Intervenção de António Gervásio, na homenagem ao General Vasco Gonçalves








Camaradas e Amigos:

Boa tarde a todos!

Agradeço à direcção da Associação “Conquistas da Revolução” o convite que me fez para participar nesta iniciativa de homenagem à figura destacada e histórica da Revolução do 25 de Abril, General Vasco Gonçalves, o “Companheiro Vasco”, como carinhosamente o nosso povo fala do General.

É justo valorizar esta importante iniciativa num momento em que o povo português sofre a mais brutal ofensiva destruidora, dirigida pelas forças da política de direita, visando pôr fim ao regime democrático nascido com a “Revolução dos Cravos”.

Foi-me proposto falar sobre a Reforma Agrária. Há limites de tempo, resumi o possível.

A ocupação dos latifúndios iniciou-se em Fevereiro de 1975, há 37 anos. A Reforma Agrária foi a realização democrática mais profunda e mais avançada da Revolução de Abril, aquela que mais mexeu com a vida dos trabalhadores e do povo português, aquela que mais portas abriu para uma nova vida sem exploração, uma vida com trabalho, pão, direito e liberdade.

Álvaro Cunhal viveu intensamente a Reforma Agrária. Ele gostava de afirmar: “A Reforma Agrária é a mais bela conquista da Revolução de Abril!”. A vida confirma essa verdade.

Vasco Gonçalves foi um militar revolucionário de Abril, uma figura querida dos trabalhadores e do povo. Viveu com paixão e intenso entusiasmo o processo da Reforma Agrária. Ele conseguia tempo para frequentes visitas à reforma agrária. Várias UCP’s tinham o nome “companheiro Vasco” e “Vasco Gonçalves”. Em sua homenagem, os nomes Vasco Gonçalves e Reforma Agrária vão estar ligados por séculos.

A Reforma Agrária não foi um “roubo de terras” ou um “fracasso”, como acusam os seus inimigos. Não foi um assalto às terras, para cada trabalhador ficar com um bocado de terra.

O operário agrícola não é camponês, não tem espirito de agricultor. Quer a terra para a trabalhar colectivamente, como a Reforma Agrária o demonstrou. O operário agrícola nunca teve terra, a sua única fonte de rendimento é a venda da sua força de trabalho, como um operário da indústria.

A Reforma Agrária não foi uma bandeira que apareceu com o 25 de Abril. A exigência  - a terra a quem a trabalha -, vinha de muitos anos atrás na luta sem tréguas pelo pão, pelo trabalho, pela liberdade, contra a ditadura fascista.

A Reforma Agrária não se pode desligar do processo revolucionário da revolução de Abril, não se pode desligar da existência do grande latifúndio nos campos do sul. Não se pode desligar da existência de um numeroso e concentrado proletariado agrícola na zona do latifúndio, revolucionário, organizado, combativo, com elevada consciência política e com forte influência e organização do PCP. Não se pode falar da Reforma Agrária e dos seus êxitos nos campos do sul, sem falar do papel organizativo e dirigente do PCP. Em geral, as reformas agrárias são um processo longo e conflituoso. A Reforma Agrária de Abril não foi assim. O único grande conflito foi a ofensiva dos governos de política de direita.

O processo da Reforma Agrária não partiu do governo. Todo o desenvolvimento passou ao lado do governo. Não havia lei da Reforma Agrária, foi um processo muito discutido, organizado e dirigido pelo proletariado agrícola, pelos sindicatos agrícolas, pelo PCP.

A Reforma Agrária de Abril, não se encontra nos manuais de economia política. Não é cópia de modelos de outras reformas agrárias. É a Reforma Agrária de Abril, com as suas criações assentes nas realidades do nosso país.

