste tema relembro que nas vésperas do
25ABR74 a economia portuguesa estava à beira do
caos.
A guerra
colonial durava há 13 anos.
Em todo o período em apreço
vivia-se uma grave crise do petróleo, e foi
fortemente marcado pela chamada guerra fria.
Composição
dos governos
Até ao IV governo provisório, Vasco
Gonçalves procurou a representação e
empenhamento das forças políticas mais
representativas, e a nível militar as tendências ideológicas mais relevantes.
Do II ao IV
governo provisório, governos de coligação partidária, houve a preponderância, nas diversas pastas, de cidadãos essencialmente ligados ao Partido Socialista e de
militares.
Com o avanço da revolução e o desenvolvimento da luta de
classes a coligação das diversas forças políticas representadas no governo veio a
revelar-se inviável.
O V Governo
Provisório assume a missão de agir de
forma unitária e não partidária.
Foi uma solução transitória destinada a pôr termo à crise política criada no País.
A composição dos seus governos não excedeu os
18 ministros.
II Governo Provisório
Na tomada de
posse do II governo provisório, a 18 de Julho de 1974, Spínola destaca a “reconhecida
estatura moral e intelectual do Coronel Vasco Gonçalves e o
facto de ser o cérebro da Comissão Coordenadora do Movimento das Forças Armadas e, como tal, o primeiro responsável pelo seu ideário”, e preocupado com a explosão social que
irrompeu no país apela à “Maioria Silenciosa”.
Vasco Gonçalves logo no inicio do seu discurso afirma a decisão inabalável de cumprir escrupulosamente o
Programa das Forças Armadas e informa da firme decisão de impor uma séria moralização da vida nacional, como condição básica para a tomada de medidas que a situação económica e social do País exigia. Aborda também a questão colonial salientando a determinação de no mais curto espaço de tempo,
ser obtido o cessar fogo e dar inicio ao processo de descolonização sem abertura às tentativas
neocolonialistas.
O II governo
provisório pautou-se por permanentes afrontamentos com Spínola que Vasco Gonçalves
procurou gerir o melhor possível e que terminaram a 28 de
Setembro, com o malogro da manifestação da dita “Maioria Silenciosa”.
Na formação deste governo Vasco Gonçalves
procurou, juntamente com a Coordenadora, contornar as dificuldades que lhe iam
sendo colocadas em relação aos nomes que propunha.
Spínola, encabeçando a força da reacção capitalista e pontualmente com o
apoio do PPD/PSD exigiu que destacados antifascistas, como Mário Murteira, Avelino Gonçalves,
Pereira de Moura e Herberto Goulart não figurassem
no elenco governamental.
Durante este
governo foram implementadas medidas previstas no Programa do Governo Provisório - DL 203/74 de 15 de Maio; das quais as mais importantes,
se centraram nas áreas económicas e sociais e dos direitos dos trabalhadores.
Deram-se passos
decisivos na habitação social, na alfabetização e na educação sanitária.
No domínio da descolonização, por
proposta de Vasco Gonçalves, foi criada a Comissão Nacional de Descolonização.
Foi promulgada a
Lei Constitucional 7/74 de 27 de Julho que reconheceu o direito dos povos à “ autodeterminação” de acordo com a “ Carta das Nações Unidas”, incluindo a aceitação da
independência dos territórios
ultramarinos.
A 10 de Setembro
de 1974 a Guiné-Bissau é a primeira colónia portuguesa,
no continente africano, a ter a independência reconhecida por Portugal.
Com o fim de
assegurar de imediato, ao Estado, intervenção na política de crédito foram nacionalizados os bancos
emissores.
Ainda no período deste governo provisório o Banco
Mundial recusou a Portugal um empréstimo de 400
milhões de contos, cerca de 2 mil milhões de euros.
III Governo Provisório
Com a renúncia de Spínola e a designação, pela Junta de Salvação Nacional,
do general Francisco da Costa Gomes para presidente da república perspectivaram-se novos avanços da revolução portuguesa.
Costa Gomes
confirma, como primeiro ministro, Vasco Gonçalves.
A 30 de Setembro
é dada posse ao III governo provisório.
Vasco Gonçalves, no seu discurso de tomada de posse, declara manter o
mesmo programa e para que não haja dúvidas explicita que “empenha a
sua honra no cumprimento do Programa do Movimento das Forças Armadas, em toda a sua pureza, e em tudo que ele encerra
de projecto de nova vida para a nossa Pátria.”
Avança-se decisivamente com o reforço do MFA, até à sua institucionalização.
A agitação social acentua-se com os trabalhadores a responder às acções provocatórias dos empresários, empenhados
em promover artificialmente conflitos e conseguir a desorganização da economia do nosso país.
Durante a sua
vigência deram-se passos importantes na defesa dos interesses das
classes trabalhadoras e o aumento progressivo da qualidade de vida de todos os
portugueses.
