Camaradas e Amigos:
Boa tarde a todos!
Agradeço à direcção da Associação
“Conquistas da Revolução” o convite que me fez para participar nesta iniciativa
de homenagem à figura destacada e histórica da Revolução do 25 de Abril,
General Vasco Gonçalves, o “Companheiro Vasco”, como carinhosamente o nosso
povo fala do General.
É justo valorizar esta importante
iniciativa num momento em que o povo português sofre a mais brutal ofensiva
destruidora, dirigida pelas forças da política de direita, visando pôr fim ao
regime democrático nascido com a “Revolução dos Cravos”.
Foi-me proposto falar sobre a Reforma
Agrária. Há limites de tempo, resumi o possível.
A ocupação dos latifúndios iniciou-se
em Fevereiro de 1975, há 37 anos. A Reforma Agrária foi a realização democrática
mais profunda e mais avançada da Revolução de Abril, aquela que mais mexeu com
a vida dos trabalhadores e do povo português, aquela que mais portas abriu para
uma nova vida sem exploração, uma vida com trabalho, pão, direito e liberdade.
Álvaro Cunhal viveu intensamente a Reforma Agrária.
Ele gostava de afirmar: “A Reforma
Agrária é a mais bela conquista da Revolução de Abril!”. A vida confirma
essa verdade.
Vasco Gonçalves foi um militar revolucionário de Abril,
uma figura querida dos trabalhadores e do povo. Viveu com paixão e intenso
entusiasmo o processo da Reforma Agrária. Ele conseguia tempo para frequentes
visitas à reforma agrária. Várias UCP’s tinham o nome “companheiro Vasco” e “Vasco
Gonçalves”. Em sua homenagem, os nomes Vasco
Gonçalves e Reforma Agrária vão estar ligados por séculos.
A Reforma Agrária não foi um “roubo de terras” ou um
“fracasso”, como acusam os seus inimigos. Não foi um assalto às
terras, para cada trabalhador ficar com um bocado de terra.
O operário agrícola não é camponês,
não tem espirito de agricultor. Quer a terra para a trabalhar colectivamente,
como a Reforma Agrária o demonstrou. O operário agrícola nunca teve terra, a
sua única fonte de rendimento é a venda da sua força de trabalho, como um
operário da indústria.
A Reforma Agrária não foi uma bandeira que apareceu com o
25 de Abril. A exigência - a terra a quem a trabalha -, vinha de
muitos anos atrás na luta sem tréguas pelo pão, pelo trabalho, pela liberdade,
contra a ditadura fascista.
A Reforma Agrária não se pode desligar do processo
revolucionário da revolução de Abril, não se pode desligar da existência do
grande latifúndio nos campos do sul. Não se pode desligar da existência de um
numeroso e concentrado proletariado agrícola na zona do latifúndio,
revolucionário, organizado, combativo, com elevada consciência política e com
forte influência e organização do PCP. Não se pode falar da Reforma Agrária e
dos seus êxitos nos campos do sul, sem falar do papel organizativo e dirigente
do PCP. Em geral, as reformas agrárias são um processo longo e conflituoso. A
Reforma Agrária de Abril não foi assim. O único grande conflito foi a ofensiva
dos governos de política de direita.
O processo da Reforma Agrária não partiu do governo.
Todo o desenvolvimento passou ao lado do governo. Não havia lei da Reforma
Agrária, foi um processo muito discutido, organizado e dirigido pelo
proletariado agrícola, pelos sindicatos agrícolas, pelo PCP.
A Reforma Agrária de Abril, não se
encontra nos manuais de economia política. Não é cópia de modelos de outras
reformas agrárias. É a Reforma Agrária
de Abril, com as suas criações assentes nas realidades do nosso país.
Camaradas e amigos
Importa explicar alguns detalhes. Em
meados de 1974 os grandes agrários do sul respondem com maior agressividade ao
avanço da revolução. Despedem os trabalhadores, recusam dar trabalho, fazem
sabotagem económica – deixam estragar as culturas, deixam morrer o gado à fome,
fogem com máquinas e gado para fora da região, etc.
A luta agudizou-se. Surgem perguntas:
Que fazer? Nos meses de Outubro/Novembro de 1974 surgem as primeiras ocupações
de algumas herdades nos distritos de Beja e Évora. Eram sinais significativos.
Esta situação de intensa luta e
discussão conduziu à realização da 1ª
Conferência dos Trabalhadores Agrícolas do Sul, convocada pelo PCP, em 9 de
Fevereiro de 1975, em Évora.
Participaram na Conferência mais de
4.000 trabalhadores, sindicalistas, agricultores, técnicos e políticos. Álvaro
Cunhal participou na discussão. O grito forte na discussão foi “Avante com a Reforma Agrária” e “A Terra a
Quem a Trabalha!”
A Conferência encerrou num comício com
30 mil pessoas, vindas de todas as zonas do País. Foi decidido ler as
Conclusões da Conferência no comício, no sentido de toda a gente ficar a saber
o que foi discutido.
