No passado dia 22 de Setembro ocorreu no
Porto, na Atmosfera M , perante numerosa assistência, o lançamento do livro
Vasco Nome de Abril. Estiveram na mesa Manuel Begonha e Baptista Alves da
Direcção da ACR, Jorge Sarabando dirigente do núcleo local da ACR e Avelino
Gonçalves Ministro do Trabalho do 1º Governo constitucional. A sessão decorreu
num ambiente muito animado mas também emotivo.
Intervenção
de Avelino Gonçalves
na sessão de
apresentação do livro
VASCO, NOME
DE ABRIL
na ATMOSFERA
M
no Porto
em
22.SETEMBRO.2014
Nenhuma
revolução é redutível a um homem.
Mas há homens cujo nome fica
indubitavelmente ligado a uma revoluçção.
No caso do 25 de Abril, Vasco Gonçalves é,
muito justamente, um deles.
O Movimento das Forças Armadas
comprometeu-se com três objectivos: Descolonizar, Democratizar e Desenvolver.
Fez tudo, ou quase tudo, para cumprir,
pela sua parte, estes três desígnios.
Reconheceu o direito dos povos das
colónias à autodeterminação e à independência.
Liquidou a ditadura e assegurou-se de que
fosse elaborada e promulgada a Constituição.
Promoveu uma série de medidas tendentes a
desenvolver o país no plano económico e social.
Designadamente, promoveu a liberdade de
iniciativa empresarial, garantiu condições para o acesso de todos ao ensino,
assegurou que o Estado assumisse o controlo de sectores chave da actividade
económica como a banca e os seguros, a metalurgia pesada e a petroquímica e os
colocasse ao serviço do povo e do país.
Em todas estas situações tiveram sempre um
indispensável papel as estruturas dirigentes do Movimento das Forças Armadas,
nas quais Vasco Gonçalves teve um destacado papel por mais de um ano.
Não é nenhum
privilégio viver sob uma ditadura.
Há muito para contar, mas o que há para
contar não é, em geral, bonito de ouvir.
Pode sublinhar-se a luta dos resistentes,
a sua coragem, a sua capacidade de enfrentar os esbirros e de os remeter à sua
condição de poltrões.
Mas esse modo de contar a vida não pode
escamotear o brutal sofrimento, as privações e revolta irresolvida que a
perseguição, a prisão arbitrária, a tortura, o isolamento e a privação da vida
em família, da convivência com os filhos sempre representou para os
antifascistas atingidos pela repressão.
A PIDE e a sua rede de bufos e
informadores, a Censura, os Tribunais Plenários, as medidas de segurança, a
Legião e a Mocidade Portuguesa, os serviços de propaganda do regime, os
Governadores Civis e os delegados do Instituto Nacional do Trabalho e
Previdência constituiam em conjunto com outras instituições uma rede opressiva
que violentava, esmagava, oprimia, secava a naturalidade criativa.
Quem não recorda a odiosa Lei 27003 que
impunha a chamada “declaração anticomunista” e exigia a delação por parte das
chefias da administração pública e de serviços autónomos e, até, das empresas
privadas?
Quem esquece as medidas administrativas
arbitrárias de encerramento temporário que se abatiam sobre empresas em que se
registassem greves?
Nunca morreu
no povo português a aspiração à liberdade.
Repetidas vezes (dezasseis ao todo),
militares e civis se levantaram em armas contra a ditadura e pagaram com a
pisão, a tortura, o degredo e por vezes com a morte a sua oposição ao fascismo.
Ao longos dos 48 anos da ditadura sempre
os mais diversos grupos profissionais e estratos e sectores da população
lutaram pelos seus interesses e direitos e pela liberdade.
Ao longo de dezenas de anos os
trabalhadores texteis, os metalúrgicos, os corticeiros, os estivadores, os
caixeiros, os trabalhadores rurais do Alentejo e Ribatejo, como também os
bancários, os profissionais de seguros, os empregados de escritório, os
professores e os médicos uniram-se na luta por melhores salários, pela redução
da jornada de trabalho, pelo direito a férias e por garantias de segurança
social.
