Homenagem a Adriano Correia de Oliveira - Arquivo Sophia de Mello Breyner, Vila Nova de Gaia, 21 de Julho de 2022

Intervenção proferida pelo Presidente da Assembleia Geral do "Centro Adriano Correia de Oliveira" e vogal da Direcção da nossa Associação, Jorge Sarabando.

A ACR fez-se representar por Alexandra Paz do núcleo do Porto

 

Adriano, um canto em forma de Abril

 

Jorge Sarabando
O que desde logo surpreende ao abrirmos esta obra dedicada a Adriano Correia de Oliveira, na comemoração dos 80 anos do seu nascimento, é o número de entidades aderentes à Comissão Promotora, mais de 70, e o número de aderentes individuais, mais de 340, a sua qualidade e diversidade, e a valia dos testemunhos reunidos neste livro, comprovando bem como a memória, do homem e da obra, está bem viva, quatro décadas depois de nos ter deixado, e sendo tão raras as ocasiões de ouvirmos o seu nome e a sua voz.

Uma palavra de louvor é devida à Comissão Executiva em boa hora criada pelo Centro Adriano Correia de Oliveira, de Avintes, pela meritória actividade já desenvolvida, em que se contam edições, como a do livro que hoje vos é presente, os concertos realizados, todos de casa cheia, o êxito da transmissão radiofónica, a Exposição itinerante, patente neste Arquivo Municipal, entre outos actos evocativos, num programa muito rico e variado que só terminará no próximo ano.

Aqui registo os autores do livro hoje apresentado: Álvaro Siza Vieira, Ana Biscaia, Adão Cruz, Alberto Martins, Amélia Azevedo, Ana Amaral, Anabela Fino, Armando Carvalheda, Arnaldo Trindade, Aurelino Costa, Avelino Tavares, César Príncipe, Eduardo Vítor Rodrigues, Eldad Manuel e Eldad Mário Neto, Eva Cruz, Francisco Mangas, Ilda Figueiredo, Isabel Correia de Oliveira, Isabel Niza, Janita Salomé, Jerónimo de Sousa, João Carlos Callixto, João Malheiro, João Mascarenhas, João Paulo Guerra, Jorge Cunha, Jorge Seabra, Jorge Sarabando, José António Gomes, José Barata-Moura, José Carlos Ary dos Santos, José Efe, José Goulão, José Manuel Mendes, José Niza, José Lopes de Almeida, José Soares Martins, Viale Moutinho, Judy Rodrigues, Júlio Roldão, Louzã Henriques, Luís Represas, Luís Veiga Leitão e Aurora Gaia, Manuel Alegre, Manuel Augusto Araújo, Duran Clemente, Manuel Faria, Manuel Moura, Manuel Rocha, Manuel Santos, Margarida Folque, Maria do Amparo, Marília Lopes, Conceição Lima, Mário Correia, Gonçalves Lima, Matilde Acosta, Maximina Miranda, Miguel Amaral, Modesto Navarro, Nuno Higino, Olinda Moura, Paulo da Costa, Paulo Sucena, Paulo Vaz de Carvalho, Pedro Tadeu, Rita Duarte, Roberto Machado, Rui Pato, Salvador Santos, Samuel, Sérgio Godinho, Teresa Alegre Portugal, Urbano Tavares Rodrigues, Vasco Paiva, Vicente Aráguas, Vieira da Silva, Viriato Teles, Vitorino Salomé, e o colectivo da redacção do jornal Avante!.

Todo este trabalho, criado com imaginação, ousadia, engenho, persistência, e a compreensão e simpatia de quem o acolheu e apoiou, suscita uma primeira pergunta: porquê? Porquê, tantos anos depois, os longos e emocionados aplausos dos públicos, os sorrisos abertos diante de um texto ou de uma imagem representando Adriano?

Talvez porque haja quem dele guarde, ainda que numa fugaz lembrança, aquele gesto, aquela palavra, aquele seu modo desprendido de ser, aquele seu dom de fazer amizade, aquele ser fraterno e generoso para quem o acompanhava e escutava. Em tempos adversos de combate, contra grades e guerras, mas em que se forjavam cumplicidades para a vida, ou de alegria e júbilo pela liberdade e libertação nos dias luminosos de Abril, ou ainda de enfrentamento das regressões e das imposições de antigos mandantes, com a cabeça erguida e abraços firmes e francos, ali esteve sempre Adriano.