Esta
Conferência é histórica. Ela marca o avanço corajoso e organizado da Reforma
Agrária. Pela primeira vez na história de Portugal, tirou as terras incultas
aos agrários e pô-las a produzir!
Não vamos desenvolver o processo a
seguir à Conferência nas localidades, os plenários, as herdades a ocupar, a
formação dos colectivos de trabalhadores, a formação das UCP’s, etc.
O avanço da Reforma Agrária foi um
processo bonito, sereno, organizado, rápido, sem choques sangrentos, sem oposição
de outros trabalhadores e das populações locais. A Reforma Agrária foi aceite
com grande entusiasmo e solidariedade das populações. A Reforma Agrária acabou com o flagelo do desemprego nos campos do sul,
assegurou trabalho com direitos para todos. Acabou com os latifúndios em muitos
concelhos, acabou com a exploração do homem pelo homem nas UCP’s.
Quando falamos de um processo rápido,
sereno, de massas e organizado, vejamos alguns dados: Em Julho de 1975, seis
meses depois da Conferência, estavam ocupados
500.000 hectares de terra nos campos do sul. No começo de 1976, cerca de um ano
depois do avanço, estavam ocupados 1.140.000 hectares, formadas 550 UCP’s e
criados 50.000 novos postos de trabalho!
A Reforma Agrária de Abril tomou
imediatamente o caminho certo do aumento da produção, o aumento da mecanização
da área de regadio, da pecuária, novos ramos de produção como tabaco,
beterraba, produção de estufa, estábulos de engorda de bovinos e suínos, etc.
As
UCP’s, uma nova criação de gestão da terra, revelaram grande dinamismo, poder de iniciativa e
capacidade de produção. Nos primeiros dois anos, antes da grande ofensiva, a
Reforma Agrária obteve extraordinários sucessos, como por exemplo:
Área semeada, mais 139,3%
Área de regadio, mais 126%
Máquinas e alfaias, mais 169,6%
Cabeças de gado, mais 112%
Postos de trabalho criados, mais
50.000
Por outro lado, paralelo aos avanços
da produção, as UCP’s criaram um conjunto de estruturas sociais para servir as populações e os trabalhadores,
como centros de dia para a 3ª Idade, creches, jardins de infância, cantinas,
cooperativas de Consumo, talhos, padarias, lagares, adegas, hortas colectivas,
transportes, mercados da Reforma Agrária, oficinas mecânicas e outras.
A Reforma Agrária aumentou os
salários, o poder de compra. As populações locais, o pequeno comércio e
indústria sentiram uma elevada melhoria das suas condições de vida.
A Reforma Agrária ganhou uma forte
onde de simpatia e solidariedade em todo o país, ultrapassando as nossas
fronteiras.
Nos fins de semana (e durante a
semana) dezenas de excursões de todos os cantos do país deslocavam-se à Reforma
Agrária para ver, ao vivo, como era. Muitas ofertas de jornadas de trabalho
voluntário. Centros operários como Lisboa, Porto, Almada e Setúbal, entre
outros, ofereceram máquinas e alfaias agrícolas. Apareceram grupos de médicos a
dar apoio clinico à populações locais, grupos de artistas a realizarem
espectáculos musicais, como Lopes Graça, Samuel, Vitorino, Carlos do Carmo,
Zeca Afonso, Ary dos Santos e vários outros.
A União Soviética, na altura, 1976,
ofereceu cerca de 300 máquinas e alfaias agrícolas, A RDA, Bulgária,
Checoslováquia e Roménia, ofereceram várias máquinas.
Na Holanda capitalista, um grupo de
amigos da Reforma Agrária, fez um pedido de verba ao Parlamento Holandês para
uma oficina mecânica. O pedido foi atendido. Essa oficina mecânica foi
instalada em Montemor-o-Novo, com o nome “Verde
Esperança”.
A
Reforma Agrária marca uma nova vida a nascer nos campos do sul. Se em vez de uma ofensiva destruidora,
tivéssemos um governo a dar todo o apoio necessário à Reforma Agrária,
certamente Portugal não estaria a viver horas amargas como nos dias de hoje…
A
Ofensiva Destruidora:
Vejamos alguns aspectos da brutal e
criminosa ofensiva. O avanço rápido e organizado, o crescente apoio e
solidariedade à reforma Agrária, os seus rápidos sucessos, assustaram as forças
da contra-revolução. O golpe de direita do 25 de Novembro alterou a correlação
de forças políticas e militares a favor da direita. Travou o avanço da revolução, criou condições para a destruição da
Reforma Agrária e de outras conquistas de Abril.
O
primeiro Governo constitucional PS/Mário Soares, com Barreto no MAP, iniciou a
ofensiva destruidora. Rasgou a lei da Reforma Agrária – 406/A. Fez uma nova lei,
a 77/77, a célebre “lei Barreto”, feita à medida para devolver as terras aos
agrários. Sucessivos governos, PS ou PSD, com ou sem CDS, puseram em campo
poderosos meios militarizados, dirigidos por oficiais superiores, milhares de
GNR armados, chaimites, jeeps, cavalos, cães, helicópteros, bastões eléctricos.
Os inimigos da Reforma Agrária pensavam resolver a situação em poucos meses.
