Texto Periódico VII - UMA HITÓRIA DE RESISTÊNCIA ENTRE TANTAS, TANTAS…



UMA HISTÓRIA DE RESISTÊNCIA ENTRE TANTAS, TANTAS…

Manuel Carvalho

Meu pai, republicano e anti clerical, como era comum naquele tempo, devido a uma igreja desajustada no tempo, obscurantista, sentada à mesa do ditador, nunca se opôs aos caminhos que eu poderia vir a trilhar. Dizia ele que descobrisse por mim próprio.
Minha mãe, muito crente, acarinhava que eu e minha “matilha” (como dizia o MEC) frequentássemos a igreja de Santa Maria, nos Jerónimos, quando os meus pais residiam na freguesia do mesmo nome – Santa Maria de Belém. O Pároco, desempoeirado, também nos acarinhava sempre, até com um bom lanche aos sábados e passagem de filmes para crianças, nos claustros, e não se importava nada que nós fizéssemos de cicerones no Mosteiro onde ganhávamos umas moeditas. Por essas e por outras, não aqueceu o lugar, no seio de uma igreja fechada.

Mais tarde, com a reforma antecipada do meu pai, por doença incompatível com a sua função na Carris, fomos residir para a aldeia e eu entretanto deixei de frequentar a igreja – já começava a pensar por mim próprio – de tal maneira que vim a sentir o mau relacionamento instalado entre mim e o Padre de Religião e Moral, na Escola Industrial, sem me aperceber porquê.

Já no último ano do ensino secundário, viemos a ter um novo Professor, Engenheiro, com o qual passávamos 10 tempos lectivos semanais nas aulas principais daquele ano: Desenho de Máquinas, Tecnologia e Orçamentos e Contas de Obras. Os tempos lectivos eram suficientemente sobrantes, para o excelente desempenho do Engenheiro e então havia tempo para lhe colocarmos muitas questões, com sejam sobre a Guerra Colonial – preocupação maior que nos atormentava – sobre as relações também preocupantes e em crescendo entre Israel e os Países Árabes ou sobre a luta do IRA, ou ainda sobre a postura da Igreja, face a todos esses acontecimentos, questões estas que normalmente acabavam em reflexões filosóficas sobre a humanidade, acrescentando mais uma disciplina a ministrar pelo Engenheiro.

Mas um dia à saída da sala de aula encontrámos dois tipos estranhos, junto à porta e o lúcido Engenheiro no ano seguinte teve que mudar de Escola.

No ano seguinte, eu a frequentar a Escola de Máquinas da Marinha, em Vila Franca de Xira, venho a encontrar o Engenheiro, onde ele era agora professor na Escola Industrial da mesma Vila.
Encontrei-o num café, de dois pequenos pisos, próximo da Câmara, café convidativo a conversas de “pé de orelha” sem ouvidos duvidosos, por perto. Ele ficou muito admirado ao ver-me ali uniformizado de marinheiro e questionou-me porque não me tinha candidatado ao Instituto Industrial, porque achava que tinha condições para tal. Respondi-lhe que por razões económicas dos meus pais, tinha optado pela Marinha a fim de poder prosseguir estudos, mas que o Instituto Industrial não estava fora das minhas aspirações.

Lá tivemos um bom bato papo, onde não faltaram os comentários sobre os tais tipos estranhos que iam ouvir o que se passava nas suas aulas na EI de TN. Depois, de mais um encontro ou outro, deixei-o de o ver a frequentar o dito café. Admirado, questionei o proprietário (pessoa de confiança para aqueles tempos de obscurantismo) se sabia do Professor, tendo-me respondido que tinha sido preso pela PIDE.

OBRIGADO, ENGENHEIRO! PORQUE COM A TUA LUTA DE RESISTÊNCIA, E DE ESCLARECIMENTO, COMO A DE MUITOS OUTROS, AJUDASTE A ENCONTRAR AS CHAVES QUE SERVIRAM NOS FERROLHOS DAS “PORTAS QUE ABRIL ABRIU”…