Intervenção de Baptista Alves na Assembleia da Paz de 25 de Março de 2023
Presidente da Direcção da ACR e presidente da Assembleia da Paz
Estamos hoje a viver uma das mais graves crises internacionais dos últimos tempos.
A guerra na Europa, iniciada na Ucrânia, ameaça continuar numa escalada imprevisível.
A destruição daquele país continua de forma assustadora, o número de mortos dum e de outro lado não deixa de crescer todos os dias, as acusações de violações do direito da guerra, também. Tudo como desde sempre temos alertado, porque as guerras são isso mesmo: a pior das irracionalidades.
Vencedores nas guerras só os traficantes do armamento, os contrabandistas de todas as mercadorias que alimentam as guerras, até humanas.
Esta guerra, como sabemos, começou com um golpe de Estado violento, em Fevereiro de 2014, por forças nas quais se incluíam os neonazis imbuídos de preconceitos racistas e xenófobos contra a população de origem russa. Este golpe contra o presidente eleito da Ucrânia, foi apoiado pelos EUA e pela UE.
Em Março de 2014, separatistas pró-russos, apoiados por forças da Federação Russa, declaram a independência da Crimeia e, após referendo, a integração na Federação Russa.
A este pretexto, a NATO reforçou a sua presença militar na zona do Mar Negro.
No leste e sul da Ucrânia a disputa com os separatistas pró-russos foi objecto dos acordos, constantes do denominado “Protocolo Minsk”, assinado, em 5 de Setembro de 2014, pela Ucrânia, Rússia, República Popular de Donetsk e República Popular de LugansK, sob os auspícios da OSCE (Organização de Segurança e Cooperação Europeia). Acordos que, no essencial, impunham o cessar-fogo e garantiam a concretização da autonomia das duas repúblicas integradas na Ucrânia.
O não cumprimento dos acordos, a continuação dos combates e a concentração de forças da Ucrânia na linha de confrontação indiciando intenções de resolução do conflito por meios militares, a acrescer às proclamadas intenções da Ucrânia em aderir à NATO, são os argumentos para a declaração da independência das duas repúblicas, de imediato reconhecidas pela Federação Russa e após referendo integradas na Federação.
Estes são os factos que foram magistralmente secundarizados e mesmo escondidos da opinião pública ocidental e substituídos por uma avassaladora campanha de diabolização de Putin. Porquê?
Porque em curso estava a concretização duma estratégia gizada e orquestrada do outro lado do Atlântico visando objectivos estratégicos e geopolíticos a nível planetário, nos quais se inscreve: o enfraquecimento da Federação Russa como primeiro passo para apontar a Pequim e esmagar o “milagre económico chinês” e, o que é por demais evidente, reforçar a dependência económica e militar da União Europeia em relação aos EUA, acabando de vez com qualquer pretensão a uma voz europeia autónoma no concerto das grandes nações.
Coube-nos o papel de disciplinados vassalos e como ficou bem claro em declarações recentes da ex-Chanceler alemã, a Srª Merkel, até aceitámos ser parte na armadilha constituída pelos acordos de Minsk: ganhar tempo para armar a Ucrânia.
Curioso é que tenha sido precisamente a Alemanha a receber a primeira grande e humilhante punição disciplinar por mau comportamento, nas hostes ditas ocidentais. Refiro-me obviamente à destruição dos gasodutos.
Se isto é assim, se todos sabemos isto, o que leva os dirigentes europeus a envolverem-nos neste conflito, a despejarem armamento e dinheiro numa guerra na qual, qualquer que seja o desenlace, seremos sempre perdedores?
Todos também sabemos a resposta: a teia de compromissos e conivências que o império soube tecer.
O nosso caso, português, é exemplar:
Os nossos governantes quando questionados sobre esta problemática, invariavelmente respondem que são os nossos compromissos internacionais.
Mas o Artigo 7º, nº1 da CRP estabelece claramente-Portugal rege-se nas relações internacionais pelos princípios da independência nacional, … da solução pacífica dos conflitos internacionais, …”.