Enganaram-se! A resistência corajosa e
heróica dos trabalhadores prolongou-se por mais de 14 anos, numa luta sem
tréguas, de dia e de noite, semeando e defendendo, e a ofensiva roubando e
destruindo. Nenhuma outra conquista de Abril foi sujeita a uma ofensiva tão
longa e tão brutal como a Reforma Agrária!
Num resumido balanço de 8 anos, de
1977 a 1985, a ofensiva tinha dado um golpe de morte na Reforma Agrária.
Vejamos, neste espaço de tempo:
·
700.000 hectares das melhores terras roubados
·
220 UCP’s destruídas totalmente
·
244.000 cabeças de gado roubadas
·
200 barragens e habitações roubadas
·
122.000 máquinas e alfaias roubadas
·
Mais de 2.000 homens e mulheres espancados,
feridos e sujeitos a julgamentos sumários
A criminosa ofensiva mata dois
trabalhadores da Reforma Agrária!
Em 27 de Setembro de 1979, na Herdade
de Vale de Nobre, da UCP Bento Gonçalves, em Montemor-o-Novo, a GNR matou, a
tiro, José Geraldo (Caravela),
militante do PCP e António Maria
Casquinha, jovem de 17 anos, membro da JCP. Ambos de Escoural, tinham ido
com outros numa delegação de solidariedade à UCP Bento Gonçalves, na defesa de
um rebanho de vacas que os agrários tentaram roubar. Estes crimes provocaram
uma profunda dor e revolta. No funeral participaram mais de 100.000 pessoas.
A defesa da Reforma Agrária envolveu
uma resistência longa e extraordinária. Os trabalhadores agrícolas sentiram a
Reforma Agrária como obra sua.
Algumas referências de grandes lutas
no espaço de dois anos, entre 1977 e 1979:
·
600.000 trabalhadores da Reforma Agrária
participaram em greves, concentrações e manifestações de rua;
·
Os sindicatos agrícolas do sul, com cerca de
112.000 sócios, realizaram mais de 2.000 plenários;
·
Em Maio de 1979 uma delegação das UCP’s
entregou na Assembleia da República um abaixo-assinado com 277.000 assinaturas,
exigindo o fim da ofensiva.
Mais tarde, em 10 de Março de 1987, as
UCP’s da Reforma Agrária organizaram uma marcha para Lisboa, com 6.000
trabalhadores, 273 tractores e 600 outras máquinas agrícolas, num desfile de
quilómetros. As barreiras da GNR não conseguiram impedir que a marcha entrasse
nas ruas de Lisboa, já de noite, com calorosos aplausos da população de Lisboa.
Camaradas e Amigos, para terminar:
A resistência heróica, a luta corajosa
de mais de 14 anos não conseguiram impedir a destruição criminosa da mais bela
conquista de Abril. A ofensiva destruiu-a!
Em 1990, a Reforma Agrária estava
praticamente destruída. O que restava, já pouco tinha a ver com a reforma
Agrária de Abril…
Os sucessivos governos de política de
direita, destruíram a Reforma Agrária e destruíram também a agricultura nos
campos do sul. As terras foram devolvidas aos grandes proprietários. Os
latifúndios foram reconstruídos.
Actualmente a terra do latifúndio está
mais concentrada e mais inculta. As grandes herdades estão cheias de coutadas e
cercas de arame farpado, com alguns rebanhos de gado subsidiados. Não se vê
desenvolvimento nem emprego. As águas do lago do Alqueva não servem a
agricultura, correm para o oceano. A soberania nacional cada dia está mais
comprometida.
Os
campos do Alentejo e do Ribatejo sofrem hoje o mais terrível despovoamento e
envelhecimento da sua história.
A população alentejana ronda, nos dias de hoje, os números de 1911.
As calamidades que flagelam os campos
do sul e as suas populações não caíram do céu. São filhas da política de
direita, da política de destruição e retrocesso ao serviço do alto capital explorador.
Qual é o caminho alternativo à
política de destruição e retrocesso?
O caminho certo é, a nosso ver:
·
Pôr fim ao latifúndio. Pôr a terra a produzir
·
Realizar uma nova Reforma Agrária que
entregue a terra a quem a trabalha!
Contudo, não deve haver ilusões! As
forças de direita, enfeudadas ao capital e aos senhores da terra, não vão mexer
no latifúndio secular.
Não
há Reforma Agrária triunfante onde o poder central esteja contra. É essa a lição viva colhida da
Reforma Agrária de Abril
A Reforma Agrária só triunfará com a
formação de um governo de esquerda e patriótico, que tenha no seu programa a
Reforma Agrária, servir os interesses dos trabalhadores, do povo e do país.
A
Reforma Agrária é necessária. É uma exigência nacional e inadiável dos nossos
dias. É parte integrante do progresso, da democracia e da liberdade. É
necessário que todas as forças progressistas do país reivindiquem mais
constantemente e mais profundamente o fim do latifúndio.
Portugal
de Abril precisa de uma nova Reforma Agrária que entregue a terra a quem a
trabalha!
Viva a Reforma Agrária!