Estamos aqui para
evocar o General Vasco Gonçalves no 8º aniversário da sua morte.
Quanto vale a vida de
um homem? Julgo que vale pelo seu sonho e pela sua obra. Conhecemos o homem
quando com ele contactamos frequentemente e lhe podemos apreender o projecto,
ou quando conhecemos o seu reflexo através da sua obra.
Conhecer Vasco
Gonçalves é tomar contacto com uma natureza motivadora que leva a uma nova
consciência e a uma melhor compreensão do nosso meio social. Muitos de nós o
ouvimos falar e certamente nos deixámos empolgar. Como escreveu o professor
Teixeira Ribeiro: "Pois é principalmente isso - a simplicidade, a
sinceridade e o entusiasmo - tudo junto em doses extremas, que faz Vasco
Gonçalves um caso à parte na nossa oratória política."
Com Vasco Gonçalves
vivemos a única época da nossa história moderna, em que as pessoas acreditaram
que seria possível mudar a vida pelas suas próprias mãos.
Hoje estão-nos a
retirar a vida pelas mãos de uma Europa vingativa que nos quer fazer expiar
pelo crime de termos sido marcados por um governante, Vasco Gonçalves, que nos
deixou o seu mais importante legado que são as conquistas sociais e políticas
que foram conseguidas durante a Revolução.
Para seguir os seus desígnios
essa Europa encontrou um governo que se rege pelo total desrespeito pela
Constituição da República e pelo povo português. Partidários da austeridade destroem a economia.
Coniventes com a corrupção e com o grande capital financeiro, não se regem por
uma justiça independente. Amigos da opacidade escondem os seus objectivos e a
forma como os atingem, simulando não ter rumo.
Contrariamente à
política patriótica e de defesa da dignidade do homem, seguida por Vasco
Gonçalves, - a quem se pode atribuir individualmente a maior responsabilidade
pelos acontecimentos mais importantes dos nossos dias, - este governo tenta
impor um clima de medo e de incerteza para mais facilmente impor a violência
das suas medidas, prioritariamente sobre os mais desprotegidos, os funcionários
públicos, os pensionistas e os reformados. A sua óptica de reforma do Estado,
passando por cima dos desempregados e dos jovens, não é mais de que o
desmantelar do Estado Social. Este deverá então ser substituído pela prática da
caridade.
Com Vasco Gonçalves o
governo era uma promessa de um país decente, fraterno e progressivo. O
presente, é um factor de instabilidade, especializado em tornar medidas
provisórias em permanentes, insistindo em
forçar a aprovação de decisões anti-constitucionais.
Vasco Gonçalves era
detentor de uma capacidade de empatia, irrepetível e inimitável, defensor
intransigente do carácter, da cultura e da liberdade.
Era um revolucionário
no pleno sentido da palavra, sempre fiel às suas convicções que mergulham
profundamente nas aspirações do povo. Sempre se apercebeu da importância da
defesa da Constituição da República, tendo afirmado: "O essencial da
Constituição Portuguesa está de acordo com as grandes transformações
revolucionárias operadas no decurso do nosso processo revolucionário. A essas
transformações chamamos Conquistas da Revolução e uma delas é a própria
Constituição!" e ainda "A defesa da Constituição Portuguesa é,
portanto, a defesa das conquistas da nossa Revolução e, assim, a defesa do
direito dos povos à livre escolha do seu regime político e cultural."
Hoje em dia, o governo
não tem um compromisso com o povo português, baseado na confiança e na
credibilidade; sucedem-se as humilhações ao país como a patética subserviência
à Alemanha e os atentados à soberania nacional, com o apoio empenhado do Presidente
da República, que não consegue cumprir o papel de defensor da Constituição,
prisioneiro que está das suas inseguranças e contradições.
Parecem estar apenas à
espera de um novo ciclo histórico que traga outros ventos para a Europa,
enquanto o país se vai degradando. São um corpo estranho a Portugal estando ao
serviço do Capital financeiro global.
O que presentemente se
observa é ser o governo constituído por uma coligação assimétrica ou de
geometria variável em que um dos partidos, o PSD apenas se interessa por uma
carreira europeia e o outro, o CDS em não perder votantes para as eleições
internas, assim pautando o seu caminho.
