Intervenção de Manuel Begonha, Presidente da Associação Conquistas da Revolução, na Homenagem ao General Vasco Gonçalves




Vasco Gonçalves é uma figura inspiradora. Não deve, contudo, ser apenas evocada a sua acção, mas também o impulso que nos abrirá o futuro. Vasco Gonçalves tinha um futuro para Portugal e é justamente esse que pretendemos alcançar.
Há que desmascarar e desmistificar estes democratas de última hora que pretendem governar-nos sem que jamais sejam capazes de enfrentar os detentores do capital, não só porque se julgam da mesma classe social, mas também porque o seu sentido de servir o país tem por objectivo virem a ser seus assalariados.
É então claro, estarmos a ser objecto de decisões de carácter ideológico, provenientes dos que dominam a comunidade europeia.
Os recursos provenientes desta Europa não se destinam a criar riqueza, diminuir o desemprego, melhorar a prestação dos Serviços de Saúde, estancar a emigração ou devolver os subsídios sonegados aos funcionários públicos e reformados, mas sim a perpetuar os ricos, satisfazer os monopólios e assegurar o apoio dos lobbies.
Precisamos de dinamizar a actividade económica. A este respeito, dizia Vasco Gonçalves. “Esta dinamização vai orientar-se essencialmente na consolidação da política antimonopolista do Programa do MFA e na defesa das classes mais desfavorecidas. Esta política foi iniciada com a nacionalização da banca e dos seguros e com a intervenção decidida em algumas empresas chave de vários sectores da actividade económica. Para a consecução desta finalidade é necessário por a funcionar uma nova economia que conduza a uma verdadeira democracia política, económica e social.”
Na época que atravessamos de restauração do capitalismo monopolista de Estado – fortemente ajudado pela abertura em 1982 dos sectores estratégicos à iniciativa privada e da diminuição do Estado na economia –, agudizam-se as relações entre o capital e o trabalho, aumentando a distância entre ricos e pobres, com a desvalorização do trabalho, jogando-se entre estes dois polos o conceito da “liberdade”, que apenas terá significado se esta se encontrar na luta colectiva dos explorados, por uma sociedade onde o homem se afirma como indivíduo criador.
Em virtude da diminuição da actividade económica e consequente empobrecimento do nosso povo, tendem a surgir crises das mais diversas origens. A dicotomia sobrevivência-cidadania, toma novas proporções, sendo que a cidadania surge como um recurso para a sobrevivência.
Afirmar hoje a cidadania torna-se um imperativo de consciência que exige coragem e determinação e continua a ser um mecanismo libertador. Os movimentos que se vão constituindo para sustentar estas causas, deverão merecer o nosso apoio, quer se manifestem nas ruas, empresas ou outros locais de trabalho.
Isto porque, os serviços públicos são interpretados pelos actuais governantes, como sua propriedade.
O trabalho produtivo, é atributo de uma nova classe social esmagada financeira e culturalmente por um poder dominante internacional que não se revê na solidariedade.
A tentativa de reduzir os custos unitários do trabalho, não é senão uma forma de transferir os ganhos de produtividade para os representantes do capital monopolista, asfixiando assim os trabalhadores, o que irá provocar uma desvalorização progressiva do valor do trabalho, com o desemprego a aumentar, bem como a dependência externa.
A saída para a crise deverá orientar-se para a melhoria de vida dos mais pobres, voltando às bases de uma democracia avançada tal como Vasco Gonçalves preconizou e pôs em prática por forma a criar as condições para uma efectiva modificação da nossa sociedade.
“A classe dominante de hoje, a burguesia monopolista e latifundiária foi profundamente abalada no seu poder económico e político, depois do 25 de Abril, pelas conquistas democráticas alcançadas pelo povo português.
A política de restauração capitalista, de restauração dos privilégios da grande burguesia, conduzida pelos sucessivos governos constitucionais, tem sido uma política de subordinação, dia a dia mais grave, da política e da economia portuguesas ao grande capital internacional, à banca internacional privada, às empresas transnacionais, à CEE, à política diplomática e militar dos EUA e da NATO, etc”.
Não quero deixar de sublinhar a forma como para a salvação da economia e independência nacional surgiram as nacionalizações.
Ao contrário do que a direita pretende fazer crer, as nacionalizações e a reforma agrária não constituíram um assalto e uma pilhagem ao património individual, ou uma apropriação das empresas rentáveis.
Ocorreram sim apropriações de gado e máquinas agrícolas, pertença das cooperativas, pelos proprietários de terras, após a lei Barreto.