Aqui no Porto, funcionou muitos anos a
Comissão Democrática de Trabalhadores, estrutura ligada ao Movimento da
Oposição Democrática.
Na Comissão Democrática de Trabalhadores
participavam activistas sindicais de diversos sectores profissionais,
designadamente metalúrgicos, texteis, gráficos, bancários, escritórios,
seguros, barbeiros, alfaiates, caixeiros.
Os membros da CDT promoviam uma intensa
participação dos seus sectores de actividade em iniciativas cívicas e
políticas, sessões, concentrações,, romagens e manifestações promovidas em
torno de datas significativas como o 31 de Janeiro, o 5 de Outubro e o 1.º de
Maio.
Algumas dessas jornadas, como o 31 de Janeiro
de 1962, o 1.º de Maio de 1971 e a jornada contra a carestia da vida de 15 de
Abril de 1972 foram grandiosas jornadas de luta.
Jornalistas
franceses que visitaram Portugal em 1974 testemunharam um país surpreendente: grande número de analfabetos, falta de
estradas e de escolas, falta de esgotos e saneamento, falta de estruturas e
serviços de saúde, barracas e ilhas insalubres, etc.
Em 1974 Portugal sustentava uma guerra
colonial em três frentes, Guiné, Angola e Moçambique, enquanto a inflação
trepava até valores insustentáveis.
A mortalidade infantil atingia os 45%o (e
hoje é de cerca de 3%o).
Na década que precedeu o 25 de Abril
emigrou mais de 15% da população.
Eram profundas as desigualdades, mesmo no
seio das classes trabalhadoras.
Grupos profissionais havia, como os
texteis ou os funcionários públicos, que venciam salários de miséria, que
chegavam a ser dez vezes mais baixos do que aqueles que os bancários auferiam.
O SMN fixado em Maio de 74 nos três mil e
trezentos escudos abrangeu 56% dos trabalhadores portugueses e mais de 60% dos
funcionários públicos.
Nos campos do norte e centro os caseiros e
rendeiros eram esmagados pelas condições desiguais das parcerias.
Há a ideia de
que Vasco Gonçalves foi muito responsável pelo aconteceu a Portugal em 74 / 75.
Eu acho que foi e que por isso Portugal e
os portugueses lhe devem muito.
Em dois anos, de Abril de 74 a Abril de
1976, Portugal sofreu uma profunda transformação.
Por mais de metade desse período Vasco
Gonçalves permaneceu à testa do Goveno.
Com tal vigor e determinação que muitos
meses depois ter sido vencido (de termos sido vencidos), o impulso da sua
governação marcava ainda os acontecimentos.
Vasco Gonçalves tomou posse como Primeiro
Ministro do II Governo Provisório em meados de Julho de 1974.
A sua tomada de posse marcou a derrota do
Golpe Palma Carlos, desbaratado pela Comissão Coordenadora do Movimento das
Forças Armadas.
O projecto autoritário de Spínola e Sá
Carneiro de apressar as eleições presidenciais, reforçar os poderes de Spínola
e adiar as da Assembleia Constituinte saiu derrotado.
Seguiu-se um ano de governos presididos
por Vasco Gonçalves.
Em Agosto de 1975 Vasco Gonçalves preside
ainda ao V Governo Provisório mas era já evidente que a generosidade e
intrepidez de Vasco Gonçalves e dos seus companheiros de Governo era um
sacrifício de heróis condenados.
Em Setembro
de 75 Vasco Gonçalves é substituído na chefia do governo mas o ímpeto profundo
da Revolução prossegue durante meses.
Em Abril a Constituição da República é
aprovada com a única oposição do CDS e de imediato promulgada pelo chefe de
estado general Costa Gomes.
Durante largo tempo a Reforma Agrária
avança e resiste. A Lei Barreto que desencadeou a destruição legal da Reforma
Agrária é de 1977.
Naturalmente se a Revolução prossegue
ainda e em certos aspectos se aprofunda sem Vasco Gonçalves no Governo, isso
acontece porque o movimento popular de massas que foi sempre um elemento
primacial da Revolução mantém a sua enérgica acção mesmo para além da vitória
do golpe do 25 de Novembro.
