Intervenção de António Gervásio, na homenagem ao General Vasco Gonçalves








Camaradas e Amigos:

Boa tarde a todos!

Agradeço à direcção da Associação “Conquistas da Revolução” o convite que me fez para participar nesta iniciativa de homenagem à figura destacada e histórica da Revolução do 25 de Abril, General Vasco Gonçalves, o “Companheiro Vasco”, como carinhosamente o nosso povo fala do General.

É justo valorizar esta importante iniciativa num momento em que o povo português sofre a mais brutal ofensiva destruidora, dirigida pelas forças da política de direita, visando pôr fim ao regime democrático nascido com a “Revolução dos Cravos”.

Foi-me proposto falar sobre a Reforma Agrária. Há limites de tempo, resumi o possível.

A ocupação dos latifúndios iniciou-se em Fevereiro de 1975, há 37 anos. A Reforma Agrária foi a realização democrática mais profunda e mais avançada da Revolução de Abril, aquela que mais mexeu com a vida dos trabalhadores e do povo português, aquela que mais portas abriu para uma nova vida sem exploração, uma vida com trabalho, pão, direito e liberdade.

Álvaro Cunhal viveu intensamente a Reforma Agrária. Ele gostava de afirmar: “A Reforma Agrária é a mais bela conquista da Revolução de Abril!”. A vida confirma essa verdade.

Vasco Gonçalves foi um militar revolucionário de Abril, uma figura querida dos trabalhadores e do povo. Viveu com paixão e intenso entusiasmo o processo da Reforma Agrária. Ele conseguia tempo para frequentes visitas à reforma agrária. Várias UCP’s tinham o nome “companheiro Vasco” e “Vasco Gonçalves”. Em sua homenagem, os nomes Vasco Gonçalves e Reforma Agrária vão estar ligados por séculos.

A Reforma Agrária não foi um “roubo de terras” ou um “fracasso”, como acusam os seus inimigos. Não foi um assalto às terras, para cada trabalhador ficar com um bocado de terra.

O operário agrícola não é camponês, não tem espirito de agricultor. Quer a terra para a trabalhar colectivamente, como a Reforma Agrária o demonstrou. O operário agrícola nunca teve terra, a sua única fonte de rendimento é a venda da sua força de trabalho, como um operário da indústria.

A Reforma Agrária não foi uma bandeira que apareceu com o 25 de Abril. A exigência  - a terra a quem a trabalha -, vinha de muitos anos atrás na luta sem tréguas pelo pão, pelo trabalho, pela liberdade, contra a ditadura fascista.

A Reforma Agrária não se pode desligar do processo revolucionário da revolução de Abril, não se pode desligar da existência do grande latifúndio nos campos do sul. Não se pode desligar da existência de um numeroso e concentrado proletariado agrícola na zona do latifúndio, revolucionário, organizado, combativo, com elevada consciência política e com forte influência e organização do PCP. Não se pode falar da Reforma Agrária e dos seus êxitos nos campos do sul, sem falar do papel organizativo e dirigente do PCP. Em geral, as reformas agrárias são um processo longo e conflituoso. A Reforma Agrária de Abril não foi assim. O único grande conflito foi a ofensiva dos governos de política de direita.

O processo da Reforma Agrária não partiu do governo. Todo o desenvolvimento passou ao lado do governo. Não havia lei da Reforma Agrária, foi um processo muito discutido, organizado e dirigido pelo proletariado agrícola, pelos sindicatos agrícolas, pelo PCP.

A Reforma Agrária de Abril, não se encontra nos manuais de economia política. Não é cópia de modelos de outras reformas agrárias. É a Reforma Agrária de Abril, com as suas criações assentes nas realidades do nosso país.

