Sessão sobre o 40.º Aniversário da Descolonização




A Associação Conquistas da Revolução realizou no passado dia 11 de Novembro, em Almada, uma sessão comemorativa dos 40 anos da descolonização. Esta iniciativa teve como intervenientes José Gonçalves, Vice-Presidente da Câmara Municipal de Almada, Joaquim Judas, Presidente da Câmara Municipal de Almada, o Comandante Manuel Begonha, Presidente da ACR, António Modesto Navarro, escritor e membro da direcção da ACR, que falou sobre a luta conta a guerra colonial em Portugal, o Coronel Francisco Faria Paulino, que falou sobre Guiné-Bissau e Cabo Verde, o Coronel António Mascarenhas Pessoa, que falou sobre Moçambique, o Comandante Jorge Correia Jesuino, que falou sobre o processo de descolonização de Angola, e o Major-General Pedro Pezarat Correia, que falou sobre o processo de descolonização no plano global.



Saudação de Manuel Begonha, Presidente da ACR

Agradeço ao Sr. Presidente da Câmara Municipal de Almada a cedência destas instalações, assim como outras facilidades.
Agradeço aos intervenientes nesta sessão e ainda a vossa presença que muito nos honra.
Estamos a comemorar o 40.º aniversário da descolonização. A descolonização constituiu um dos três “D” – objectivos fundamentais do programa do MFA.
A ACR, no cumprimento do disposto nos seus estatutos pretende não deixar esquecer efemérides como esta que teve importância relevante na nossa história contemporânea.
Portugal foi conduzido a uma guerra cheia de episódios dramáticos que provocaram milhares de mortos e feridos de ambas as partes. Contudo, tal tragédia podia ter sido evitada, se os nossos dirigentes da época, tivessem sabido ou teimosamente não quisessem entender os sinais da conjuntura internacional que antecipavam o fim dos impérios coloniais.

Encontramo-nos hoje, a recordar a conclusão de uma época de má memória para os nossos povos, que tanto sofrimento provocou.




Intervenção de Modesto Navarro, membro da direcção da ACR

A questão colonial pesou sempre muito na vida e na história do nosso país. Desde os descobrimentos, desde a entrada dos portugueses no que foi inicialmente o combate à pirataria dos berberes, primeiro no mediterrâneo e depois no oceano atlântico. Lutas de defesa das populações e bens da nossa costa e incursões em pleno mar, foram o caldo de cultura que impulsionou essa procura de outros mundos e riquezas.

O conhecimento de marinheiros portugueses e estrangeiros, a experiência e os primeiros passos da navegação mais ousada para além da costa, a vontade de inventar instrumentos, de explorar novas oportunidades, a incapacidade da nobreza para o desenvolvimento interno, essa imensa ignorância e impotência face a um povo e a um país pobre que submetiam a impostos, à ignorância e à fome, levaram à criação de condições para a saída cada vez mais audaciosa e organizada para a costa de África; e, depois, essa progressão já conhecida e cantada, dos novos mundos ao mundo, de caminhas marítimos e estabelecimento de feitorias e fortificações nas costas de África, de descoberta e ocupação do Brasil, de possessões na Índia e noutras paragens.

As riquezas imensas que foram trazidas das terras mais próximas e mais longínquas, que faziam a alegria e o bem-estar da nobreza e de quem comerciava e vendia; os tantos tesouros dissipados na corte e no império; a continuação do esquecimento dos vários interiores do país; a vida e a morte de portugueses e os povos desbaratados e vencidos; a escravatura e venda de seres humanos, com as incursões mata adentro e estabelecimento de postos de venda, embarque e desembarque, fazem parte da nossa história e do rasgamento indesmentível de novos horizontes e progressão dos povos, de descobrimentos, do conhecimento prático e cientifico com influência no desenvolvimento do mundo.

Nada é só preto e branco, e de tudo isso resultaram acontecimentos que marcaram os séculos e, por exemplo, o século XIX, no célebre mapa cor-de-rosa e não só, no impulso a novas ocupações para o interior das colónias e na resistência armada a exigências de outras potências coloniais.

