Intervenção de José Casanova, Vice-presidente da ACR, na romagem ao túmulo de Vasco Gonçalves



Do vasto conjunto de realizações que integram o programa das comemorações do 40º aniversário de Abril promovidas pela Associação Conquistas da Revolução, emergem, pelo seu profundo significado, as múltiplas iniciativas de homenagem ao general Vasco Gonçalves.
Assim quisemos que fosse e assim teria que ser, porque o Companheiro Vasco é a referência primordial da nossa Associação e a razão fundamental da sua existência: foi com a memória do seu exemplo de revolucionário e de construtor maior da Revolução de Abril que avançámos para a criação da Associação Conquistas da Revolução, a qual só por razões alheias à nossa vontade não se chamou Associação Vasco Gonçalves - mas que, adoptando o nome que hoje tem, não se desviou um milímetro dos objectivos inicialmente definidos nesta matéria e que constavam do seu texto fundador: «preservar a memória do general Vasco Gonçalves, o seu exemplo de dignidade, de coragem, de inteireza de carácter; a sua superior estatura moral, política, intelectual e humana - bem como promover a divulgação, o estudo e o debate sobre o seu pensamento e a sua obra».
É isso que temos vindo a fazer, ao longo do ainda curto tempo de vida da nossa Associação, através da actividade desenvolvida em torno da valorização e da defesa das Conquistas da Revolução e dos valores que as integram.
E é isso, portanto, que estamos a fazer nas comemorações deste 40º aniversário, dando o devido destaque ao Companheiro Vasco e ao papel determinante por ele desempenhado na Revolução de Abril.

Porque Vasco é Abril – e de ninguém mais, dizendo a verdade, podemos dizer tal coisa.
Vasco é nome que, mal o pronunciamos, nos traz de imediato à memória, Abril – o dia 25 e os dias, semanas e meses que se lhe seguiram e que constituíram o tempo mais luminoso da história do nosso País.
Vasco é, assim, a palavra inicial da nossa memória de Abril, o nome que, naturalmente, com a simplicidade da água que corre, nos faz desaguar no mar imenso e nosso da Revolução e nos confirma que o futuro livre, pacífico, justo, próspero e independente de Portugal – esse futuro do qual vimos um pedacinho naqueles quase dois anos de processo revolucionário – está indelevelmente sinalizado nos valores e nos ideais da Revolução Portuguesa – tal como o exemplo de coragem e de coerência revolucionária do Companheiro Vasco sinaliza os caminhos da luta que conduzirá à conquista desse futuro.

Por isso comemorámos Abril lembrando Vasco Gonçalves – primeiro sócio de Mérito da Associação Conquistas da Revolução;
por isso organizámos, em Abril, um encontro de confraternização num restaurante onde tantas vezes estivemos com ele e onde ele muito gostava de ir;
por isso o recordámos no desfile das Comemorações Populares de Abril, na Avenida da Liberdade, e na manifestação do 1º de Maio, Almirante Reis acima até à Alameda Afonso Henriques:
por isso aqui estamos hoje, lembrando a perda enorme que foi, para todos nós, o desaparecimento do Companheiro Vasco - mas reafirmando a nossa determinação de dar continuidade à luta por Abril e pelos seus valores ;
por isso estaremos no próximo sábado na Cooperativa Bem-Vinda a Liberdade, em Setúbal, relembrando as muitas vezes que ali ouvimos o Companheiro Vasco falar de Abril, das Conquistas da Revolução, e de um tema nele recorrente: a solidariedade com a Revolução cubana e com o heróico povo de Cuba;
por isso iremos proceder, no dia 18 de Julho, ao lançamento público do livro «Vasco, Nome de Abril»;
por isso estaremos nos dias 4 e 5 de Outubro no ISCTE, no Congresso «Conquistas da Revolução – homenagem ao Companheiro Vasco, Primeiro-ministro dos trabalhadores e do povo».