Camaradas e amigos

Importa explicar alguns detalhes. Em meados de 1974 os grandes agrários do sul respondem com maior agressividade ao avanço da revolução. Despedem os trabalhadores, recusam dar trabalho, fazem sabotagem económica – deixam estragar as culturas, deixam morrer o gado à fome, fogem com máquinas e gado para fora da região, etc.
A luta agudizou-se. Surgem perguntas: Que fazer? Nos meses de Outubro/Novembro de 1974 surgem as primeiras ocupações de algumas herdades nos distritos de Beja e Évora. Eram sinais significativos.
Esta situação de intensa luta e discussão conduziu à realização da 1ª Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, convocada pelo PCP, em 9 de Fevereiro de 1975, em Évora.
Participaram na Conferência mais de 4.000 trabalhadores, sindicalistas, agricultores, técnicos e políticos. Álvaro Cunhal participou na discussão. O grito forte na discussão foi “Avante com a Reforma Agrária” e “A Terra a Quem a Trabalha!”
A Conferência encerrou num comício com 30 mil pessoas, vindas de todas as zonas do País. Foi decidido ler as Conclusões da Conferência no comício, no sentido de toda a gente ficar a saber o que foi discutido.
Esta Conferência é histórica. Ela marca o avanço corajoso e organizado da Reforma Agrária. Pela primeira vez na história de Portugal, tirou as terras incultas aos agrários e pô-las a produzir!
Não vamos desenvolver o processo a seguir à Conferência nas localidades, os plenários, as herdades a ocupar, a formação dos colectivos de trabalhadores, a formação das UCP’s, etc.
O avanço da Reforma Agrária foi um processo bonito, sereno, organizado, rápido, sem choques sangrentos, sem oposição de outros trabalhadores e das populações locais. A Reforma Agrária foi aceite com grande entusiasmo e solidariedade das populações. A Reforma Agrária acabou com o flagelo do desemprego nos campos do sul, assegurou trabalho com direitos para todos. Acabou com os latifúndios em muitos concelhos, acabou com a exploração do homem pelo homem nas UCP’s.
Quando falamos de um processo rápido, sereno, de massas e organizado, vejamos alguns dados: Em Julho de 1975, seis meses depois da Conferência, estavam ocupados 500.000 hectares de terra nos campos do sul. No começo de 1976, cerca de um ano depois do avanço, estavam ocupados 1.140.000 hectares, formadas 550 UCP’s e criados 50.000 novos postos de trabalho!
A Reforma Agrária de Abril tomou imediatamente o caminho certo do aumento da produção, o aumento da mecanização da área de regadio, da pecuária, novos ramos de produção como tabaco, beterraba, produção de estufa, estábulos de engorda de bovinos e suínos, etc.
As UCP’s, uma nova criação de gestão da terra, revelaram grande dinamismo, poder de iniciativa e capacidade de produção. Nos primeiros dois anos, antes da grande ofensiva, a Reforma Agrária obteve extraordinários sucessos, como por exemplo:
Área semeada, mais 139,3%
Área de regadio, mais 126%
Máquinas e alfaias, mais 169,6%
Cabeças de gado, mais 112%
Postos de trabalho criados, mais 50.000
Por outro lado, paralelo aos avanços da produção, as UCP’s criaram um conjunto de estruturas sociais para servir as populações e os trabalhadores, como centros de dia para a 3ª Idade, creches, jardins de infância, cantinas, cooperativas de Consumo, talhos, padarias, lagares, adegas, hortas colectivas, transportes, mercados da Reforma Agrária, oficinas mecânicas e outras.
A Reforma Agrária aumentou os salários, o poder de compra. As populações locais, o pequeno comércio e indústria sentiram uma elevada melhoria das suas condições de vida.
A Reforma Agrária ganhou uma forte onde de simpatia e solidariedade em todo o país, ultrapassando as nossas fronteiras.
Nos fins de semana (e durante a semana) dezenas de excursões de todos os cantos do país deslocavam-se à Reforma Agrária para ver, ao vivo, como era. Muitas ofertas de jornadas de trabalho voluntário. Centros operários como Lisboa, Porto, Almada e Setúbal, entre outros, ofereceram máquinas e alfaias agrícolas. Apareceram grupos de médicos a dar apoio clinico à populações locais, grupos de artistas a realizarem espectáculos musicais, como Lopes Graça, Samuel, Vitorino, Carlos do Carmo, Zeca Afonso, Ary dos Santos e vários outros.
A União Soviética, na altura, 1976, ofereceu cerca de 300 máquinas e alfaias agrícolas, A RDA, Bulgária, Checoslováquia e Roménia, ofereceram várias máquinas.
Na Holanda capitalista, um grupo de amigos da Reforma Agrária, fez um pedido de verba ao Parlamento Holandês para uma oficina mecânica. O pedido foi atendido. Essa oficina mecânica foi instalada em Montemor-o-Novo, com o nome “Verde Esperança”.
A Reforma Agrária marca uma nova vida a nascer nos campos do sul. Se em vez de uma ofensiva destruidora, tivéssemos um governo a dar todo o apoio necessário à Reforma Agrária, certamente Portugal não estaria a viver horas amargas como nos dias de hoje…
A Ofensiva Destruidora:
Vejamos alguns aspectos da brutal e criminosa ofensiva. O avanço rápido e organizado, o crescente apoio e solidariedade à reforma Agrária, os seus rápidos sucessos, assustaram as forças da contra-revolução. O golpe de direita do 25 de Novembro alterou a correlação de forças políticas e militares a favor da direita. Travou o avanço da revolução, criou condições para a destruição da Reforma Agrária e de outras conquistas de Abril.