Camaradas e amigos

Importa explicar alguns detalhes. Em meados de 1974 os grandes agrários do sul respondem com maior agressividade ao avanço da revolução. Despedem os trabalhadores, recusam dar trabalho, fazem sabotagem económica – deixam estragar as culturas, deixam morrer o gado à fome, fogem com máquinas e gado para fora da região, etc.
A luta agudizou-se. Surgem perguntas: Que fazer? Nos meses de Outubro/Novembro de 1974 surgem as primeiras ocupações de algumas herdades nos distritos de Beja e Évora. Eram sinais significativos.
Esta situação de intensa luta e discussão conduziu à realização da 1ª Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, convocada pelo PCP, em 9 de Fevereiro de 1975, em Évora.
Participaram na Conferência mais de 4.000 trabalhadores, sindicalistas, agricultores, técnicos e políticos. Álvaro Cunhal participou na discussão. O grito forte na discussão foi “Avante com a Reforma Agrária” e “A Terra a Quem a Trabalha!”
A Conferência encerrou num comício com 30 mil pessoas, vindas de todas as zonas do País. Foi decidido ler as Conclusões da Conferência no comício, no sentido de toda a gente ficar a saber o que foi discutido.
Esta Conferência é histórica. Ela marca o avanço corajoso e organizado da Reforma Agrária. Pela primeira vez na história de Portugal, tirou as terras incultas aos agrários e pô-las a produzir!
Não vamos desenvolver o processo a seguir à Conferência nas localidades, os plenários, as herdades a ocupar, a formação dos colectivos de trabalhadores, a formação das UCP’s, etc.
O avanço da Reforma Agrária foi um processo bonito, sereno, organizado, rápido, sem choques sangrentos, sem oposição de outros trabalhadores e das populações locais. A Reforma Agrária foi aceite com grande entusiasmo e solidariedade das populações. A Reforma Agrária acabou com o flagelo do desemprego nos campos do sul, assegurou trabalho com direitos para todos. Acabou com os latifúndios em muitos concelhos, acabou com a exploração do homem pelo homem nas UCP’s.
Quando falamos de um processo rápido, sereno, de massas e organizado, vejamos alguns dados: Em Julho de 1975, seis meses depois da Conferência, estavam ocupados 500.000 hectares de terra nos campos do sul. No começo de 1976, cerca de um ano depois do avanço, estavam ocupados 1.140.000 hectares, formadas 550 UCP’s e criados 50.000 novos postos de trabalho!
A Reforma Agrária de Abril tomou imediatamente o caminho certo do aumento da produção, o aumento da mecanização da área de regadio, da pecuária, novos ramos de produção como tabaco, beterraba, produção de estufa, estábulos de engorda de bovinos e suínos, etc.
As UCP’s, uma nova criação de gestão da terra, revelaram grande dinamismo, poder de iniciativa e capacidade de produção. Nos primeiros dois anos, antes da grande ofensiva, a Reforma Agrária obteve extraordinários sucessos, como por exemplo:
Área semeada, mais 139,3%
Área de regadio, mais 126%
Máquinas e alfaias, mais 169,6%
Cabeças de gado, mais 112%
Postos de trabalho criados, mais 50.000
Por outro lado, paralelo aos avanços da produção, as UCP’s criaram um conjunto de estruturas sociais para servir as populações e os trabalhadores, como centros de dia para a 3ª Idade, creches, jardins de infância, cantinas, cooperativas de Consumo, talhos, padarias, lagares, adegas, hortas colectivas, transportes, mercados da Reforma Agrária, oficinas mecânicas e outras.
A Reforma Agrária aumentou os salários, o poder de compra. As populações locais, o pequeno comércio e indústria sentiram uma elevada melhoria das suas condições de vida.
A Reforma Agrária ganhou uma forte onde de simpatia e solidariedade em todo o país, ultrapassando as nossas fronteiras.
Nos fins de semana (e durante a semana) dezenas de excursões de todos os cantos do país deslocavam-se à Reforma Agrária para ver, ao vivo, como era. Muitas ofertas de jornadas de trabalho voluntário. Centros operários como Lisboa, Porto, Almada e Setúbal, entre outros, ofereceram máquinas e alfaias agrícolas. Apareceram grupos de médicos a dar apoio clinico à populações locais, grupos de artistas a realizarem espectáculos musicais, como Lopes Graça, Samuel, Vitorino, Carlos do Carmo, Zeca Afonso, Ary dos Santos e vários outros.
A União Soviética, na altura, 1976, ofereceu cerca de 300 máquinas e alfaias agrícolas, A RDA, Bulgária, Checoslováquia e Roménia, ofereceram várias máquinas.
Na Holanda capitalista, um grupo de amigos da Reforma Agrária, fez um pedido de verba ao Parlamento Holandês para uma oficina mecânica. O pedido foi atendido. Essa oficina mecânica foi instalada em Montemor-o-Novo, com o nome “Verde Esperança”.
A Reforma Agrária marca uma nova vida a nascer nos campos do sul. Se em vez de uma ofensiva destruidora, tivéssemos um governo a dar todo o apoio necessário à Reforma Agrária, certamente Portugal não estaria a viver horas amargas como nos dias de hoje…
A Ofensiva Destruidora:
Vejamos alguns aspectos da brutal e criminosa ofensiva. O avanço rápido e organizado, o crescente apoio e solidariedade à reforma Agrária, os seus rápidos sucessos, assustaram as forças da contra-revolução. O golpe de direita do 25 de Novembro alterou a correlação de forças políticas e militares a favor da direita. Travou o avanço da revolução, criou condições para a destruição da Reforma Agrária e de outras conquistas de Abril.
