Intervenção de Manuel Bacelar Begonha Presidente da ACR na Romagem à campa do General Vasco Gonçalves



Estamos aqui para evocar o General Vasco Gonçalves no 8º aniversário da sua morte.
Quanto vale a vida de um homem? Julgo que vale pelo seu sonho e pela sua obra. Conhecemos o homem quando com ele contactamos frequentemente e lhe podemos apreender o projecto, ou quando conhecemos o seu reflexo através da sua obra.
Conhecer Vasco Gonçalves é tomar contacto com uma natureza motivadora que leva a uma nova consciência e a uma melhor compreensão do nosso meio social. Muitos de nós o ouvimos falar e certamente nos deixámos empolgar. Como escreveu o professor Teixeira Ribeiro: "Pois é principalmente isso - a simplicidade, a sinceridade e o entusiasmo - tudo junto em doses extremas, que faz Vasco Gonçalves um caso à parte na nossa oratória política."

Com Vasco Gonçalves vivemos a única época da nossa história moderna, em que as pessoas acreditaram que seria possível mudar a vida pelas suas próprias mãos.
Hoje estão-nos a retirar a vida pelas mãos de uma Europa vingativa que nos quer fazer expiar pelo crime de termos sido marcados por um governante, Vasco Gonçalves, que nos deixou o seu mais importante legado que são as conquistas sociais e políticas que foram conseguidas durante a Revolução.
Para seguir os seus desígnios essa Europa encontrou um governo que se rege pelo total desrespeito pela Constituição da República e pelo povo português. Partidários  da austeridade destroem a economia. Coniventes com a corrupção e com o grande capital financeiro, não se regem por uma justiça independente. Amigos da opacidade escondem os seus objectivos e a forma como os atingem, simulando não ter rumo.
Contrariamente à política patriótica e de defesa da dignidade do homem, seguida por Vasco Gonçalves, - a quem se pode atribuir individualmente a maior responsabilidade pelos acontecimentos mais importantes dos nossos dias, - este governo tenta impor um clima de medo e de incerteza para mais facilmente impor a violência das suas medidas, prioritariamente sobre os mais desprotegidos, os funcionários públicos, os pensionistas e os reformados. A sua óptica de reforma do Estado, passando por cima dos desempregados e dos jovens, não é mais de que o desmantelar do Estado Social. Este deverá então ser substituído pela prática da caridade.

Com Vasco Gonçalves o governo era uma promessa de um país decente, fraterno e progressivo. O presente, é um factor de instabilidade, especializado em tornar medidas provisórias em permanentes, insistindo em  forçar a aprovação de decisões anti-constitucionais.
Vasco Gonçalves era detentor de uma capacidade de empatia, irrepetível e inimitável, defensor intransigente do carácter, da cultura e da liberdade.
Era um revolucionário no pleno sentido da palavra, sempre fiel às suas convicções que mergulham profundamente nas aspirações do povo. Sempre se apercebeu da importância da defesa da Constituição da República, tendo afirmado: "O essencial da Constituição Portuguesa está de acordo com as grandes transformações revolucionárias operadas no decurso do nosso processo revolucionário. A essas transformações chamamos Conquistas da Revolução e uma delas é a própria Constituição!" e ainda "A defesa da Constituição Portuguesa é, portanto, a defesa das conquistas da nossa Revolução e, assim, a defesa do direito dos povos à livre escolha do seu regime político e cultural."

Hoje em dia, o governo não tem um compromisso com o povo português, baseado na confiança e na credibilidade; sucedem-se as humilhações ao país como a patética subserviência à Alemanha e os atentados à soberania nacional, com o apoio empenhado do Presidente da República, que não consegue cumprir o papel de defensor da Constituição, prisioneiro que está das suas inseguranças e contradições.
Parecem estar apenas à espera de um novo ciclo histórico que traga outros ventos para a Europa, enquanto o país se vai degradando. São um corpo estranho a Portugal estando ao serviço do Capital financeiro global.
O que presentemente se observa é ser o governo constituído por uma coligação assimétrica ou de geometria variável em que um dos partidos, o PSD apenas se interessa por uma carreira europeia e o outro, o CDS em não perder votantes para as eleições internas, assim pautando o seu caminho.
Todas as simulações, mentiras e tergiversações fazem com que o Governo se mova num teatro de sombras em que as personagens vão mudando e se esfumam até se transformarem noutras. Passos Coelho de Átila o Reformador, transmuta-se em Conde Drácula; Portas o nóvel Maquiavel, passa a Cavaleiro da Triste Figura, enquanto que Gaspar o mágico da bola de vidro surge como o Grilo Falante da Troika. Assim, recorrendo às artimanhas do disfarce e do teatro de fantoches, vão produzindo um espectáculo deplorável, até ao fechar do pano, num palco vazio e sem luz.