O primeiro Governo constitucional PS/Mário Soares, com Barreto no MAP, iniciou a ofensiva destruidora. Rasgou a lei da Reforma Agrária – 406/A. Fez uma nova lei, a 77/77, a célebre “lei Barreto”, feita à medida para devolver as terras aos agrários. Sucessivos governos, PS ou PSD, com ou sem CDS, puseram em campo poderosos meios militarizados, dirigidos por oficiais superiores, milhares de GNR armados, chaimites, jeeps, cavalos, cães, helicópteros, bastões eléctricos. Os inimigos da Reforma Agrária pensavam resolver a situação em poucos meses. Enganaram-se! A resistência corajosa e heróica dos trabalhadores prolongou-se por mais de 14 anos, numa luta sem tréguas, de dia e de noite, semeando e defendendo, e a ofensiva roubando e destruindo. Nenhuma outra conquista de Abril foi sujeita a uma ofensiva tão longa e tão brutal como a Reforma Agrária!
Num resumido balanço de 8 anos, de 1977 a 1985, a ofensiva tinha dado um golpe de morte na Reforma Agrária. Vejamos, neste espaço de tempo:
·         700.000 hectares das melhores terras roubados
·         220 UCP’s destruídas totalmente
·         244.000 cabeças de gado roubadas
·         200 barragens e habitações roubadas
·         122.000 máquinas e alfaias roubadas
·         Mais de 2.000 homens e mulheres espancados, feridos e sujeitos a julgamentos sumários
A criminosa ofensiva mata dois trabalhadores da Reforma Agrária!
Em 27 de Setembro de 1979, na Herdade de Vale de Nobre, da UCP Bento Gonçalves, em Montemor-o-Novo, a GNR matou, a tiro, José Geraldo (Caravela), militante do PCP e António Maria Casquinha, jovem de 17 anos, membro da JCP. Ambos de Escoural, tinham ido com outros numa delegação de solidariedade à UCP Bento Gonçalves, na defesa de um rebanho de vacas que os agrários tentaram roubar. Estes crimes provocaram uma profunda dor e revolta. No funeral participaram mais de 100.000 pessoas.
A defesa da Reforma Agrária envolveu uma resistência longa e extraordinária. Os trabalhadores agrícolas sentiram a Reforma Agrária como obra sua.
Algumas referências de grandes lutas no espaço de dois anos, entre 1977 e 1979:
·         600.000 trabalhadores da Reforma Agrária participaram em greves, concentrações e manifestações de rua;
·         Os sindicatos agrícolas do sul, com cerca de 112.000 sócios, realizaram mais de 2.000 plenários;
·         Em Maio de 1979 uma delegação das UCP’s entregou na Assembleia da República um abaixo-assinado com 277.000 assinaturas, exigindo o fim da ofensiva.
Mais tarde, em 10 de Março de 1987, as UCP’s da Reforma Agrária organizaram uma marcha para Lisboa, com 6.000 trabalhadores, 273 tractores e 600 outras máquinas agrícolas, num desfile de quilómetros. As barreiras da GNR não conseguiram impedir que a marcha entrasse nas ruas de Lisboa, já de noite, com calorosos aplausos da população de Lisboa.
Camaradas e Amigos, para terminar:
A resistência heróica, a luta corajosa de mais de 14 anos não conseguiram impedir a destruição criminosa da mais bela conquista de Abril. A ofensiva destruiu-a!
Em 1990, a Reforma Agrária estava praticamente destruída. O que restava, já pouco tinha a ver com a reforma Agrária de Abril…
Os sucessivos governos de política de direita, destruíram a Reforma Agrária e destruíram também a agricultura nos campos do sul. As terras foram devolvidas aos grandes proprietários. Os latifúndios foram reconstruídos.
Actualmente a terra do latifúndio está mais concentrada e mais inculta. As grandes herdades estão cheias de coutadas e cercas de arame farpado, com alguns rebanhos de gado subsidiados. Não se vê desenvolvimento nem emprego. As águas do lago do Alqueva não servem a agricultura, correm para o oceano. A soberania nacional cada dia está mais comprometida.
Os campos do Alentejo e do Ribatejo sofrem hoje o mais terrível despovoamento e envelhecimento da sua história. A população alentejana ronda, nos dias de hoje, os números de 1911.
As calamidades que flagelam os campos do sul e as suas populações não caíram do céu. São filhas da política de direita, da política de destruição e retrocesso ao serviço do alto capital explorador.
Qual é o caminho alternativo à política de destruição e retrocesso?
O caminho certo é, a nosso ver:
·         Pôr fim ao latifúndio. Pôr a terra a produzir
·         Realizar uma nova Reforma Agrária que entregue a terra a quem a trabalha!
Contudo, não deve haver ilusões! As forças de direita, enfeudadas ao capital e aos senhores da terra, não vão mexer no latifúndio secular.
Não há Reforma Agrária triunfante onde o poder central esteja contra. É essa a lição viva colhida da Reforma Agrária de Abril
A Reforma Agrária só triunfará com a formação de um governo de esquerda e patriótico, que tenha no seu programa a Reforma Agrária, servir os interesses dos trabalhadores, do povo e do país.
A Reforma Agrária é necessária. É uma exigência nacional e inadiável dos nossos dias. É parte integrante do progresso, da democracia e da liberdade. É necessário que todas as forças progressistas do país reivindiquem mais constantemente e mais profundamente o fim do latifúndio.
Portugal de Abril precisa de uma nova Reforma Agrária que entregue a terra a quem a trabalha!
Viva a Reforma Agrária!


