EVOCANDO ABRIL
Pouco mais de um mês passado do 25 de ABRIL de 74, instala-se em sede própria o MDP/CDE, em Ponta Delgada. Todas as noites lá se juntavam muitos jovens militares e antifascistas da terra, com provas dadas de luta e que com eles queríamos aprender tudo. Dos frequentadores, havia de todos os géneros: desde um arquitecto, trotskista, neto de Keil do Amaral, que os seus óculos redondinhos não enganavam, jovens maoistas, revolucionários, convictos da revolução cultural e outros como eu.
O
MDP/CDE, antecipando-se à dinamização cultural do MFA, inicia logo algumas
sessões de esclarecimento, junto ao povo profundamente religioso e pouco
reivindicativo ou ainda medroso por tudo o que pudesse vir a acontecer,
avisados pelo Senhor pároco da freguesia.
Numa
dessas primeiras sessões por terras do concelho de Nordeste eu fazia parte da
mesa, apenas e ainda a aprender e pouco interventivo.
Os
homens falavam das suas preocupações, do pouco valor de venda do leite às
queijarias, tal como o preço da beterraba vendida à fábrica de açúcar e da
dificuldade do escoamento da batata pela abundância dela, naquele ano, quando,
já no final, temos uma única intervenção de uma senhora com muita idade, de
xaile preto sobre a cabeça a queixar-se do aumento do preço do açúcar para
açucarar os seus dias e o seu café de cevada, principal alimento dela
acompanhando uma côdea de pão: uns dias mais seca, outros dias mais mole.
Pela
minha ascendência rural, a senhora comoveu-me muito tanto pela sua coragem de
falar “em terra de homens”, como pela sua pobreza e intervenho de rompante,
tendo sido mimoseado com a maior salva de palmas daquela noite e parece-me que
da minha vida, numa ou outra intervenção que tenha feito.
Já
não me recordo o teor da intervenção, mas se a recordasse, hoje diria que teria
sido uma intervenção populista duma esquerda inconsequente. Talvez!
Mas
quando estamos com o povo, fazendo parte desse povo traído na revolução,
precário, explorado de baixos salários que não dão para o “açúcar” de todos os
dias não há pároco algum de qualquer freguesia que nos ou vos amedronte. E,
hoje, passados 46 anos faço uso das palavras do General Vasco Gonçalves:
“O FUTURO COM QUE SONHEI NÃO É CADA VEZ MAIS
SAUDADE, É, SIM, CADA VEZ MAIS NECESSIDADE IMPERIOSA. ASSIM O POVO O COMPREENDA”
Manuel Carvalho
(Vogal da Direcção da ACR)