Sobrepõem-se os compromissos internacionais aos ditames da Lei Fundamental do País?
A nossa CRP, nascida da revolução de Abril, no mesmo artigo 7º, no nº2, estabelece que “Portugal preconiza o desarmamento geral, simultâneo e controlado, a dissolução dos blocos político-militares, e …”.
Isto consegue-se com o reforço da nossa participação e empenhamento na NATO? Ou é mesmo o seu contrário?
Continuando na verdade dos factos.
Em Fevereiro de 2022, o exército russo dá início à denominada operação militar especial que no terreno vai assumindo as proporções de uma confrontação directa com o exército ucraniano, apoiado este pelos EUA e seus aliados da NATO.
Mas, para se perceber o que está verdadeiramente em jogo, é preciso ir um pouco mais atrás.
Após a II Guerra Mundial, logo em 1949,os EUA, sustentados no poderio económico com que saíram do conflito e no monopólio da arma atómica, juntamente com a Grã- Bretanha, rompem a grande aliança vencedora e reforçam a sua presença militar na Europa e no Oriente.
É neste mesmo ano que é constituída a Organização do tratado do Atlântico Norte (OTAN/NATO).
A contenção do comunismo e o combate à União Soviética são o pretexto para a corrida aos armamentos e a proliferação de bases militares avançadas.
Em 14 de Maio de 1955, é criado o Pacto de Varsóvia, aliança militar entre a união Soviética e outros países do leste europeu.
A Guerra Fria, como ficou conhecido este período, vai permitir aos EUA, através do seu braço armado, a NATO, manter a ocupação militar e garantir a subordinação da Europa aos seus objectivos.
Em 1989, com a dissolução da União Soviética e o desmantelamento do Pacto de Varsóvia, a situação geoestratégica global sofre uma alteração completa.
Ao invés do que seria expectável, o desmantelamento da NATO, a continuação dos acordos com vista ao desarmamento e o reforço do caminho iniciado em Helsínquia, em 1975, os vencedores da “Guerra Fria”, agora sem adversário, apostam no alargamento e no reforço da NATO como garantia da sua hegemonia global.
Este novo período vai ficar marcado por um sem número de ingerências, agressões e guerras, e, ao arrepio dos compromissos assumidos, a NATO alarga a sua influência ao Leste da Europa e reforça as suas posições militares na envolvente da Federação Russa.
Entretanto o Mundo foi mudando, a Federação Russa recupera do abalo sofrido com a dissolução da URSS e emergem outros polos de poder económico e militar dispostos a disputar a hegemonia do poder global único.
É a situação que temos hoje e é, neste novo contexto, que a saída para o conflito vai ter que ser encontrada.
A Federação Russa é uma potência nuclear, com um potencial de destruição equivalente ao dos EUA.
Que Mundo nos espera?
Uma nova edição da Guerra Fria, um novo equilíbrio pelo terror, armados até aos dentes, a olhar para o Relógio do Juízo Final?
Uma nova ordem Mundial assente na multipolaridade,” como bons vizinhos”, a “empregar mecanismos internacionais para promover o progresso económico e social de todos os povos” , como estabelece a Carta das Nações Unidas?
Ocioso será especular agora sobre estes e outros cenários possíveis, perante uma realidade, já implantada no terreno, com incursões provocatórias raiando as linhas vermelhas da confrontação total que nos trazem a certeza de que a probabilidade de uma hecatombe com epicentro na Europa está a ser aumentada dia após dia.
É urgente travar esta loucura!
Parar esta e todas as guerras que mancham a caminhada da humanidade, com sofrimento e morte, tem sido e vai continuar a ser um imperativo do nosso trabalho no CPPC, como ficou bem patente na intervenção da Presidente da Direcção, Ilda Figueiredo.
Havemos de ser capazes de construir um novo Mundo, um Mundo de Paz!