Intervenção de Armando Farias da CGTP-IN, na Homenagem ao General Vasco Gonçalves




Caros Amigos, Camaradas,

Alguém disse um dia que Vasco Gonçalves era um Homem de Verdade e da Verdade.
Todos nós sabemoscomo este simples vocábulo está tão desvalorizado, principalmente nestes tempos em que impera o deus mercado e a religião do dinheiro, da corrupção e do nepotismo é negóciopróspero para as classes dominantes.
E, no entanto, falar hoje do Homem de verdade que foi o General Vasco Gonçalves é redescobrir a palavra e compreender em toda a sua complexidade a natureza, os princípios e as características que enformam toda uma vida de autenticidade e de dedicação à pátria e ao seu povo.
Sobre a dimensão histórica deste extraordinário militar de Abril, outros camaradas aqui presentes se pronunciarão com mais conhecimento, talento e rigor. Como sindicalista, simplesmente quero aqui deixar testemunho, nesta merecida homenagem a Vasco Gonçalves, quanto relevante para o futuro dos trabalhadores, do povo e do país, foi o seu papel enquanto primeiro-ministro do II ao V governos provisórios e, também desta forma, honrar a memória deste companheiro que nunca abandonou os ideais do socialismo, nunca traíu os que nele confiaram, nunca desistiu de lutar pelas transformações políticas, económicas e sociais que tirassem Portugal dos atrasos acumulados em meio século de ditadura fascista e doze anos de guerras coloniais. Pelo contrário, homem de coragem e de grande carácter, mesmo nas fases mais críticas do processo da revolução portuguesa permaneceu sempre nas primeiras linhas do combate.
A humanidade de Vasco Gonçalves, os valores éticos que perfilhava, a disciplina revolucionária que orientava a sua acção patriótica estão presentes neste breve trecho do brilhante discurso que proferiu na Academia Militar, no início de Dezembro de 1974, sobre as relações entre os militares e a vida política.Disse o General aos seus pares: «A disciplina exterior deve ser consequência da disciplina interior. Doutro modo não é disciplina. No meu tempo cultivava-se muito a disciplina exterior. É necessário que os oficiais andem bem uniformizados, bem engraxados, com os botões limpos. Mas é muito mais necessário que andem com as consciências tranquilas e senhores dos seus deveres para com a Pátria. (…) E no meu tempo havia gente que dava relevo às botas em relação à consciência. (…) O homem antes de ser militar é um cidadão. Todo o cidadão é político. Essa coisa de se dizer que os militares são apolíticos é falsa. (…) Tenham uma grande confiança, não obstante todas as dificuldadesque temos, todos os inimigos que temos. Tenham uma grande confiança no futuro da nossa Pátria, porque está a ser forjada por todos nós, e isso é necessário que seja feito, que a Pátria possa ser forjada por todos os portugueses»
Estas palavras e Vasco Gonçalves tinham plena justificação uma vez que a revolução de Abril, sendo uma obra colectivadas forças democráticas que combateram o fascismo, foi desde início o alvo da conspiraçãocontra-revolucionária. Nesta conspiração participaram os sectores neocolonialistas instalados nas forças armadas, em aliança com as forças reaccionárias onde se agruparam os grupos monopolistas e os grandes latifundiáriosrepresentadas pelos partidos de direita nos governos provisórios,os quais se serviram da pesada herança deixada pelas estruturas fascistas para sabotarem economicamente as empresas, promoverem a fuga de capitais para fora do país e desestabilizarem o curso da revolução.
Mas a contra-revolução obteve, ainda, o apoio decisivo de outras forças,de cariz social-democratizante, como foi o caso do partido socialista que, não comparecendoàs etapas importantes da luta antifascista, veio a assumir no período pós-revolução, a direcção da política de recuperação capitalista.
     Apesar de todas as manobras conspiratórias, foi durante os quatro governos presididos por Vasco Gonçalves que se operaram as grandes transformações: no plano político, procedeu-se à descolonização e à democratização do país, com a conquista das liberdades públicas (de imprensa, de associação, de reunião, de manifestação) e da organização democrática do estado; ao nível económico, com as nacionalizações, o controlo de gestão e a reforma agrária; no âmbito social, com importantes direitos laborais e sociais conquistados pelos trabalhadores, como são exemplos o estabelecimento do salário mínimo, o subsídio de férias e o subsídio de Natal e, também, com as reformas que definiram as grandes obrigações sociais do Estado: um sistema de segurança social destinado a proteger os cidadãos na doença, velhice, invalidez, viuvez e orfandade; um serviço nacional de saúde, universal, geral e gratuito; uma política de habitação para assegurar a cada família uma habitação condigna; uma escola pública, no sentido de garantir o acesso ao ensino básico, obrigatório e gratuito.
A revolução de Abril também operou uma profunda revolução cultural, pondo fim a décadas de um regime obscurantista e retrógrado. Com a instauração das liberdades e  a intervenção dos intelectuais e das massas populares na construção de uma vida nova, abriu-se caminho à alteração das mentalidades, ao desenvolvimento cultural e à afirmação de valores humanistas.
Todas estas realizações foram aprovadasna Assembleia Constituinte. Inspiradas no Programa do MFA, ainda hoje identificam a matriz criada com o 25 de Abril, e a sua consagração no texto Constitucional, apesar das mutilações de que tem sido alvo pelos inimigos confessos da revolução, constitui testemunho da força que continuam a ter no coração dos trabalhadores e do povo, sendo justamente chamadas Conquistas da Revolução.
Importa, no entanto, ter presente que no quadro complexo das relações das forças político-militares representadas no governo e outras instâncias do poder político e militar provisório, a acção convergente das massas populares com os militares revolucionários foi determinante para a evolução do curso revolucionário. A Aliança Povo-MFArevelou-se, neste caso, como mais uma singularidade de extraordinária importância no processo revolucionário em Portugal.