Durante a 1ª República, houve grande desenvolvimento da colonização e exploração das riquezas das então colónias. Armando de Castro, ensaísta que conviria reeditar e conhecer, num livro sobre a 1ª parte do século XX em Portugal, dá bem conta das decisões dos republicanos, aliados ao capital nacional e estrangeiro, quanto à ocupação de novos espaços e exploração das riquezas e da força de trabalho dessas regiões colonizadas.

“ Em África não se toca”, era a directiva dos governos de então, aprofundada com o advento do 28 de Maio de 1926 e com a instalação da ditadura fascista de Salazar. Norton de Matos e outros tentaram mostrar como se poderia agir nesse colonialismo que acabou por ser aprofundado e agravado na interligação de capitais e grupos económicos portugueses e de outros países, a Inglaterra, os Estados Unidos da América, a França e a República Federal Alemã, por exemplo, interligação que marcou o apoio à continuação do fascismo depois da 2ª guerra mundial.

Os acontecimentos na Europa e noutros continentes, a afirmação social e política dos trabalhadores e o ascenso da luta dos povos colonizados pela libertação e independência foram ganhando força e reconhecimento nas organizações internacionais. Surgiram grupos e movimentos que puseram em causa a presença, ocupação e exploração das então colónias e, em Portugal, há uma primeira força política que, na clandestinidade, analisa e põe no seu programa o objectivo de lutar pela independência e libertação dos países e povos colonizados pelo regime fascista de Salazar.

Foi em 1943, no 1º Congresso ilegal do PCP, que no informe de Duarte, pseudónimo de Álvaro Cunhal, se afirmou que “Os aliados do proletariado na actual etapa da revolução não são apenas o campesinato e a pequena burguesia. Os povos das colónias portuguesas são um aliado natural do proletariado “.

Em 1946, no 4º Congresso (2º ilegal), o PCP avançava numa maior caracterização do caminho para o derrubamento do fascismo e o fim do colonialismo e, nos 5º e 6º Congressos, em 1957 e 1965,incluía nos programas os objectivos que, em 1965, já eram resultado das lutas desenvolvidas em Portugal e na experiência e apoio às lutas armadas dos povos da Guiné-Bissau, Angola e Moçambique. Amílcar Cabral, Agostinho Neto e outros dirigentes e futuros combatentes nos seus países ocupados foram amigos e companheiros da nossa luta em Portugal contra o fascismo e em toda essa imensa história de sacrifícios, de prisões, de preparação de saídas clandestinas para os seus países e destinos de construtores de libertação e de independências.

Depois de acontecimentos iniciais de rebelião nas então colónias e expulsão de ocupantes do forte ex-negreiro de S. João Batista de Ajudá, depois de Dadrá e Nagar Aveli e da integração de Goa, Damão e Diu na soberania da Índia, a 4 de Fevereiro de 1961 avançou a luta anticolonial e armada do MPLA em Angola. Na Guiné-Bissau e em Moçambique, o PAIGC e a Frelimo deram início à luta armada e combateram pela libertação e independência dos seus países e povos.

Em Portugal, Salazar e o fascismo lançaram essa cruzada intensa de “Para Angola e em força”, tal como para as outras colónias, contra povos e movimentos em luta, numa declaração de guerra que atingiu profundamente o país até ao fim do fascismo e ao 25 de Abril.

A emigração massiva e clandestina para a Europa marcava a crise imensa da agricultura e da impossibilidade de viver e subsistir em regiões e terras atrasadas e esquecidas. A essa fuga juntaram-se as razias sucessivas de jovens que iam à inspecção e à vida militar para serem preparados para a guerra em África.

