Vasco Gonçalves é uma figura inspiradora. Não
deve, contudo, ser apenas evocada a sua acção, mas também o impulso que nos
abrirá o futuro. Vasco Gonçalves tinha um futuro para Portugal e é justamente
esse que pretendemos alcançar.
Há que desmascarar e desmistificar estes democratas de última hora que
pretendem governar-nos sem que jamais sejam capazes de enfrentar os detentores
do capital, não só porque se julgam da mesma classe social, mas também porque o
seu sentido de servir o país tem por objectivo virem a ser seus assalariados.
É então claro, estarmos a ser objecto de decisões de carácter
ideológico, provenientes dos que dominam a comunidade europeia.
Os recursos provenientes desta Europa não se destinam a criar riqueza,
diminuir o desemprego, melhorar a prestação dos Serviços de Saúde, estancar a
emigração ou devolver os subsídios sonegados aos funcionários públicos e
reformados, mas sim a perpetuar os ricos, satisfazer os monopólios e assegurar
o apoio dos lobbies.
Precisamos de dinamizar a actividade económica. A este respeito, dizia
Vasco Gonçalves. “Esta dinamização vai orientar-se essencialmente na
consolidação da política antimonopolista do Programa do MFA e na defesa das
classes mais desfavorecidas. Esta política foi iniciada com a nacionalização da
banca e dos seguros e com a intervenção decidida em algumas empresas chave de
vários sectores da actividade económica. Para a consecução desta finalidade é
necessário por a funcionar uma nova economia que conduza a uma verdadeira
democracia política, económica e social.”
Na época que atravessamos de restauração do capitalismo monopolista de
Estado – fortemente ajudado pela abertura em 1982 dos sectores estratégicos à
iniciativa privada e da diminuição do Estado na economia –, agudizam-se as
relações entre o capital e o trabalho, aumentando a distância entre ricos e
pobres, com a desvalorização do trabalho, jogando-se entre estes dois polos o
conceito da “liberdade”, que apenas terá significado se esta se encontrar na
luta colectiva dos explorados, por uma sociedade onde o homem se afirma como
indivíduo criador.
Em virtude da diminuição da actividade económica e consequente
empobrecimento do nosso povo, tendem a surgir crises das mais diversas origens.
A dicotomia sobrevivência-cidadania, toma novas proporções, sendo que a
cidadania surge como um recurso para a sobrevivência.
Afirmar hoje a cidadania torna-se um imperativo de consciência que exige
coragem e determinação e continua a ser um mecanismo libertador. Os movimentos
que se vão constituindo para sustentar estas causas, deverão merecer o nosso
apoio, quer se manifestem nas ruas, empresas ou outros locais de trabalho.
Isto porque, os serviços públicos são interpretados pelos actuais
governantes, como sua propriedade.
O trabalho produtivo, é atributo de uma nova classe social esmagada
financeira e culturalmente por um poder dominante internacional que não se revê
na solidariedade.
A tentativa de reduzir os custos unitários do trabalho, não é senão uma
forma de transferir os ganhos de produtividade para os representantes do
capital monopolista, asfixiando assim os trabalhadores, o que irá provocar uma
desvalorização progressiva do valor do trabalho, com o desemprego a aumentar,
bem como a dependência externa.
A saída para a crise deverá orientar-se para a melhoria de vida dos mais
pobres, voltando às bases de uma democracia avançada tal como Vasco Gonçalves
preconizou e pôs em prática por forma a criar as condições para uma efectiva
modificação da nossa sociedade.
“A classe dominante de hoje, a burguesia monopolista e latifundiária foi
profundamente abalada no seu poder económico e político, depois do 25 de Abril,
pelas conquistas democráticas alcançadas pelo povo português.
A política de restauração capitalista, de restauração dos privilégios da
grande burguesia, conduzida pelos sucessivos governos constitucionais, tem sido
uma política de subordinação, dia a dia mais grave, da política e da economia
portuguesas ao grande capital internacional, à banca internacional privada, às
empresas transnacionais, à CEE, à política diplomática e militar dos EUA e da
NATO, etc”.
Não quero deixar de sublinhar a forma como para a salvação da economia e
independência nacional surgiram as nacionalizações.
Ao contrário do que a direita pretende fazer crer, as nacionalizações e
a reforma agrária não constituíram um assalto e uma pilhagem ao património
individual, ou uma apropriação das empresas rentáveis.
Ocorreram sim apropriações de gado e máquinas agrícolas, pertença das
cooperativas, pelos proprietários de terras, após a lei Barreto.