O primeiro Governo constitucional PS/Mário Soares, com Barreto no MAP, iniciou a ofensiva destruidora. Rasgou a lei da Reforma Agrária – 406/A. Fez uma nova lei, a 77/77, a célebre “lei Barreto”, feita à medida para devolver as terras aos agrários. Sucessivos governos, PS ou PSD, com ou sem CDS, puseram em campo poderosos meios militarizados, dirigidos por oficiais superiores, milhares de GNR armados, chaimites, jeeps, cavalos, cães, helicópteros, bastões eléctricos. Os inimigos da Reforma Agrária pensavam resolver a situação em poucos meses. Enganaram-se! A resistência corajosa e heróica dos trabalhadores prolongou-se por mais de 14 anos, numa luta sem tréguas, de dia e de noite, semeando e defendendo, e a ofensiva roubando e destruindo. Nenhuma outra conquista de Abril foi sujeita a uma ofensiva tão longa e tão brutal como a Reforma Agrária!
Num resumido balanço de 8 anos, de 1977 a 1985, a ofensiva tinha dado um golpe de morte na Reforma Agrária. Vejamos, neste espaço de tempo:
·         700.000 hectares das melhores terras roubados
·         220 UCP’s destruídas totalmente
·         244.000 cabeças de gado roubadas
·         200 barragens e habitações roubadas
·         122.000 máquinas e alfaias roubadas
·         Mais de 2.000 homens e mulheres espancados, feridos e sujeitos a julgamentos sumários
A criminosa ofensiva mata dois trabalhadores da Reforma Agrária!
Em 27 de Setembro de 1979, na Herdade de Vale de Nobre, da UCP Bento Gonçalves, em Montemor-o-Novo, a GNR matou, a tiro, José Geraldo (Caravela), militante do PCP e António Maria Casquinha, jovem de 17 anos, membro da JCP. Ambos de Escoural, tinham ido com outros numa delegação de solidariedade à UCP Bento Gonçalves, na defesa de um rebanho de vacas que os agrários tentaram roubar. Estes crimes provocaram uma profunda dor e revolta. No funeral participaram mais de 100.000 pessoas.
A defesa da Reforma Agrária envolveu uma resistência longa e extraordinária. Os trabalhadores agrícolas sentiram a Reforma Agrária como obra sua.
Algumas referências de grandes lutas no espaço de dois anos, entre 1977 e 1979:
·         600.000 trabalhadores da Reforma Agrária participaram em greves, concentrações e manifestações de rua;
·         Os sindicatos agrícolas do sul, com cerca de 112.000 sócios, realizaram mais de 2.000 plenários;
·         Em Maio de 1979 uma delegação das UCP’s entregou na Assembleia da República um abaixo-assinado com 277.000 assinaturas, exigindo o fim da ofensiva.
Mais tarde, em 10 de Março de 1987, as UCP’s da Reforma Agrária organizaram uma marcha para Lisboa, com 6.000 trabalhadores, 273 tractores e 600 outras máquinas agrícolas, num desfile de quilómetros. As barreiras da GNR não conseguiram impedir que a marcha entrasse nas ruas de Lisboa, já de noite, com calorosos aplausos da população de Lisboa.
Camaradas e Amigos, para terminar:
A resistência heróica, a luta corajosa de mais de 14 anos não conseguiram impedir a destruição criminosa da mais bela conquista de Abril. A ofensiva destruiu-a!
Em 1990, a Reforma Agrária estava praticamente destruída. O que restava, já pouco tinha a ver com a reforma Agrária de Abril…
Os sucessivos governos de política de direita, destruíram a Reforma Agrária e destruíram também a agricultura nos campos do sul. As terras foram devolvidas aos grandes proprietários. Os latifúndios foram reconstruídos.
Actualmente a terra do latifúndio está mais concentrada e mais inculta. As grandes herdades estão cheias de coutadas e cercas de arame farpado, com alguns rebanhos de gado subsidiados. Não se vê desenvolvimento nem emprego. As águas do lago do Alqueva não servem a agricultura, correm para o oceano. A soberania nacional cada dia está mais comprometida.
Os campos do Alentejo e do Ribatejo sofrem hoje o mais terrível despovoamento e envelhecimento da sua história. A população alentejana ronda, nos dias de hoje, os números de 1911.
As calamidades que flagelam os campos do sul e as suas populações não caíram do céu. São filhas da política de direita, da política de destruição e retrocesso ao serviço do alto capital explorador.
Qual é o caminho alternativo à política de destruição e retrocesso?
O caminho certo é, a nosso ver:
·         Pôr fim ao latifúndio. Pôr a terra a produzir
·         Realizar uma nova Reforma Agrária que entregue a terra a quem a trabalha!
Contudo, não deve haver ilusões! As forças de direita, enfeudadas ao capital e aos senhores da terra, não vão mexer no latifúndio secular.
Não há Reforma Agrária triunfante onde o poder central esteja contra. É essa a lição viva colhida da Reforma Agrária de Abril
A Reforma Agrária só triunfará com a formação de um governo de esquerda e patriótico, que tenha no seu programa a Reforma Agrária, servir os interesses dos trabalhadores, do povo e do país.
A Reforma Agrária é necessária. É uma exigência nacional e inadiável dos nossos dias. É parte integrante do progresso, da democracia e da liberdade. É necessário que todas as forças progressistas do país reivindiquem mais constantemente e mais profundamente o fim do latifúndio.
Portugal de Abril precisa de uma nova Reforma Agrária que entregue a terra a quem a trabalha!
Viva a Reforma Agrária!