Todas as simulações,
mentiras e tergiversações fazem com que o Governo se mova num teatro de sombras
em que as personagens vão mudando e se esfumam até se transformarem noutras.
Passos Coelho de Átila o Reformador, transmuta-se em Conde Drácula; Portas o
nóvel Maquiavel, passa a Cavaleiro da Triste Figura, enquanto que Gaspar o
mágico da bola de vidro surge como o Grilo Falante da Troika. Assim, recorrendo
às artimanhas do disfarce e do teatro de fantoches, vão produzindo um
espectáculo deplorável, até ao fechar do pano, num palco vazio e sem luz.
Pelo contrário, a
política económica e financeira dos Governos de Vasco Gonçalves era clara e
transparente. Assim, no Relatório Análise e Projecção das Condições
Macroeconómicas em Portugal, de uma missão a Portugal patrocinada pela OCDE e
levada a cabo, entre 15 e 20 de Dezembro de 1975, por três elementos do
Departamento de Economia do MIT, pode ler-se o seguinte: "Para um
observador exterior lendo apenas as tabelas estatísticas nacionais sem uma
palavra acerca da revolução social, o registo do último ano e meio em Portugal
não parece diferente do resto da Europa, com algumas diferenças intrigantes.
Mas os maiores impactos de uma reduzida produção e investimento, deficites da
balança de pagamento e inflação todos parecem familiares e em alguns aspectos
menos sérios para Portugal do que em alguns dos outros países da Europa
Ocidental." E mais adiante "Para um país que recentemente passou por
uma reforma social, uma enorme mudança na sua posição de mercado externo e seis
Governos Revolucionários nos últimos dezanove meses, Portugal goza de uma
inesperada boa saúde económica."
Apesar de amado pelo
povo era anti-populista, não gostando de exibições, mantendo-se sóbrio e
discreto, sendo no entanto capaz de enfrentar as situações adversas com
franqueza e frontalidade, vencendo por vezes a sua timidez com um grande e
efusivo entusiasmo quando pugnava pelas Conquistas da Revolução de Abril. No
livro Companheiro Vasco, escreve--se: "Este General sem basófia,
que tanto aprecia o concreto e o real, este antimaquiavel sereno e irredutível
recusa afável mas definitivamente qualquer asserção passível de cheirar a culto
de personalidade".
Este General que
reconheceu que "o período mais feliz da minha vida, aquele em que me senti
mais realizado foi o período em que fui Primeiro Ministro. Foi o mais criador
da Revolução e é desse período que tenho as maiores compensações."
Para voltar à questão
inicial de avaliar quanto vale a obra de um homem a quem se ficou a dever a
materialização de muitos dos ideais revolucionários de Abril, importa agora
aprofundar o seu pensamento e o sentido do seu combate, seguindo as suas
próprias palavras:
"Para mim é
gratificante o facto de ter despertado sentimentos tão contraditórios porque
isso significa que a política de que procurei ser obreiro estava no caminho
certo da libertação das classes mais desfavorecidas da nossa sociedade, dos
pobres, dos humildes, dos explorados e dos que não têm voz, embora muitos,
talvez a maioria, não tivessem consciência disso.
E estava no caminho
daqueles que, não pertencendo às classes mais desfavorecidas, se identificaram
com os interesses e as suas justas aspirações, que estavam com os interesses da
nossa Pátria, que é o nosso povo."
Como esta posição se
aplica aos dias de hoje.
Daquilo que ficou dito,
veio-me entretanto à memória, a propósito da figura e obra de Vasco Gonçalves,
o poema de Sidónio Muralha:
"Com os pés na
terra,
a quilha que singra,
o arado que rasga,
o rasgo que cria,
vimos o começo,
e o fim dos tiranos,
que outros alarguem
nosso gesto rude
de semeador."
Vasco Gonçalves era de
facto um semeador.
Desde a honestidade
intelectual à firmeza nas convicções, semeou um projecto de liberdade para o
futuro de que não abdicaremos. As pétalas dos cravos de Abril estão a
soltar-se, algumas poderão ser levadas pelos ventos do esquecimento, mas a
semente foi lançada muito fundo, as suas raízes continuarão a iluminar o nosso
pensamento e outros cravos renascerão puros e fortes empunhados pelos nossos
filhos.
VIVA O GENERAL VASCO
GONÇALVES
VIVA PORTUGAL