O que existia e o que ainda hoje subsiste era a questão do domínio da
terra. Afirmou um camponês em Beja: ”No Alentejo, os camponeses assumem formas
avançadas de luta, ocupando terras abandonadas pelos grandes proprietários e
encetando uma acção patriótica de limpar essas terras e de as tornar aráveis e
produtivas.”
Voltando à questão do domínio da terra e da natureza da respectiva
utilização, seria interessante verificar quais as zonas de intervenção da
Reforma Agrária que estão presentemente ocupadas por Campos de Golfe, Reservas
de Caça e urbanizações turísticas e ainda as que permanecem ao abandono.
Continuando no campo das nacionalizações, quando da preparação dos
programas de medidas económicas de emergência, Vasco Gonçalves alerta para os
perigos decorrentes de não salvaguardarmos as medidas que se possam tornar
gravosas para Portugal: “Deverão ser completados os passos já dados no sentido
da nacionalização dos sectores básicos da actividade económica (indústria,
transportes e comunicações) e ainda garantir a independência nacional para um
socialismo verdadeiramente português, evitando situações extremas de crise
económica, que nos coloquem em reforçadas e delicadas dependências externas”.
Ainda sobre o significado da nacionalização da banca disse em 1975,
Vasco Gonçalves: “Significa que o dinheiro desse mesmo povo, depositado nos
bancos, vai deixar de servir para especulações fraudulentas de uma minoria
privilegiada, para operações não em benefício de um grupo minoritário,
operações essas feitas sobretudo dentro dos seus próprios interesses, vai
passar a servir as verdadeiras necessidades do povo, no desenvolvimento da
agricultura, da indústria, do comércio interno e externo.
O Estado fica com a possibilidade de orientar a política de crédito concretamente.
Fica com a possibilidade de aumentar o crédito para aqueles sectores onde ele é
mais necessário, para o desenvolvimento global do nosso País”.
O estudo e compreensão do pensamento de Vasco Gonçalves, da sua visão do
mundo e do seu espírito de combate podem ajudar-nos a entender, afrontar e
superar os desafios com que estamos confrontados.
O que é nos dias de hoje falar das conquistas da Revolução? Quais as
conquistas objectivas que subsistem?
Estas tal como as concebemos a 25 de Abril, não se poderão reproduzir
nas actuais condições. É óbvio que subjacente a elas, persiste a vontade do
povo português de ser livre, de preservar a sua identidade cultural e de estar
disposto a lutar por causas justas.
Podemos encontrar focos de resistência, na insidiosa lente da lucidez
que nos desvenda o espectro de uma sociedade com uma inconsistência trágica, a
caminhar para o vazio. O mundo parece ter tomado o freio nos dentes e galopar
numa direcção desconhecida, conduzido por uma elites políticas e económicas
podres de imoralidade e devassidão.
Mas a luta pela independência nacional é indissociável da luta contra os
privilégios da classe dominante, uma vez que esta para conservar as suas
posições está disposta a partilhar a soberania nacional com o capitalismo
internacional.
Mesmo que os resultados desta luta pareçam ser insignificantes é no
entanto indispensável para a preparação das lutas que se seguirão.
É um projecto que exige tempo, mas não é inalcançável, desde que se
tenha bem presente as memórias das lutas passadas.
Não somos cépticos e cremos não ser inútil o esforço despendido.
Não negamos o conceito expresso nas conquistas da Revolução, mas
presentemente temos de as salvaguardar por outros meios.
Como alguém disse há muito tempo: “Aqueles que sempre desejam que o
passado regresse, que não dão um passo enquanto tudo avança e que, por um
impotente elogio dos tempos passados e um anémico maldizer do presente, são a
prova viva de que não conseguem actuar no presente”.
É certo que as condições actuais são diferentes, mas não seremos os
mesmos homens e mulheres, agora reforçados por uma juventude tão maltratada,
que se ergueram contra a opressão, numa época nova da história de um povo então
despolitizado, semi-analfabeto, sem a experiência que um combate longo e duro
teria fermentado e que levaram Vasco Gonçalves às nacionalizações, à Reforma
Agrária, à descolonização e ao controlo operário da produção?
Não há alternativa: ou assumimos uma atitude passiva e alienamos o que
resta das conquistas de Abril, ou combatemos por elas.
Se o não fizermos, bastamo-nos a nós mesmos para nos derrotarmos.
Só lutando venceremos, cumprindo assim o sonho do Homem cuja memória
estamos hoje aqui a honrar.
VIVA VASCO GONÇALVES
VIVA PORTUGAL