À ausência de dezenas de milhares de homens, e depois de mulheres na imigração, juntava-se esse drama imenso de uma guerra colonial que nos trouxe cerca de 10.000 mortos e mais de 30.000 estropiados e marcados pelas experiências brutais nas frentes de combate. Uma guerra que significava em cada ano 43% das despesas gerais do Estado fascista, para além de armas, crédito e apoio diplomático de países que sustentaram Salazar e o fascismo no poder.
A organização clandestina nas forças armadas; a consciencialização dos trabalhadores e do povo português nas lutas contra o custo de vida e a fome; a revolta crescente contra guerras que nada traziam a não ser perdas humanas e mais desastre; os apelos à paz, a denúncia e o combate de sectores mais avançados, com destaque param os comunistas e a oposição democrática clarividente e corajosa; a luta de oficiais do quadro e de outros militares; a consciência crescente nas universidades, do movimento estudantil, de associações, de jovens trabalhadores, a retirada de milhares de estudantes das universidades e a integração forçada nas tropas destinadas à guerra colonial; o grande impulso e desenvolvimento destas lutas a partir de 1969, com a criação da CDE – Comissões Democráticas Eleitorais, que colocaram como um dos grandes objectivos o fim das guerras coloniais, a partir das posições corajosas e decisivas sobretudo de comunistas e católicos progressistas; os acontecimentos na Capela do Rato, numa vigília pela Paz cercada e interrompida pelas forças da repressão fascista, com espancamentos, prisões e torturas; as sessões e manifestações, a publicação de boletins, volantes e outros documentos denunciadores da guerra colonial; os espectáculos que eram proibidos, os comícios cercados e alvo de forte repressão da PIDE e da GNR; a organização clandestina, as actividades da ARA – Acção Revolucionária Armada, as organizações semi-legais, nomeadamente as comissões democráticas em distritos, concelhos e freguesias; todos esses movimentos, iniciativas, lutas e combates criaram condições para a realização dos Congressos de Aveiro, para a participação da juventude trabalhadora e dos estudantes, de forma cada vez mais corajosa e interventiva, nessas frentes importantes que vieram a contribuir para a consciência e o crescente posicionamento democrático das forças armadas portuguesas.

As reuniões clandestinas e a criação do Movimento das Forças Armadas foram o corolário decisivo de um enorme movimento de revolta levantada no povo português, nas famílias, nos trabalhadores, nas empresas, nas universidades e em cada terra, face à miséria e ao desastre, aos gastos insustentáveis, à exploração acentuada dos trabalhadores, do custo de vida, das dificuldades de sobrevivência e dessa enorme injustiça e violência de ocupação de países e morte de povos que eram explorados pelas grandes multinacionais do petróleo, dos diamantes, do algodão, do café e de todas as riquezas da África revoltada e em luta.

Foi a vitória de todos nós, essa imensa revolução de 25 de Abril de 1974, a libertação dos presos políticos, tantos deles por causa das lutas contra a guerra colonial, a preparação de condições para que a descolonização e a independência dos povos e países avançassem.

Não foi fácil. Coube aos movimentos de libertação da Guiné-Bissau, Cabo Verde, Angola e Moçambique um papel fundamental e determinante ao longo dos anos. Coube ao povo português, aos trabalhadores, às suas organizações políticas e sindicais, a oposição democrática que soube ser consequente; coube aos corajosos Capitães de Abril e a todos os militares que prepararam e ergueram os princípios e programa do MFA, que fizeram esse levantamento militar, que acompanharam e apoiaram os trabalhadores e o povo na transformação do 25 de Abril em revolução imparável e popular; coube a todos os que foram patriotas e revolucionários essa imensa conquista que foi o fim da guerra colonial e o apoio determinado à independência das ex-colónias.


A nossa cidadania, a nossa participação democrática, revolucionária e popular, essa Aliança Povo – MFA que foi impulsionada e conquistada, valeu o principal das nossas vidas, da nossa alegria e liberdade. Hoje, comemoramos o 40º Aniversário de uma das conquistas principais do 25 de Abril e da Revolução e saudamos os povos e países da Guiné-Bissau, Cabo Verde, Moçambique e Angola, conscientes das nossas forças e vontade de prosseguir nos caminhos da democracia, da construção de um Portugal livre e independente, a caminho de um futuro melhor, no regresso ao que é principal e decisivo: o desenvolvimento económico, social e cultural do nosso povo, a afirmação dos direitos dos trabalhadores, das forças armadas e militarizadas, do país que amamos e que precisa da Constituição da República respeitada e cumprida em todos os seus vectores essenciais para o futuro democrático e avançado de Portugal.