     Vasco Gonçalves, primeiro-ministro, sofreu injúrias efoi sujeito a intimidações e ultimatos. O ódio dos capitalistas e latifundiários contra os defensores da revolução era tão grande que, organizados em torno das organizações contra-revolucionárias da CAP, da CIP, do ELP, apoiadas logística e operacionalmente pela CIA, perpetraram inúmeros actos terroristas no país. Precisamente no mesmo dia de hoje, em 30 de Junho de 1976, a sede da Intersindical foi também alvo de um atentado bombista. Mas Vasco Gonçalves, homem corajoso, não abandonou o seu posto de combate nem fugiu ao confronto, enfrentou destemidamente os golpistas do 28 de Setembro e do 11 de Março, manteve-se sempre do lado certo, sempre ao lado dos trabalhadores e do seu povo.
     Álvaro Cunhal, na sua obra “A verdade e Mentira na Revolução de Abril – a contra-revolução confessa-se”, escreve: «Vasco Gonçalves era particularmente visado. A reacção não lhe perdoava ser coerente e corajoso e ter desempenhado importante papel para as derrotas das forças reaccionárias, para a conquista das liberdades e da democracia».
     O próprio General, em entrevista ao “militante”, de Abril de 1999, depois de lhe ter sido perguntado como foi possível concretizar, nesse quadro tão explosivo, avanços tão extraordinários, responde desta maneira: «O contexto era o do Povo-MFA. Havia a necessidade imperiosa de fazer a descolonização contra os obstáculos levantados pelas facções neocolonialistas. Vivíamos um clima de sabotagem e oposição dos meios económicos dominantes: tinham perdido o poder político, mas mantinham o económico, facto que lhes permitia desorganizar a actividade económica, promover a fuga de divisas, o desemprego, etc., lutar de várias formas contra a nova ordem democrática».
     Vasco Gonçalves tinha, na verdade, uma ideia muito clara de que as transformações sociais e as conquistas revolucionárias só seriam possíveis pela luta dos trabalhadores e acção determinante das massas populares. Homem culto e de elevada consciência de classe, conhecedor do papel histórico dos trabalhadores e do movimento sindical português no desenvolvimento das lutas reivindicativas e da contestação à ditadura, o General compreendia que esta era a força motora da revolução, na base da qual se poderiam superar as contradições existentes no aparelho político-militar e avançar no processo revolucionário, através da acção conjugada das massas populares e do Movimento das Forças Armadas.
Na realidade, quer o levantamento popular, logo após o golpe militar, quer as gigantescas manifestações unitárias do 1º de Maio de  1974 convocadas pela Intersindical no curto espaço de uma semana, deram expressão à imensa força autónoma e independente do movimento operário e popular, afirmando-o como uma poderosa realidade da vida nacional à qual estava reservado um papel determinante no curso da revolução portuguesa.
Entretanto, perante a tentativa de alguns escribas em reescrever a História, é preciso lembrar que esse papel desempenhado pela classe operária e o movimento popular é inseparável do seu percurso de décadas de duras lutas sociais e políticas contra o regime fascista e, é Inseparável também, da furiosa campanha que ontem, como hoje, foi e é lançada contraas forças progressistas e revolucionárias que se identificam, apoiam e lutam pelo reforço da unidade da classe operária e de todos os trabalhadores.
Mas a confiança e esperança que Vasco Gonçalves depositava na acção criadora das massas trabalhadoras, pode ver-se, também, no apelo sobre o papel destes na batalha da produção, apelo publicado em 7 de Maio de 1975 no órgão informativo da Intersindical Nacional, no Jornal “Alavanca”: «Estes obstáculos que vencemos ensinam-nos muita coisa. Principalmente, que cada dificuldade que se nos depara, depois de vencida, é um passo em frente que damos: nós avançamos combatendo os nossos inimigos. Foi o vencer-se a crise Palma Carlos que criou condições para o reconhecimento do direito dos povos à autodeterminação e independência, facto que trouxe de imediato, ao Povo Português e aos povos das antigas colónias, o fim da guerra. Foi ovencer-se o 28 de Setembro que estreitou a aliança Povo-MFA, criando condições para uma maior clarificação do processo revolucionário.(…)Foi o vencer-se o 11 de Março que deu novo impulso à revolução, levando a nova Assembleia do MFA, reunida nessa noite, com a presença de oficiais, sargentos e praças, a abrir caminho para as grandes medidas que se seguiram: Instituição do MFA, criação do Conselho da Revolução, decisão da nacionalização da Banca, dos Seguros e sectores básicos da nossa economia, início da reforma Agrária e definição da opção Socialista para a Revolução Portuguesa. (…) O 11 de Março criou também condições mais favoráveis ao Povo Português no campo político e económico, condição para que, como diz o Conselho da Revolução, “os trabalhadores sintam que a economia já não lhes é estranha, ou seja, que a construção socialista da economia é tarefa deles e para eles. Isto implica a afirmação clara do princípio do controlo organizado da produção pelos trabalhadores para objectivos de produção e eficiência, coordenadas pelos órgãos centrais do planeamento. (…) Estamos caldeados pela luta, como acabamos de ver, e não são as dificuldades que nos metem medo, pois, ultrapassadas que sejam, andamos para a frente».  
    Era, assim, o companheiro Vasco. Homem vertical que esconjurava a pseudo-neutralidade, de uma pureza sem igual que o levava a dizer com absoluta sinceridade que «…a maior alegria da sua vida tinha sido participar no 25 de Abril e viver aqueles momentos como primeiro-ministro».
     A exaltação de Vasco Gonçalves por ter protagonizado um dos mais belos períodos da nossa História recente, está na razão inversa dos ódios lançadas por todos aqueles que,conspirando contra as conquistas  sociais e as transformações económicas em curso, o caluniaram de aventureiro. Do mesmo modo, aliás, que também caluniavam a acção das forças revolucionárias, nomeadamente os comunistas e a Intersindical, a quem acusavam de voluntarismo revolucionário. A falsidade destes ataques mostra, afinal, como foi certeira e bem dirigida ao coração do grande capital nacional e imperialista a acção revolucionária de desmantelamento da base económica da ditadura.
