Boa tarde a todos
Este Congresso teve como
referência o General Vasco Gonçalves, figura ímpar e principal motivo de
inspiração da nossa Associação. De facto a razão primeira que nos movimenta é
preservar o seu pensamento e a sua obra.
Se outro mérito não tivesse este
tão rico e participado Congresso, foi pelo menos o de discutirmos temas que não
foram abordados em nenhumas outras sessões comemorativas, colóquios e
seminários, integrados no 40º aniversário do 25 de Abril e muito menos nas
oficiais, claramente situacionistas.
As intervenções que aqui foram
proferidas permitem-nos perceber melhor o que foram os 48 anos de ditadura e o
ignóbil fascismo que nos oprimiu e que tão estéril foi para Portugal.
Ficou claro o combate pela
liberdade que tantos extractos do nosso povo desenvolveram, desde os
estudantes, aos sindicalistas, aos agricultores, às mulheres, aos operários,
incluindo os militares, sem esquecer a violência da luta na clandestinidade. E
foram todas estas acções que nos permitiram estar hoje aqui.
Nesta árdua caminhada assistimos
à importância que a guerra colonial teve na alteração da análise que os
militares faziam da situação, passando a concluir que estavam envolvidos numa
guerra injusta e contra o sentido da história.
Sob o beneplácito untuoso de
Salazar e Caetano, passamos a viver com a PIDE, exploraram-se os assalariados
rurais e assassinou-se Catarina Eufémia.
Perseguiu-se a cultura e os
intelectuais e assassinou-se José Dias Coelho.
Falava-se “numa casa portuguesa
com certeza”, mas que de dignidade nada tinha.
Encheram-se as prisões de Caxias,
Aljube e Peniche e o Campo de Concentração do Tarrafal. Manteve-se o povo na
ignorância e entregue a si próprio. Teceram-se laudas à emigração. Escolheu-se
o exílio. Impediu-se o exercício da actividade sindical e associativa.
Estabeleceu-se a Censura. Activaram-se os Tribunais Primários. Subalternizou-se
a mulher não lhe reconhecendo o direito à igualdade e à cidadania plena.
Realizou-se o assalto ao Quartel de Beja. Eliminaram-se as eleições livres.
E tudo isto aqui foi retratado.
Subitamente Salazar cai da
cadeira. Pateticamente Caetano mantem um fantasma na convicção que ainda detém
o poder, enquanto aparenta suavizar o regime. Nada feito. Tomás é irredutível.
A guerra é para continuar.
Realiza-se o Congresso de Aveiro.
As greves de vários sectores alastram por todo o país. Agudizam-se as lutas
estudantis e o luto académico. Funda-se a Intersindical Nacional. Conquistam-se
as 8 horas de trabalho diário para os assalariados rurais.
A luta recrudesce e dentro dos
quartéis, com a ajuda dos milicianos, a contestação sobe de tom.
Até que chegou a madrugada
libertadora do 25 de Abril de 1974, com a tomada do poder pelos militares que
foram de imediato activamente apoiados pelo povo.
Ramiro Correia resume deste modo
a situação até então vivida:
“Após 48 anos de fascismo, 14
anos de guerras coloniais, 32% de analfabetos, 10% da população emigrada e
milhares de mortos e inválidos de guerra.
Após termos índices sanitários
dos mais baixos da Europa, problemas dramáticos na habitação e economia
desastrosa.
Com o prestígio internacional
nulo. Repressão. Censura. Corrupção. Foi neste clima de tragédia que na
madrugada do 25 de Abril o MFA e o Povo iniciaram a árdua caminhada para a
construção da sociedade socialista em Portugal”.
Seguiu-se um 1º de Maio
congregador. Foi uma gigantesca manifestação da vontade de mudar. Levantou-se
então uma força revolucionária imparável que percorreu toda a sociedade
portuguesa, conduzida essencialmente pelos trabalhadores e que juntamente com o
MFA se propôs dar imediata execução aos 3 “D” do Programa do MFA –
Descolonizar, Democratizar, Desenvolver.
Neutralizou-se a PIDE e a
Censura, libertaram-se os presos políticos e, após várias vicissitudes, o
ímpeto revolucionário parece ter abrandado com o consulado de Spínola. Mas este
será de curta duração e a sua queda permitiu finalmente o avanço da
Descolonização, inicia-se a preparação da questão da terra a epopeia da Reforma
Agrária e chegam ao terreno as campanhas de Dinamização Cultural que se
revelaram de grande importância na divulgação do Programa do MFA e na acção
cívica junto à população.
Como em todas as épocas
singulares da história dos povos, surgiu um Homem, o General Vasco Gonçalves,
com a dimensão moral e política que este tempo exigia.
Nos 4 Governos provisórios a que
presidiu e apesar das dificuldades próprias destes processos, colocadas desde
logo por movimentos contra-revolucionários nacionais e internacionais, foi
capaz de responder às necessidades mais prementes, identificando e combatendo
as injustiças sociais mais flagrantes provenientes do regime fascista e assim
lançando os alicerces para a construção de uma sociedade nova.
