Comunicação feita no debate subordinado ao tema "Privatização
da RTP ou Serviço Público"? Realizado em 30 de Janeiro, na
Casa da Imprensa e promovido pela Comissão para Defesa da Liberdade
e da Democracia, pelo professor universitário José Rebelo.
MELHORAR
OU DESMANTELAR A TELEVISÃO PÚBLICA
São,
fundamentalmente, três as razões que estão na base da decisão do
governo adiando qualquer projecto de privatização, no todo ou em
parte, da empresa RTP-SA:
- A mobilização da opinião pública;
- As divergências entre os dois partidos da coligação;
- A pressão dos operadores privados.
Com
efeito, e apesar de todas as críticas legítimas que se possam fazer
quanto à qualidade dos conteúdos difundidos pelos canais de
televisão, uma coisa é certa: a RTP goza de credibilidade junto da
opinião pública que receia as consequências de uma televisão
colocada ao serviço exclusivo de interesses privados. Os estudos já
realizados a este propósito demonstram-no sem margem para dúvidas.
Por
outro lado, e em diversas ocasiões, o CDS manifestou, relativamente
à propriedade e à estrutura de um meio de comunicação social de
tamanha importância na configuração do espaço público, como é a
televisão, uma atitude de alguma prudência, no sentido de moderar o
ultraliberalismo desenfreado do PSD.
Por
fim, dificilmente o governo poderia contrariar lobbies
com a força e a capacidade de influência como aqueles em que
assentam a Impresa e a Media Capital. Não vale a pena insistir na
debilitada situação financeira em que se encontram estes dois
grupos multimédia e as consequências que, para eles, adviriam da
entrada no mercado da publicidade, já de si em crise, de um outro
operador ainda por cima mais aguerrido do que a RTP.
O
adiamento da decisão não é motivo, contudo para se cantar vitória.
Antes pelo contrário. O adiamento deverá ser aproveitado para um
recrudescimento das iniciativas, pessoais e colectivas em favor de um
serviço público de rádio e de televisão prestado por uma empresa
pública.
E
isto porquê?
Porque
os riscos que pesam sobre o futuro da empresa RTP SA não diminuíram.
Que
riscos?
A
hipótese da eliminação da empresa pública e da entrega a privados
da prestação de serviço público (no fundo a “solução
apresentada por António Borges no Verão passado) parece afastada
porque claramente constitucional. E não se descortina a
possibilidade de se vir a constituir uma maioria parlamentar
qualificada susceptível de alterar esse ponto da Constituição.
A
hipótese de privatização de um dos canais de televisão também se
afigura como dificilmente exequível. Passando em revista os
potenciais interessados, o que é que se verifica? Verifica-se que a
Ongoing, por razões pessoais e empresariais, parece mais virada para
o reforço das suas posições no interior da Impresa e, a prazo,
para o controlo da mesma (vejam-se as lutas fratricidas que se têm
travado entre Francisco Pinto Balsemão e Nuno Vasconcelos). É pouco
crível que capitais angolanos, directamente através da Newshold ou
indirectamente através da Cofina, se lancem numa guerra em que, por
um lado, se confrontariam com poderosos grupos financeiros com os
quais procuram, isso sim, negociar discretamente e, por outro lado,
agitariam largos sectores da opinião pública sem que, daí, lhes
adviessem quaisquer vantagens. Não deixa de ser sintomática a
pressa com que Isabel dos Santos desmentiu eventuais interesses na
RTP.
São
igualmente pouco críveis rumores que circularam há alguns meses,
associando a venda de um canal da RTP ao grupo FOX de Rupert Murdoch
que, assim, tentaria entrar no espaço lusófono. Seria ignorar as
fortes medidas proteccionistas tomadas, neste domínio, por
brasileiros e angolanos.
Portanto,
nem dissolução da empresa nem venda de canais.
Resta
uma terceira hipótese: a da progressiva atrofia da empresa que, num
prazo relativamente curto, ficaria limitada ao exercício de uma
função meramente residual.
Hipótese
bem provável, esta.
Alguns
sinais apontam, de facto, neste sentido.
- O anúncio do fim das emissões em onda curta. Estas emissões foram, formalmente, suspensas em 2011. A título provisório, declarou o presidente do Conselho de Administração de então quando interpelado, a esse respeito, pelo Conselho de Opinião da RTP. Só após uma avaliação dos efeitos da suspensão se tomaria uma decisão definitiva, acrescentou Guilherme Costa. Agora, que o ministro da tutela decide acabar com as referidas emissões, há lugar para perguntar se a referida avaliação foi efectuada e, no caso afirmativo, quais os resultados apurados.
- O anúncio do despedimento de 600 trabalhadores.
- O anúncio da entrega da gestão dos Centros regionais da Madeira e dos Açores aos respectivos governos regionais.
- O anúncio da eliminação de diversas delegações.
- O anúncio de que 2013 será o último ano em que a empresa beneficiará da indemnização compensatória prevista no contrato de concessão.
É
ainda o ministro da tutela quem esclarece: a partir de 2014 a RTP
contará, apenas, com as receitas da publicidade (6 minutos por hora)
e com a contribuição para o audiovisual que é cobrada na factura
da electricidade: a CAV
Mas
nada impede o governo de descer o valor dessa contribuição. Uma
decisão que seria, aliás, bem acolhida:
- Pela opinião pública que veria baixar o montante a pagar mensalmente.
- Pela opinião publicada que se insurge contra uma taxa injusta porque igual para ricos e para pobres.
Menos
dinheiro. Cada vez menos dinheiro. Logo restrições e mais
restrições ao nível dos conteúdos programados. Logo redução
contínua dos shares
que, actualmente, já oscilam em torno dos 11%.
Descida
dos shares
igual a descida das receitas da publicidade.
E
assim, quase imperceptivelmente, chegaríamos a uma televisão
completamente descapitalizada convertida numa espécie de tele-escola
de segunda categoria e comercialmente irrelevante.
E
assim seriam protegidos os negócios que se desenvolvem na área.
E
assim cumprir-se-ia uma das posições ideológicas repetidamente
afirmadas, em particular no âmbito do PSD: a de um Estado mínimo
limitado à execução de tarefas burocráticas e à margem das
grandes questões como, por exemplo, a questão da comunicação
social.
Mas,
defender o serviço público de televisão não significa,
obviamente, estar de acordo com tudo o que se faz na televisão
pública.
Urge
rever a grelha de programas conferindo-lhe maior qualidade e maior
diversidade nos termos consagrados, aliás, em múltiplas disposições
legais.
Urge
rever a RTPi mas não no sentido de a transformar numa espécie de
porta-voz da política portuguesa em matéria de negócios
estrangeiros.
Urge
definir com rigor o público-alvo da RTP África. Os portugueses que
se deslocam para os países africanos de língua portuguesa? Os
habitantes desses países africanos de língua portuguesa? Os
imigrantes africanos em Portugal? E é a partir de tal definição
que deverá ser construída a grelha de programas.
Urge
melhorar, sim. Urge transformar, sim. Mas nunca para desmantelar.
JOSÉ
REBELO