De facto, as nacionalizações, tal como o controlo operário e a gestão das empresas pelos trabalhadores, surgiram não apenas como uma necessidade de defender e dinamizar as actividades económicas paralisadas ou comprometidas pela sabotagem  dos inimigos de classe mas, também, como uma necessidade para defender as liberdades e a democracia que estavam em processo de instauração, perante a agudização da luta de classes.
À nacionalização da Banca logo na noite de 13 para 14 de Março de 1975, como resposta ao comprometimento directo no golpe do 11 de Março dos grandes capitalistas e agrários, seguiram-se a nacionalização de outros importantes sectores e empresas da economia – seguros, electricidade, petróleo e petroquímica, siderurgia, cimentos e vidro, pirites, adubos, construção naval, transportes terrestres, marítimos e aéreos, entre outros. No final de 1975 o número de empresas nacionalizadas era cerca de 250, a que se juntavam outras tantas que estavam sob intervenção do Estado.
No discurso que dirigiu aos delegados ao Congresso dos Sindicatos, realizado em Julho de 1975, Vasco Gonçalves mais uma vez enaltece a iniciativa dos trabalhadores no processo das nacionalizações e salienta o valor da unidade como um princípio fundamental para a defesa dos seus interesses de classe: «Esta luta é ume luta de morte contra o capitalismo. As formas a que recorre o grande capital, quer o nacional quero internacional, para travar este processo, são múltiplas. É preciso ter uma actuação permanente. É preciso ter muita firmeza, espírito de sacrifício, estar-se disposto a entregar-setotalmente à Pátria e ao Povo. Vós tendes um papel fundamental a desempenhar como vanguarda dos trabalhadores. Cada um de vós, quando sair daqui, deve ser um pólo de irradiação das ideias que aqui foram expostas, um pólo de irradiação da vigilância popular. Deveis combater intensamente o divisionismo nas vossas fileiras, E eu tenho uma grande alegria por saber que este Congresso em decorrido sob o signo da unidade».
Amigos e camaradas,
Procurei com este modesto testemunho traçar um breve retrato de Vasco Gonçalves, do enorme contributo que deu ao desenvolvimento do processo revolucionário, do homem verdadeiro que até ao fim dos seus dias nunca desistiu ou renegou o seu compromisso com os trabalhadores, com o povo, com a verdade.
Homem lúcido, dizendo por vezes que estava ele próprio em permanente revolução, tinha uma ética de tal modo irrepreensível que o levava a dizer também que, por amor à verdade, reconhecia ser muito difícil uma pessoa despojar-se inteiramente da sua condição de classe e interessar-se sem vacilações pelos problemas dos mais desfavorecidos, dos mais pobres, ser coerentemente revolucionário até ao fim.
O mesmo Homem generoso que muitos anos depois, mantendo-se coerentemente revolucionário, disse que se não tivesse participado no 25 de Abril, se a queda do fascismo lhe passasse ao lado, ficaria com um desgosto para toda a vida.
O exemplo de Vasco Gonçalves deve inspirar-nos a continuar a luta.
É certo que o processo iniciado a 25 de Abril foi uma revolução inacabada. A contra-revolução travou o processo de desenvolvimento da sociedade portuguesa visando o aprofundamento da democracia nas suas várias vertentes. A greve crise económica que o país está hoje a viver, e as suas consequências no plano político, social e cultural, resulta da ofensiva capitalista prosseguida pelos sucessivos governos do PS, PSD e CDS/PP nos últimos 36 anos, assentes na destruição dos sectores produtivos, no desaproveitamento dos recursos nacionais e na alienação de empresas e sectores estratégicos. Esta ofensiva consubstancia a posição ideológica de uma classe dominante que despreza e submete os interesses de Portugal e do povo português aos interesses particulares dos grupos económicos e financeiros, nacionais e estrangeiros.  
A calamidade do desemprego, que atinge mais de um milhão e 200 mil trabalhadores e trabalhadoras, dos quais 800 mil estão a sobreviver sem qualquer protecção social; a quebra brutal dos salários e o aumento insuportável do custo de vida, das rendas de casa, que já pôs mais de três milhões de portugueses na extrema miséria ou e situação de grave carência económica; o ataque feroz às funções socias do Estado (Segurança Social, Saúde, Educação), visando o seu desmantelamento e privatização, assim como a ofensiva contra o Poder Local Democrático; as alterações da legislação laboral, com o objectivo de aumentar a exploração dos trabalhadores e fazer diminuir ainda mais os salários, agravando o empobrecimento das famílias, são consequência da política de direita levada a cabo por aqueles partidos.
Só a ruptura com o sistema capitalista pode impedir o prosseguimento desta política e evitar mais destruição para o país e mais sacrifícios e miséria para o povo. A experiência histórica mostra que o capitalismo está roído por contradições insolúveis, que não consegue resolver os mais graves problemas da humanidade e que agrava dia a dia a sua natureza exploradora, opressora e agressiva.
Saudando e evocando a memória de Vasco Gonçalves, nós afirmamos que o socialismo continua a ser a única alternativa histórica ao capitalismo e a mais válida esperança da humanidade. Com esse objectivo, a grande questão da actualidade política e do nosso futuro colectivo é a intensificação da luta pela exigência de uma ruptura com apolíticade direita e a construção de um novo rumo para Portugal.
Vasco Gonçalves,foi o homem verdadeiro cujaparticipação decisiva na Revolução de Abril ficará para sempre gravada na nossa História. Foi o Homem que até ao fim dos seus dias nunca desistiu ou renegou o seu compromisso com a verdade.
    Saúdo a Direcção da Associação Conquistas de Revolução por ter promovido esta justíssima homenagem a Vasco Gonçalves, ao militar de Abril, ao soldado do Povo. Saúdo, também, a Voz do Operário pelo apoio prestado à iniciativa.
O companheiro Vasco morreu coerentemente revolucionário. Mas o seu exemplo perdura e continua bem vivo dentro de nós.  

