Parabéns “Companheiro” Vasco

Lisboa, 3 de Maio de 1921 — Almancil, 11 de Junho de 2005


PROVAVELMENTE

não terei a força, o verbo, o tamanho para falar duma revolução que rebentou no coração daqueles que, desde o primeiro vagido, a desejaram.
PROVAVELMENTE
esquecerei nomes, trocarei datas, falarei dos heróis que o não foram e dos cobardes que tiveram a coragem de não puxar gatilhos, de permanecerem poetas e não matarem ainda que com essa negação da morte ficassem com os corpos presos, que a alma não.
PROVAVELMENTE
louvarei demasiado os que me são queridos, cantarei as paisagens onde nasci e chegarei mesmo ao despudor de gritar que o Alentejo é o mais lindo país do mundo, que uma papoila vermelha floresce diariamente nos dedos dos que trabalham a terra.
PROVAVELMENTE
deixarei nas margens deste recado essoutros que em Marços e Setembros sairam para a rua agarrados à estrela da manhã para com ela (somente com ela) defenderem a liberdade.
PROVAVELMENTE
não saberei pronunciar os nomes das crianças que num mês de Abril inventaram novos símbolos debruaram de cravos as redacções escolares, as paredes do jardins, os troncos dos abetos, e inundaram com as aguarelas da ternura os olhos dos homens cansados.
PROVAVELMENTE
e porque não? direi que vi soldados vestindo a farda que o povo usa, essa camisa lavada e branca dos nossos irmãos operários, camponeses, trabalhadores de todos os misteres.
PROVAVELMENTE
trocarei as notas à melodia que semeou o luar, desvirtuarei a cor da baioneta que defendeu o sol, não saberei agarrar o espanto das mãos que seguravam o vento como quem agarra essas bandeiras de carne a que chamamos filhos.
PROVAVELMENTE
não citarei nomes de capitães, dragonas de almirantes, siglas de partidos, as multidões dos comícios, as cores dos panfletos, o eco dos gritos que rebentaram a veia tensa deste quase meio século que sufocou o pulmão da nossa Pátria sempre adiada.
PROVAVELMENTE
só vos falarei dum Homem com rosto de homem, palavra de homem, o gesto simples do Homem simples e sincero que todos esperámos na lonjura da esperança, como o Criador esperou o nascimento do mundo.
PROVAVELMENTE
escreverei: Vasco Gonçalves.
PROVAVELMENTE
acrescentarei:
— Por aqui passou um Homem !

EDUARDO OLÍMPIO
Fevereiro de 1976