Tudo isto a confirmar que, como atrás foi dito, as iniciativas de homenagem a Vasco Gonçalves têm um lugar preponderante nas comemorações deste 40º aniversário de Abril.
Nas comemorações promovidas pela Associação Conquistas da Revolução, obviamente, porque da generalidade das realizações promovidas por outras estruturas, nada mais há que esperar do que o prosseguimento do que até aqui têm feito, a saber: ou o silenciamento absoluto ou os ataques raivosos característicos dos inimigos de Abril.
Não surpreende esse silenciamento a que o nome e a figura de Vasco Gonçalves foram condenados nestas comemorações do 40º aniversário de Abril, por parte dos executantes ou apoiantes (directos e indirectos) da política das troikas e dos média propriedade do grande capital.
E muito menos surpreende que, quando lhe referem o nome, o façam para, através dos habituais insultos e calúnias, destilarem o ódio de classe que os move sempre que lhes salta à memória a postura íntegra, corajosa, patriótica e revolucionária de Vasco Gonçalves, e o papel por ele desempenhado em todo o processo revolucionário – ou seja, quando lhes salta à memória, certamente em pesadelos de suores frios, a acção daqueles quatro governos provisórios…
Por isso os temos visto por aí, representando a sua farsa, propagandeados pelas trombetas mediáticas da praxe, uns a dar vivas à revolução – mas, de facto, a vitoriar a contra-revolução; outros, a fingir que aplaudem a democracia de Abril – mas, de facto, batendo palmas à democracia das troikas; e uns e outros, de cravo ao peito, a fingir que comemoram o 25 de Abril – mas, de facto, deitando foguetes ao 25 de Novembro.

Nós comemoramos Abril com a memória do Companheiro Vasco – e fazemo-lo começando por recordar a resistência de décadas ao odioso regime fascista e aquele dia memorável em que o heróico Movimento dos Capitães derrubou o governo fascista de Marcelo Caetano; esse acto que o Poeta da Revolução sintetizou em quatro versos de rara sensibilidade poética e política.

Quem o fez era soldado
homem novo  capitão
mas também tinha a seu lado
muitos homens na prisão

Nós comemoramos Abril e homenageamos Vasco Gonçalves, recordando o povo nas ruas a conquistar a liberdade, exercendo-a - e trazendo à memória o gigantesco primeiro 1º de Maio, sinal de partida para o impetuoso processo revolucionário que, dando sentido e conteúdo à liberdade conquistada – e, assim,  sinalizando o sentido e o conteúdo da Revolução Portuguesa - viria a traduzir-se, de imediato, numa notável melhoria das condições de vida e de trabalho do povo e dos trabalhadores e, nos meses seguintes, na transformação radical das estruturas económicas do País.

Nós comemoramos Abril, e homenageamos Vasco Gonçalves, lembrando a instituição do salário mínimo nacional, que fez com que cerca de 700 mil trabalhadores passassem a ganhar mais do dobro do que até aí ganhavam – esse salário mínimo que era mais elevado em 1974 do que é hoje, sublinhe-se; e lembrando o aumento das pensões de reforma e invalidez e do abono de família; e o aumento dos salários e o congelamento dos salários superiores a 7 500 escudos; e a generalização do direito a férias pagas; e o congelamento dos preços e rendas dos prédios urbanos; e os primeiros passos dados no sentido de assegurar, como direitos humanos fundamentais, o direito à Saúde, à Educação e a igualdade de direitos entre homens e mulheres; e a consagração de direitos laborais de dimensão histórica, que colocaram os trabalhadores portugueses à frente da maioria os seus camaradas europeus.
Nós comemoramos Abril, e homenageamos Vasco Gonçalves, evocando as outras grandes Conquistas da Revolução: a descolonização, isto é, o fim da guerra colonial e a contribuição para a rápida independência conquistada pela luta dos povos submetidos ao colonialismo; o poder local democrático, início da concretização de um conjunto de realizações memoráveis ao serviço dos interesses das populações; as nacionalizações que, abrangendo parte decisiva e determinante da economia nacional – e liquidando o capitalismo monopolista de Estado, que fora um dos sustentáculos do fascismo - produziram uma transformação revolucionária nas estruturas sócio-económicas e abriram perspectivas novas à evolução da economia e da sociedade portuguesas; e a reforma agrária – «a mais bela conquista da revolução» - acabando com o latifúndio opressor e explorador, também ele sustentáculo básico da fascismo, e pondo a terra nas mãos de quem a trabalhava e a produzir para o País; criando 50 mil postos de trabalho e eliminando o desemprego; pondo termo, naquele universo e naquela situação concreta, à exploração do homem pelo homem e ali implementando relações de produção de carácter socialista.