Intervenção de Manuel Begonha, Presidente da Associação Conquistas da Revolução, na Homenagem ao General Vasco Gonçalves




Vasco Gonçalves é uma figura inspiradora. Não deve, contudo, ser apenas evocada a sua acção, mas também o impulso que nos abrirá o futuro. Vasco Gonçalves tinha um futuro para Portugal e é justamente esse que pretendemos alcançar.
Há que desmascarar e desmistificar estes democratas de última hora que pretendem governar-nos sem que jamais sejam capazes de enfrentar os detentores do capital, não só porque se julgam da mesma classe social, mas também porque o seu sentido de servir o país tem por objectivo virem a ser seus assalariados.
É então claro, estarmos a ser objecto de decisões de carácter ideológico, provenientes dos que dominam a comunidade europeia.
Os recursos provenientes desta Europa não se destinam a criar riqueza, diminuir o desemprego, melhorar a prestação dos Serviços de Saúde, estancar a emigração ou devolver os subsídios sonegados aos funcionários públicos e reformados, mas sim a perpetuar os ricos, satisfazer os monopólios e assegurar o apoio dos lobbies.
Precisamos de dinamizar a actividade económica. A este respeito, dizia Vasco Gonçalves. “Esta dinamização vai orientar-se essencialmente na consolidação da política antimonopolista do Programa do MFA e na defesa das classes mais desfavorecidas. Esta política foi iniciada com a nacionalização da banca e dos seguros e com a intervenção decidida em algumas empresas chave de vários sectores da actividade económica. Para a consecução desta finalidade é necessário por a funcionar uma nova economia que conduza a uma verdadeira democracia política, económica e social.”
Na época que atravessamos de restauração do capitalismo monopolista de Estado – fortemente ajudado pela abertura em 1982 dos sectores estratégicos à iniciativa privada e da diminuição do Estado na economia –, agudizam-se as relações entre o capital e o trabalho, aumentando a distância entre ricos e pobres, com a desvalorização do trabalho, jogando-se entre estes dois polos o conceito da “liberdade”, que apenas terá significado se esta se encontrar na luta colectiva dos explorados, por uma sociedade onde o homem se afirma como indivíduo criador.
Em virtude da diminuição da actividade económica e consequente empobrecimento do nosso povo, tendem a surgir crises das mais diversas origens. A dicotomia sobrevivência-cidadania, toma novas proporções, sendo que a cidadania surge como um recurso para a sobrevivência.
Afirmar hoje a cidadania torna-se um imperativo de consciência que exige coragem e determinação e continua a ser um mecanismo libertador. Os movimentos que se vão constituindo para sustentar estas causas, deverão merecer o nosso apoio, quer se manifestem nas ruas, empresas ou outros locais de trabalho.
Isto porque, os serviços públicos são interpretados pelos actuais governantes, como sua propriedade.
O trabalho produtivo, é atributo de uma nova classe social esmagada financeira e culturalmente por um poder dominante internacional que não se revê na solidariedade.
A tentativa de reduzir os custos unitários do trabalho, não é senão uma forma de transferir os ganhos de produtividade para os representantes do capital monopolista, asfixiando assim os trabalhadores, o que irá provocar uma desvalorização progressiva do valor do trabalho, com o desemprego a aumentar, bem como a dependência externa.
A saída para a crise deverá orientar-se para a melhoria de vida dos mais pobres, voltando às bases de uma democracia avançada tal como Vasco Gonçalves preconizou e pôs em prática por forma a criar as condições para uma efectiva modificação da nossa sociedade.
“A classe dominante de hoje, a burguesia monopolista e latifundiária foi profundamente abalada no seu poder económico e político, depois do 25 de Abril, pelas conquistas democráticas alcançadas pelo povo português.
A política de restauração capitalista, de restauração dos privilégios da grande burguesia, conduzida pelos sucessivos governos constitucionais, tem sido uma política de subordinação, dia a dia mais grave, da política e da economia portuguesas ao grande capital internacional, à banca internacional privada, às empresas transnacionais, à CEE, à política diplomática e militar dos EUA e da NATO, etc”.
Não quero deixar de sublinhar a forma como para a salvação da economia e independência nacional surgiram as nacionalizações.
Ao contrário do que a direita pretende fazer crer, as nacionalizações e a reforma agrária não constituíram um assalto e uma pilhagem ao património individual, ou uma apropriação das empresas rentáveis.