Foram:
- consagrados os direitos de associação e de actividade dos partidos políticos,
- definidos os princípios orientadores do saneamento da função pública e reintegração de funcionários expulsos por motivos políticos,
- aprovadas medidas de protecção aos rendeiros,
- estabelecidos preços máximos de artigos de consumo corrente.
Ainda durante
este governo foram aprovadas a Lei de Imprensa, a Lei Eleitoral e a Lei de
Intervenção do Estado nas Empresas.
A 21 de Janeiro
de 1975 é aprovado, na especialidade, com votos contrários do PS e do PPD, o diploma sobre associações sindicais (a chamada lei da unicidade sindical) e em
Fevereiro de 1975 é aprovado o “Programa de política económica e social”, com a anuência do Conselho dos 20 e da Assembleia do MFA.
De acordo com o
programa, o controlo do Estado, não abrangia
as entidades bancárias e de seguros, nem os transportes
ferroviário e rodoviário, nem a construção naval.
Vasco Gonçalves sempre considerou este programa conservador, mas no seu
entender podia-se trabalhar e desenvolver as orientações progressistas que dele emanavam.
A título de curiosidade transcrevo parte do conceito de
austeridade que está escrito no documento:
“Austeridade significará, antes do
mais, uma maior sobriedade em consumos de luxo ou supérfluos. As camadas da população mais
atingidas por medidas que venham a impor uma muito maior rigidez no acesso aos
bens não essenciais ou pouco importantes serão as que até ao presente gozavam de privilégios ou benefícios inacessíveis à maioria da população.”
Este governo foi
o que teve maior duração, cerca de 6 meses.
Viu a sua acção brutalmente interrompida, a 11 de Março, com a tentativa de golpe militar.
A mais forte
investida das forças de direita contra a revolução.
IV Governo Provisório
Com a terceira
tentativa falhada para o afastamento da ala mais progressista do MFA a
ambiguidade desaparece ao nível do Poder.
Na própria noite de 11 de Março a
assembleia revolucionária do MFA, composta por oficiais,
sargentos e praças; institucionaliza o Movimento das
Forças Armadas.
A 14 de Março é criado o Conselho da Revolução, substituindo-se à Junta de
Salvação Nacional e ao Conselho de Estado que são extintos.
Os primeiros
decretos saídos deste órgão foram a nacionalização da banca e dos seguros, afirmando-se, a consagração da opção pela via socialista.
Vasco Gonçalves, procede a ajustamentos a nível do governo, com o objectivo de lhe dar maior
operacionalidade e de o pôr em condições de dinamizar a actividade económica.
O governo toma
posse em 26 de Março de 1975.
Vasco Gonçalves, no discurso de tomada de posse procura explicar o que
entende pela dinamização da actividade económica que afirma ser “a consolidação da política antimonopolista do programa do
MFA e a defesa das classes mais desfavorecidas” e mais
adiante acrescenta “é necessário pôr a funcionar uma nova economia que conduza a uma verdadeira
democracia, política, económica e social.
Durante este
governo são aprovados:
- As Bases Gerais dos Programas de
Medidas Económicas de Emergência
- O Programa Nacional de Emprego
- O Programa de Preços de Bens Alimentares Essenciais
- O Programa de Controlo dos Sectores Básicos da Indústria
- A Nacionalização dos principais bens de produção
- Medidas de controlo ou de intervenção do estado noutros sectores.
O salário mínimo é aumentado e
é fixado um tecto salarial à remuneração do trabalho, estendendo-o a todas as empresas (públicas e privadas) pondo-se fim ao leque salarial, de
amplitude ilimitada, herdado do fascismo.
O Programa de
Transportes e Comunicações comportou a nacionalização dos transportes rodoviários, marítimos e aéreos. Foi constituída a Rodoviária Nacional, agrupando numa gestão unificada as empresas rodoviárias
nacionalizadas.
A Lei da Reforma
Agrária e a Lei do Arrendamento Rural visaram assegurar o apoio
aos pequenos e médios agricultores, alterar
radicalmente a estrutura do latifúndio,
procurando o aumento geral da produção agrícola, combatendo o desemprego na agricultura e melhorar o nível de vida nos campos.
É consagrada a unicidade sindical a independência e autonomia dos sindicatos e reconhecida a Intersindical
Nacional. Foi promulgada a Lei sindical.
Com o apoio do
governo aprofunda-se o controlo operário.
Na sua luta
contra a sabotagem económica os trabalhadores recuperam
empresas abandonadas pelo patronato.
O Serviço Cívico Estudantil é regulamentado.
No âmbito da Educação:
- São elaborados
novos programas para o ensino primário, as
escolas do magistério primário são remodeladas;
- O Ensino Secundário é unificado
- São aprovadas
as bases gerais do ensino superior e incrementam-se experiências pedagógicas visando a sua ligação ao trabalho produtivo.