Ei-lo, tão longe no tempo, mas tão perto, tão cerca, tão dentro de nós.

Quem o conheceu não esquece a sua dádiva às lutas mais difíceis, a sua entrega solidária à causa justa dos mais frágeis e desprotegidos, a limpidez de um olhar e o calor de um abraço, ou um certo momento, de que se guarda por vezes apenas ténue lembrança, lá bem no fundo do peito, nos encontros e desencontros da vida, mas que ainda perdura, em que se forjou uma identidade colectiva e se criou uma comunidade de ideais e valores democráticos.

Mas há ainda quem nunca o tenha conhecido pessoalmente, nem com ele tenha trocado uma palavra, ou tenha avistado num palco sequer, mas não esconda a emoção quando ouve a sua voz numa canção, por vezes a mais inesperada ou delida pela distância.

É a sua voz que melhor nos diz quem é Adriano. Era uma voz humaníssima, uma voz onde pulsava a luta e a vida, soava a alegria e a tristeza, onde se fundiam emoção e razão, uma voz que nos chamava para si, com um timbre único envolto de magia que ainda hoje nos prende e entre todos prende. Há canções assim de Zeca Afonso e do Chico Buarque, desvelam com a sua voz a condição humana, a todos tocam e convocam.

Num dos textos mais impressivos da nossa colectânea, escreve, numa belíssima síntese, Urbano Tavares Rodrigues: “…hei-de rever sempre a chama de Adriano, frente ao público que se lhe rendia, ouvir o cristal da sua voz, em cuja limpidez nascia a fraternidade”.

Estas palavras de Urbano oferecem-nos uma chave para responder a uma segunda e inevitável pergunta: porque é que o cantar de Adriano, ancorado em firmes convicções que nenhuma contingência abalou, num compromisso pela transformação do mundo, no modo solidário de ser e de estar, continua a despertar testemunhos tão valorizadores por parte de pessoas tão diversas?

Diversas nas gerações a que pertencem, nas mundividências que representam, nos percursos profissionais, nas opções, nas circunstâncias em que conheceram Adriano.

Não será apenas o encanto da sua voz inspiradora, alguma memória acalentada, o que a todos move, mas talvez a consciência comum da urgência de refazer laços entre todos numa época marcada pelo individualismo, povoada por solidões, medos, egoísmos, vivências fragmentadas. Diria, recentemente, Tolentino de Mendonça, poeta e cardeal: “Precisamos como sociedade de aprender a valorizar os fios que nos ligam e entrelaçam, os fios sem os quais nós não somos. E descobrir que só temos verdadeiramente mãos, mãos livres, quando as damos”.

Em todos os testemunhos se encontra uma afectuosa lembrança de Adriano. No seu conjunto ajudam-nos a conhecer melhor a sua dimensão humana, o seu valor como artista, a mudança que operou na tradição musical, a força das palavras a iluminar o canto, como recriou temas populares, como deu asas à voz dos poetas. Não foi só a Trova do vento que passa, o hino de uma geração que ousou dizer não à guerra, à injustiça, à tirania. Mas também a coragem que desponta de um grito desassombrado e entoado a mil vozes: “Venho dizer-vos que não tenho medo, a verdade é mais forte que as algemas”.

Ajudam-nos a conhecer melhor o jovem que cresceu num lugar idílico, em Avintes, onde viria a deixar o mundo nos braços de sua mãe, o itinerário de uma curta e intensa vida onde não faltaram momentos de amargura mas muitos, muitos mais, os de uma imensa alegria partilhada com amigos e por multidões que souberam aplaudi-lo e acarinhá-lo.

Também nos ajudam a conhecer melhor uma época de mudança e ruptura, de ardente luta pela paz, a liberdade, a justiça, a igualdade, uma época de violência e combate, para alcançar a democracia, construir a democracia, defender a democracia e todas, todas as suas conquistas.

Adriano esteve sempre presente em todos os momentos desta luta, que hoje continua. Nunca faltou a sua presença, o seu testemunho, com a sua coragem, com a beleza do seu canto, a ternura da sua voz, que permanece e encanta. Nela vicejam os cravos de Abril, sempre, sempre. Que, aqui e agora, neste livro nos chegam de novo, numa oferenda feliz, entre tantas mãos.



Arnaldo Trindade - editor de Adriano







Silvestre Lacerda - Director da Torre do Tombo