Ocorreram sim apropriações de gado e máquinas agrícolas, pertença das cooperativas, pelos proprietários de terras, após a lei Barreto.
O que existia e o que ainda hoje subsiste era a questão do domínio da terra. Afirmou um camponês em Beja: ”No Alentejo, os camponeses assumem formas avançadas de luta, ocupando terras abandonadas pelos grandes proprietários e encetando uma acção patriótica de limpar essas terras e de as tornar aráveis e produtivas.”
Voltando à questão do domínio da terra e da natureza da respectiva utilização, seria interessante verificar quais as zonas de intervenção da Reforma Agrária que estão presentemente ocupadas por Campos de Golfe, Reservas de Caça e urbanizações turísticas e ainda as que permanecem ao abandono.
Continuando no campo das nacionalizações, quando da preparação dos programas de medidas económicas de emergência, Vasco Gonçalves alerta para os perigos decorrentes de não salvaguardarmos as medidas que se possam tornar gravosas para Portugal: “Deverão ser completados os passos já dados no sentido da nacionalização dos sectores básicos da actividade económica (indústria, transportes e comunicações) e ainda garantir a independência nacional para um socialismo verdadeiramente português, evitando situações extremas de crise económica, que nos coloquem em reforçadas e delicadas dependências externas”.
Ainda sobre o significado da nacionalização da banca disse em 1975, Vasco Gonçalves: “Significa que o dinheiro desse mesmo povo, depositado nos bancos, vai deixar de servir para especulações fraudulentas de uma minoria privilegiada, para operações não em benefício de um grupo minoritário, operações essas feitas sobretudo dentro dos seus próprios interesses, vai passar a servir as verdadeiras necessidades do povo, no desenvolvimento da agricultura, da indústria, do comércio interno e externo.
O Estado fica com a possibilidade de orientar a política de crédito concretamente. Fica com a possibilidade de aumentar o crédito para aqueles sectores onde ele é mais necessário, para o desenvolvimento global do nosso País”.
O estudo e compreensão do pensamento de Vasco Gonçalves, da sua visão do mundo e do seu espírito de combate podem ajudar-nos a entender, afrontar e superar os desafios com que estamos confrontados.
O que é nos dias de hoje falar das conquistas da Revolução? Quais as conquistas objectivas que subsistem?
Estas tal como as concebemos a 25 de Abril, não se poderão reproduzir nas actuais condições. É óbvio que subjacente a elas, persiste a vontade do povo português de ser livre, de preservar a sua identidade cultural e de estar disposto a lutar por causas justas.
Podemos encontrar focos de resistência, na insidiosa lente da lucidez que nos desvenda o espectro de uma sociedade com uma inconsistência trágica, a caminhar para o vazio. O mundo parece ter tomado o freio nos dentes e galopar numa direcção desconhecida, conduzido por uma elites políticas e económicas podres de imoralidade e devassidão.
Mas a luta pela independência nacional é indissociável da luta contra os privilégios da classe dominante, uma vez que esta para conservar as suas posições está disposta a partilhar a soberania nacional com o capitalismo internacional.
Mesmo que os resultados desta luta pareçam ser insignificantes é no entanto indispensável para a preparação das lutas que se seguirão.
É um projecto que exige tempo, mas não é inalcançável, desde que se tenha bem presente as memórias das lutas passadas.
Não somos cépticos e cremos não ser inútil o esforço despendido.
Não negamos o conceito expresso nas conquistas da Revolução, mas presentemente temos de as salvaguardar por outros meios.
Como alguém disse há muito tempo: “Aqueles que sempre desejam que o passado regresse, que não dão um passo enquanto tudo avança e que, por um impotente elogio dos tempos passados e um anémico maldizer do presente, são a prova viva de que não conseguem actuar no presente”.
É certo que as condições actuais são diferentes, mas não seremos os mesmos homens e mulheres, agora reforçados por uma juventude tão maltratada, que se ergueram contra a opressão, numa época nova da história de um povo então despolitizado, semi-analfabeto, sem a experiência que um combate longo e duro teria fermentado e que levaram Vasco Gonçalves às nacionalizações, à Reforma Agrária, à descolonização e ao controlo operário da produção?
Não há alternativa: ou assumimos uma atitude passiva e alienamos o que resta das conquistas de Abril, ou combatemos por elas.
Se o não fizermos, bastamo-nos a nós mesmos para nos derrotarmos.
Só lutando venceremos, cumprindo assim o sonho do Homem cuja memória estamos hoje aqui a honrar.

VIVA VASCO GONÇALVES
VIVA PORTUGAL

"Vasco nome de Abril"