A elaboração
da Constituição da República de 2 de Abril de 1976 foi possível, ainda, porque
forças influentes no quadro civil e militar se mantiveram combativas e fieis
aos objectivos da Revolução para além do 25 de Novembro.
A Constituição de 1976 é a tradução
jurídico-política do triunfo da Revolução do 25 de Abril.
O seu clausulado para além de configurar o
estado de direito, consagra e destaca na sua estrutura jurídica liberdades e
direitos fundamentais no plano político, económico, social e cultural.
É assim que consagra no Título III, Parte
I, os direitos económicos, sociais e culturais e nomeadamente o direito ao
trabalho, à segurança social, à saúde, à habitação, à qualidade de vida, os
direitos da família, dos pais e da infância, dos jovens, dos deficientes e da
terceira idade, mas também o direito à educação e à cultura, ao ensino, à
fruição e criação cultural e à cultura física e desporto no quadro dos direitos
fundamentais.
A Constituição de 1976 reflectiu a
concepção humanista, solidária e progressiva da sociedade que sempre marcou a
acção dos mais destacados protagonistas do processo revolucionário e, entre
eles, Vasco Gonçalves.
A consagração
destes normativos constitucionais ia de par com as reivindicações dos
trabalhadores e das massas populares, dos jovens e das mulheres, nas ruas, nos
locais de trabalho, nas escolas.
Naturalmente que no processo histórico há também tempos de recuo.
São dessa ordem
os tempos que vivemos actualmente, em que uma minoria possidente e opressora consegue
fazer recuar provisoriamente as conquistas dos cidadãos e dos povos.
Os mesmos que
dirigem as grandes empresas transnacionais tentam chamar a si, por completo, as
rédeas do poder.
Não lhes basta o
poder económico. Vêm sequestrando o poder político, com a colaboração dos que
se passam para o lado do neoliberalismo e do imperialismo, com a conivência dos
que se apressam a aceitar como inevitável o transitório avanço da opressão e do
medo, dos que desistem do sonho de uma sociedade mais justa e mais fraterna.
A nível nacional
e global os grandes centros financeiros têm tecido as mais ardilosas formas de
cerco e de domínio. Nas últimas dezenas de anos a concentração do rendimento e
da riqueza faz-se a um ritmo dia a dia mais veloz e por todo o mundo dito
desenvolvido cresce a desigualdade.
Os grandes
senhores do mundo conseguem chamar a si a grande parte da riqueza produzida com
o sangue, suor e lágrimas de milhões e milhões de deserdados.
Numa época em que
os avanços científicos e tecnológicos permitiriam que baixasse o tempo de
trabalho e melhorasse a qualidade de vida das massas trabalhadoras, é o
contrário que vem acontecendo.
É um caminho que
não é inevitável e que se não for rapidamente revertido nos levará aos mais
graves dos desastres, no sentido de uma sociedade em conflito, de um poder
político concentracionário e opressor.
O Homem não tem que ser o lobo do Homem.
A Humanidade tem
feito o caminho do progresso pela cooperação e pelo reconhecimento da dignidade
de cada homem.
Os valores por
que se bateu Vasco Gonçalves e proclamados na Constituição da República
Portuguesa não são utópicos nem dispensáveis.
Há áreas de
actividade que têm de ser geridas em termos de bens públicos. O abastecimento
de água ao domicílio, os serviços de saúde, o ensino, a energia, as
telecomunicações, a produção e distribuição dos produtos alimentares, a defesa
do meio ambiente não podem ser transformadas em coutadas do grande capital
transnacional antes têm de ser geridas em termos de bens públicos.
É necessário
afirmar o primado da política sobre a
economia. Os povos têm o direito de escolher a sociedade que querem construir.
Como disse Vasco
Gonçalves, moral e política vão de par, não se podem dissociar.
É preciso sonhar
e, prosseguir, desenvolver e retomar sempre a luta por um mundo melhor, por um
mundo de liberdade e de paz, por um mundo desenvolvido e solidário, em que, nas
palavras de Vasco Gonçalves em Almada, cada português possa livre e feliz.