No âmbito da política externa
Reconheceu-se a
independência de Moçambique, de Cabo Verde e de São Tomé e Principe. Nas cerimónias solenes dos actos da independência, o nosso País fez-se
representar pelo Primeiro Ministro.
Cabe aqui focar
o 1º Pacto de Acção Política,
conhecido pelo Pacto MFA/Partidos.
Este documento,
começou a ser negociado com os partidos ainda antes do 11 de Março. Visou o reconhecimento de forma inequívoca do papel do MFA no processo político de instauração da
democracia em Portugal e a assunção clara e
frontal, aos olhos do nosso povo, da função político militar do MFA.
Na primeira
quinzena de Abril de 1975 o MDP, o PCP, o PS, o PPD, o CDS e a FSP assinam este
pacto.
Estes partidos,
ao assinarem o documento, concordaram com o estabelecimento de uma plataforma
política comum que possibilitava a continuação da revolução política, económica e social iniciada em 25 de Abril de 1974, dentro do
pluralismo político e da via socializante que
permitisse levar a cabo, em liberdade, mas sem lutas partidárias estéreis e desagregadoras, um projecto
comum de reconstrução nacional.
O MFA e o
governo cumpriram a sua palavra e em 25 de Abril de 1975 é realizado o primeiro acto eleitoral, em liberdade. Os
resultados mostraram, sem sombra de dúvidas que os
portugueses pretendiam a via para o socialismo.
O resultado
destas eleições foi aproveitado pelo PS que, com a
sua “verborreia”, pretendeu tirar partido da eleição que lhe foi favorável e
alterar os trabalhos da Assembleia Constituinte procurando dar-lhe o sentido
legislativo.
A atitude do PS
ajudou a que as forças reaccionárias e as esquerdistas iniciassem um grave confronto do qual
o mais relevante foi o infeliz caso República. A sua
agudização, com apoios nacionais e internacionais, acabou por provocar
a saída, em Julho, de alguns ministros, provocando a queda do
governo.
O Conselho da
Revolução encarrega Vasco Gonçalves de
formar novo governo.
V Governo Provisório
E na primeira
quinzena de Agosto o V Governo Provisório toma
posse.
O sistema de
coligação partidária, conforme disse no início, revelou-se inviável
Mercê da oposição da parte mais conservadora do MFA e
dos partidos políticos do centro e da direita, este
governo durou apenas um mês.
Contribuíram para a sua queda:
- os ataques concertados da reação externa tendentes e isolar e a desmoralizar o País;
- as dificuldades enormes da
descolonização em Angola;
- os reflexos sobre a frágil economia portuguesa da crise económica geral do capitalismo;
- os desequilíbrio e instabilidade provenientes do necessário desmantelamento das estruturas monopolistas e fascistas.
O governo, mesmo
nas condições difíceis em que
trabalhou, continuou as nacionalizações, decidiu
pela intervenção em várias grandes
empresas e aprovou legislação de grande alcance; tal como:
- o controlo operário;
- o salário máximo nacional,
- a lei dos baldios,
- a extinção do
arrendamento por prazo longo ou perpétuo de terras públicas a particulares,
- A concessão às autarquias locais de um crédito superior a um milhão de contos,
cerca de 5 milhões de euros e a comparticipação do Estado em 95% do custo das obras de equipamento social.
Para finalizar
Não quero finalizar sem referir mais uns pontos de caracter
geral
Do ponto de
vista económico na “Análise e Projecção das Condições Macro Económicas em Portugal”, relatório de uma missão
patrocinada pela OCDE que se deslocou a Portugal de 15 a 20 de Dezembro de 1975
é dito que a economia portuguesa está surpreendentemente saudável.
O parecer deste
relatório foi confirmado por outra missão do MIT que se deslocou a Portugal nos primeiro meses de
1976.
Estes dois
documentos mostram como eram falsas e tendenciosas as considerações sobre o estado da economia mencionadas no Documento dos
Nove
• Os governos de Vasco Gonçalves não afundaram a economia portuguesa. A
nacionalização da banca e dos seguros evitou que
tal tivesse acontecido.
• As reservas de ouro do Banco de
Portugal ficaram intactas.
• As reservas de ouro foram
delapidadas, pela primeira vez, com o
primeiro governo constitucional, do Partido Socialista, em cerca de 100
toneladas.
Vasco Gonçalves, na formação dos seus
governos, procurou conciliar as forças políticas e adaptou-os às condições existentes, defendendo os direitos e os ensejos mais
profundos do nosso povo e o programa do MFA.
As conquistas
revolucionárias alcançadas ao longo dos governos presididos por Vasco Gonçalves foram produto da luta heróica do nosso
povo e dos democratas, que muitas vezes estava à frente dos
governos.
Pela sua forma
de agir Vasco Gonçalves era tido pelo companheiro
Vasco, foi o único primeiro ministro a quem as
massas populares chamaram de camarada.
Henrique Mendonça, Vice-Presidente da Assembleia Geral da ACR