Falecimento do comandante Vasco da Costa Santos
Texto escrito em 10 de Setembro de 2019, por Manuel Begonha, presidente da Mesa da Assembleia Geral da nossa Associação
Faleceu no
passado dia 2 de Setembro,
o comandante Vasco da Costa Santos,
homem de uma excepcional
dimensão humana, ética, política e revolucionária.
Foi um dos últimos que conhecemos de uma
geração que bastante antes do 25 de Abril muito sacrificou da sua
vida pessoal e familiar pela conquista de um Portugal
socialista, livre e democrático.
Com o seu forte carisma, era um
líder natural de grande coragem física e moral que constituiu sempre uma referência para o combate
para nós, os mais novos,
a precisar de conhecimentos e experiência.
Por vezes, é necessário recorrer ao passado o qual para nós
arrasta uma memória de um característico conhecimento pessoal, quando
envolvidos num combate comum.
É assim que nos é possível registar
tantos traços que marcaram o seu carácter. Passou
pela solidão, prestígios e agruras do Comando.
Foi digno do passar
de cada dia.
Desde o dia 15 de Setembro de 1939 em que foi alistado no
Corpo de Alunos da Escola Naval, teve uma carreira naval variada, embarcando em vários navios
como Oficial de Guarnição ou como Comandante, como a título de exemplo apresentamos. Em 1952, foi nomeado
Comandante do draga minas “São Miguel”, no qual navegou 2 anos nas costas
portuguesa e espanhola. Em 1957, fez duas comissões a bordo do navio
hidrográfico “Almirante Almeida
Carvalho” integrando a Missão Hidrográfica dos Açores e Cabo Verde. Em
1961, é colocado no Faial, como capitão
do porto da Horta.
Foi um homem determinado, capaz de
andar a direito num mundo cheio de falsidades, ainda que com um temperamento
emotivo que o levava para a luta política por vezes de uma forma exacerbada.
Mas quem nunca se excedeu em determinadas circunstâncias nunca poderá ser
grande.
E ele foi grande
porque arriscou tudo pelos seus ideais.
Elevou a sua voz como um canto forte,
com total verdade,
pureza de entrega
e como uma absoluta carga de convicção.
E é assim que inevitavelmente
participa na malograda tentativa revolucionária de 12 de Março de 1959,
conhecida pela “Revolta da Sé”.
É detido
em Maio de 1959 em instalações da Marinha, tendo aí permanecido preso 1 ano e 3 meses.
Foi
julgado em Junho
de 1960 e libertado.
Por ter pedido autorização para se apresentar, nas listas
da oposição às eleições de 1961, após várias vicissitudes, foi passado
compulsivamente à situação de reforma, por pressão da PIDE e por aplicação de
decreto assinado por Salazar.
E chegou finalmente o
25 de Abril.
Reintegrado na situação
de activo, foi promovido a CMG (Capitão
de Mar e Guerra) com a antiguidade a 1-3-
-1973, sendo nomeado pelo Conselho da Revolução para
integrar a Direcção da “Casa das Pescas”.
Por nomeação do CEMA (Chefe do
Estado Maior da Armada) assumiu em Junho de 1975 o comando do “Comando Naval do
Continente”.
Permaneceu um adversário difícil e implacável para quem
maldosamente o atacava, cortando-lhe a provocação, a insolência ou a
ignorância, mas também um amigo e professor para os que se aproximavam dele
para aprender, porque possuía vastos conhecimentos do materialismo dialéctico e
histórico e um conhecimento profundo do marxismo e do leninismo.
E incomodou.
Portanto, na sequência do golpe de 25 de Novembro de 1975, foi preso, primeiro
em Santarém e depois nos fortes de Oeiras e de Caxias,
até Março de 1976, tendo passado
à situação de reforma em 8 de Dezembro de 1990.
E assim continuou até ao fim,
cavalheiresco e sensível, leal nas palavras e no pensamento, apreciador do
convívio e atento aos amigos e à vida; dotado de uma fina inteligência
analítica, tendo conhecido bem a natureza humana, confiando convictamente nos
que pensavam como ele.
Desta forma, encontramo-nos na
circunstância trágica de vermos desaparecer mais um herói, que ficará, como vem
acontecendo a tantos outros revolucionários que tanto lutaram pela pátria, e
que esta não reconheceu nem honrou.
Compete-nos,
portanto, a nós não o deixar esquecer.