Tal objectivo foi conseguido
mantendo a economia a funcionar, melhorando mesmo os indicadores económicos,
como aliás foi reconhecido por uma delegação do FMI que à época se deslocou a
Portugal.
E isto está claro no que aqui
hoje foi dito.
Deste período criativo e
transformador da Revolução, decorreram a legalização dos partidos, os avanços
nas fábricas, nos campos, nos serviços; os trabalhadores organizam-se e tomam o
controlo da produção e defendem-se das tentativas de sabotagem dos patrões;
avança a gestão democrática nas escolas e os movimentos dos rendeiros e
assalariados rurais preparam a Reforma Agrária.
Sucedem-se então as grandes
acções revolucionárias que constituíram as Conquistas da Revolução. Muito hoje
ouvimos falar delas, mas contudo destacaria as Nacionalizações, o Controlo
Operário da Produção, a Reforma Agrária, o Poder Local Democrático, o
reconhecimento da igualdade das mulheres e a Constituição da República.
Esta, após sete revisões continua
a ser o garante da democracia e o baluarte para a defesa das conquistas da
Revolução que ainda restam. Como ouvimos é uma Constituição que vertia para si
os direitos individuais consagrados na Declaração Universal dos Direitos
Humanos, que defende a independência e soberania nacionais, e que punha fim ao
colonialismo. Apesar de todos os ataques mantém no actual texto constitucional
direitos fundamentais que nos levam a lutar pela sua defesa e a exigir o seu
cumprimento.
No entanto, um país nestas
condições era inaceitável e perigoso para o capital nacional e internacional
que de imediato desencadeou uma gigantesca ofensiva contra este Portugal,
fortemente apoiado pelas forças reaccionárias externas.
Iniciam-se as reuniões espúrias
de Mário Soares e do Grupo dos 9 com o embaixador Frank Carlucci, percursoras
do golpe do 25 de Novembro. Divide-se o MFA. O PS e alguns dos 9 coligam-se com
a direita e a contra-revolução. Incentiva-se a extrema-esquerda.
Otelo envereda por uma política
errática. Trai-se Vasco Gonçalves. Crescem as cedências à soberania nacional e
a submissão do poder político ao poder económico, ou seja ao BES e seus
aliados. Metodicamente destrói-se a indústria nacional. Cresce a sabotagem
económica. Dá-se o pronunciamento de Tancos e a demissão de Vasco Gonçalves.
Extingue-se a 5ª Divisão do EMGFA e as campanhas de dinamização cultural.
Promulga-se a Lei Barreto e a destruição da Reforma Agrária.
Desenvolvem-se redes bombistas.
Cria-se o ELP e o MDLP. Atacam-se as sedes do PCP e do MDP. Ataca-se há onze
anos a contratação colectiva. Tenta aumentar-se o horário de trabalho. Faz-se
um ataque selvagem ao ensino público, investigação, SNS e acesso aos Tribunais.
Baixam os salários. Cresce o desemprego. Reaparece a Censura a iniciativas como
esta. O país volta a perder o crédito nacional e internacional. E vai ficando
mais triste e mais inseguro.
Finalmente que futuro para
Portugal?
É claro que terá de ser de luta
para travar este Governo em que os ministros cometem erros grosseiros, pedem
desculpas, arranjam bodes expiatórios, mas não se demitem. Ou seja o Governo em
vez de desenvolver vende o património nacional, apenas se preocupando com a
consolidação da ideologia dominante; é gritante o défice de liderança e de
gestão, entregando-nos nas mãos do capital internacional e aos ciclos
especulativos. Cria-se então um ambiente de inibição colectiva de enfrentar o
risco e a diferença, muitas vezes identificado como pessimismo.
A economia não é conduzida tendo
em vista a investigação e o desenvolvimento, isto é o rumo que conduza à
especialização e ao conhecimento.
Não se verifica a capacidade de
identificar o fundamental e de descrevê-lo sem equívocos. Tal postura reflecte
a ausência de um pensamento estratégico e um plano para o país.
As decisões são tomadas ao sabor
da sorte e do acaso, sendo um disfarce para a ignorância e o fatalismo.
O que se espera de um Governo é
competência. Isto é, saber fazer as escolhas adequadas e não andar à deriva.
Este gigantesco embuste está
criado. Mas não está consolidado. Temos de ir buscar às lições do passado
próximo e dos combates contra a ditadura, novas formas de luta, mais
elaboradas, mais criativas, mas sempre determinadas para voltar aos caminhos da
justiça, solidariedade e bem-estar para todos os portugueses.
E nós estamos atentos a isto
tudo. A ACR no programa para 2015, integra um conjunto de acções que não dará
tréguas a este Governo. Só resistindo seremos dignos do Homem que hoje também
estivemos a homenagear. O General Vasco Gonçalves.
Manuel Begonha Presidente da ACR