O que existia e o que ainda hoje subsiste era a questão do domínio da terra. Afirmou um camponês em Beja: ”No Alentejo, os camponeses assumem formas avançadas de luta, ocupando terras abandonadas pelos grandes proprietários e encetando uma acção patriótica de limpar essas terras e de as tornar aráveis e produtivas.”
Voltando à questão do domínio da terra e da natureza da respectiva utilização, seria interessante verificar quais as zonas de intervenção da Reforma Agrária que estão presentemente ocupadas por Campos de Golfe, Reservas de Caça e urbanizações turísticas e ainda as que permanecem ao abandono.
Continuando no campo das nacionalizações, quando da preparação dos programas de medidas económicas de emergência, Vasco Gonçalves alerta para os perigos decorrentes de não salvaguardarmos as medidas que se possam tornar gravosas para Portugal: “Deverão ser completados os passos já dados no sentido da nacionalização dos sectores básicos da actividade económica (indústria, transportes e comunicações) e ainda garantir a independência nacional para um socialismo verdadeiramente português, evitando situações extremas de crise económica, que nos coloquem em reforçadas e delicadas dependências externas”.
Ainda sobre o significado da nacionalização da banca disse em 1975, Vasco Gonçalves: “Significa que o dinheiro desse mesmo povo, depositado nos bancos, vai deixar de servir para especulações fraudulentas de uma minoria privilegiada, para operações não em benefício de um grupo minoritário, operações essas feitas sobretudo dentro dos seus próprios interesses, vai passar a servir as verdadeiras necessidades do povo, no desenvolvimento da agricultura, da indústria, do comércio interno e externo.
O Estado fica com a possibilidade de orientar a política de crédito concretamente. Fica com a possibilidade de aumentar o crédito para aqueles sectores onde ele é mais necessário, para o desenvolvimento global do nosso País”.
O estudo e compreensão do pensamento de Vasco Gonçalves, da sua visão do mundo e do seu espírito de combate podem ajudar-nos a entender, afrontar e superar os desafios com que estamos confrontados.
O que é nos dias de hoje falar das conquistas da Revolução? Quais as conquistas objectivas que subsistem?
Estas tal como as concebemos a 25 de Abril, não se poderão reproduzir nas actuais condições. É óbvio que subjacente a elas, persiste a vontade do povo português de ser livre, de preservar a sua identidade cultural e de estar disposto a lutar por causas justas.
Podemos encontrar focos de resistência, na insidiosa lente da lucidez que nos desvenda o espectro de uma sociedade com uma inconsistência trágica, a caminhar para o vazio. O mundo parece ter tomado o freio nos dentes e galopar numa direcção desconhecida, conduzido por uma elites políticas e económicas podres de imoralidade e devassidão.
Mas a luta pela independência nacional é indissociável da luta contra os privilégios da classe dominante, uma vez que esta para conservar as suas posições está disposta a partilhar a soberania nacional com o capitalismo internacional.
Mesmo que os resultados desta luta pareçam ser insignificantes é no entanto indispensável para a preparação das lutas que se seguirão.
É um projecto que exige tempo, mas não é inalcançável, desde que se tenha bem presente as memórias das lutas passadas.
Não somos cépticos e cremos não ser inútil o esforço despendido.
Não negamos o conceito expresso nas conquistas da Revolução, mas presentemente temos de as salvaguardar por outros meios.
Como alguém disse há muito tempo: “Aqueles que sempre desejam que o passado regresse, que não dão um passo enquanto tudo avança e que, por um impotente elogio dos tempos passados e um anémico maldizer do presente, são a prova viva de que não conseguem actuar no presente”.
É certo que as condições actuais são diferentes, mas não seremos os mesmos homens e mulheres, agora reforçados por uma juventude tão maltratada, que se ergueram contra a opressão, numa época nova da história de um povo então despolitizado, semi-analfabeto, sem a experiência que um combate longo e duro teria fermentado e que levaram Vasco Gonçalves às nacionalizações, à Reforma Agrária, à descolonização e ao controlo operário da produção?
Não há alternativa: ou assumimos uma atitude passiva e alienamos o que resta das conquistas de Abril, ou combatemos por elas.
Se o não fizermos, bastamo-nos a nós mesmos para nos derrotarmos.
Só lutando venceremos, cumprindo assim o sonho do Homem cuja memória estamos hoje aqui a honrar.

VIVA VASCO GONÇALVES
VIVA PORTUGAL