Nós comemoramos Abril e homenageamos Vasco Gonçalves erguendo bem alto a Constituição da República Portuguesa, esse retrato fiel da revolução que, consagrando todas as conquistas alcançadas, se afirmava como matriz da democracia de Abril e do futuro socialista de Portugal.

Nós comemoramos Abril, e homenageamos Vasco Gonçalves, evocando a aliança Povo/MFA - ou seja a aliança do movimento operário e popular com os militares revolucionários - essa aliança que teve no Companheiro  Vasco  o seu grande elo de ligação, como nos dizia aquele cartaz de João Abel Manta, com o Vasco entre um soldado e um homem do povo e a legenda:
MFA-VASCO-POVO
POVO-VASCO-MFA;
essa aliança que, porque foi a força motriz que levou às Conquistas da Revolução e à Democracia de Abril, constitui a razão de ser e a essência da nossa Associação Conquistas da Revolução.

Nós comemoramos este 40º aniversário, e homenageamos Vasco Gonçalves, lutando pelos valores de Abril, o que significa lutar contra a política de direita praticada, desde há 38 anos, por sucessivos governos PS/PSD, sozinhos, de braço dado ou com o CDS atrelado.
Essa política que declarou guerra de morte à democracia de Abril e que tem vindo a liquidar tudo o que de positivo e avançado foi conquistado com a revolução – de tal modo que, hoje, bem podemos dizer que, em muitos aspectos, estamos mais próximos do 24 do que do 25 de Abril.
Esses governos que elegeram como alvos a abater os direitos laborais e sociais e têm vindo a proceder a uma sinistra acção de venda a retalho da independência de Portugal, de destruição da economia nacional e de proliferação do desemprego, das injustiças sociais, da miséria, da fome – enquanto, do outro lado desta trágica realidade, crescem e engordam todos os dias os lucros dos grandes grupos económicos e financeiros.
Essa política e esses governos que, recorrendo ao vale-tudo, e com crescente frequência adoptando métodos e práticas repescadas do tempo do fascismo, se exibem como inimigos assumidos de Abril e protagonistas declarados da contra-revolução.
Essa política e esses governos que olham para a Constituição da República como se do demónio se tratasse e que, enquanto vão tentando criar condições para a liquidar definitivamente, não hesitam em agir fora da Lei Fundamental do País – em regra, sob os olhares cúmplices de quem tinha o dever de a defender.
E a situação actual é por demais evidente do estado a que chegou a ofensiva contra a Constituição: um governo que ostensiva e arrogantemente a despreza e espezinha e que, perante algumas decisões que se lhe opõem por parte do Tribunal Constitucional, afronta provocatóriamente este órgão de soberania, indo ao ponto de afirmar que, de futuro, «os juízes do Tribunal Constitucional têm de ser mais bem escolhidos» - isto é têm de deixar de cumprir o seu dever de garantir o cumprimento da Constituição; têm de fazer o que faz o Presidente da República que, na sua postura de inimigo figadal de Abril, assobia para o ar e manda às urtigas o juramento que fez de, pela sua «honra, cumprir e fazer cumprir a Constituição da República».

Quer isto dizer que, na situação actual, a defesa da Constituição da República é, para os trabalhadores e para o povo, uma tarefa essencial. Dizemo-lo hoje, como há dez anos atrás o disse Vasco Gonçalves: «O essencial da Constituição Portuguesa está de acordo com as grandes transformações revolucionárias operadas no decurso do processo revolucionário. A essas transformações revolucionárias chamamos Conquistas da Revolução e uma delas é a própria Constituição (…) a defesa da Constituição Portuguesa é, portanto, a defesa das Conquistas da Revolução».

Então, comemorar Abril é, para nós, relembrar toda a exaltante caminhada do nosso processo revolucionário e, dessa caminhada, recordar a acção patriótica e revolucionária do Companheiro Vasco, Primeiro-ministro dos trabalhadores e do povo.
Com o compromisso assumido de que, na luta de todos os dias e na intervenção da Associação Conquistas da Revolução, Vasco Gonçalves é a referência maior; o exemplo de dignidade, coragem e coerência que teremos sempre presente; o Companheiro que sabemos estar sempre ao nosso lado nos caminhos de Abril, que são os caminhos do futuro; o Amigo ao qual dizemos hoje, como dissemos nesses dias exaltantes da Revolução: «Vasco, amigo, o povo está contigo», «Abril vencerá».


 José Casanova, Vice-presidente da ACR