Pelo contrário, a política económica e financeira dos Governos de Vasco Gonçalves era clara e transparente. Assim, no Relatório Análise e Projecção das Condições Macroeconómicas em Portugal, de uma missão a Portugal patrocinada pela OCDE e levada a cabo, entre 15 e 20 de Dezembro de 1975, por três elementos do Departamento de Economia do MIT, pode ler-se o seguinte: "Para um observador exterior lendo apenas as tabelas estatísticas nacionais sem uma palavra acerca da revolução social, o registo do último ano e meio em Portugal não parece diferente do resto da Europa, com algumas diferenças intrigantes. Mas os maiores impactos de uma reduzida produção e investimento, deficites da balança de pagamento e inflação todos parecem familiares e em alguns aspectos menos sérios para Portugal do que em alguns dos outros países da Europa Ocidental." E mais adiante "Para um país que recentemente passou por uma reforma social, uma enorme mudança na sua posição de mercado externo e seis Governos Revolucionários nos últimos dezanove meses, Portugal goza de uma inesperada boa saúde económica."

Apesar de amado pelo povo era anti-populista, não gostando de exibições, mantendo-se sóbrio e discreto, sendo no entanto capaz de enfrentar as situações adversas com franqueza e frontalidade, vencendo por vezes a sua timidez com um grande e efusivo entusiasmo quando pugnava pelas Conquistas da Revolução de Abril. No livro Companheiro Vasco, escreve--se: "Este General sem basófia, que tanto aprecia o concreto e o real, este antimaquiavel sereno e irredutível recusa afável mas definitivamente qualquer asserção passível de cheirar a culto de personalidade".
Este General que reconheceu que "o período mais feliz da minha vida, aquele em que me senti mais realizado foi o período em que fui Primeiro Ministro. Foi o mais criador da Revolução e é desse período que tenho as maiores compensações."
Para voltar à questão inicial de avaliar quanto vale a obra de um homem a quem se ficou a dever a materialização de muitos dos ideais revolucionários de Abril, importa agora aprofundar o seu pensamento e o sentido do seu combate, seguindo as suas próprias palavras:
"Para mim é gratificante o facto de ter despertado sentimentos tão contraditórios porque isso significa que a política de que procurei ser obreiro estava no caminho certo da libertação das classes mais desfavorecidas da nossa sociedade, dos pobres, dos humildes, dos explorados e dos que não têm voz, embora muitos, talvez a maioria, não tivessem consciência disso.
E estava no caminho daqueles que, não pertencendo às classes mais desfavorecidas, se identificaram com os interesses e as suas justas aspirações, que estavam com os interesses da nossa Pátria, que é o nosso povo."
Como esta posição se aplica aos dias de hoje.

Daquilo que ficou dito, veio-me entretanto à memória, a propósito da figura e obra de Vasco Gonçalves, o poema de Sidónio Muralha:

"Com os pés na terra,
a quilha que singra,
o arado que rasga,
o rasgo que cria,
vimos o começo,
e o fim dos tiranos,
que outros alarguem
nosso gesto rude
de semeador."

Vasco Gonçalves era de facto um semeador.

Desde a honestidade intelectual à firmeza nas convicções, semeou um projecto de liberdade para o futuro de que não abdicaremos. As pétalas dos cravos de Abril estão a soltar-se, algumas poderão ser levadas pelos ventos do esquecimento, mas a semente foi lançada muito fundo, as suas raízes continuarão a iluminar o nosso pensamento e outros cravos renascerão puros e fortes empunhados pelos nossos filhos.

VIVA O GENERAL VASCO GONÇALVES
VIVA PORTUGAL